"Bertina Lopes: Tudo (ou Quase)" - publicado em Roma livro sobre a artista luso-moçambicana
falecida em 2012
(transmissão
em português e italiano)
Mais uma vez Bertina Lopes reuniu em volta de si
personalidades do mundo da cultura, da política, da Igreja e da sociedade. Foi no
passado dia 21, numa importante Biblioteca do Ministério dos Bens e Actividades Culturais,
em Roma.
Bertina que partiu para a Casa do Pai a 10 de Fevereiro de 2012,
com 88 anos de idade, estava presente através de um livro a ela dedicado: Bertinha
Lopes - Tudo (ou quase), cuja apresentação era a razão do encontro. Um livro em que
o historiador italiano da arte, Claudio Crescentini percorre a vida e obra
da artista desde os anos 40 até 1974; um entrelaço de dados biográficos com a sua
evolução artística, estilo, ética política, personalidades e artistas com que se cruzou
que influenciou ou que influenciaram a sua arte. Tudo passando de modo particular
pelos três países da sua vivência: Moçambique, sua terra natal (e terra da sua mãe),
Portugal terra do pai e Itália, onde chegou em 1964 e permaneceu até à morte. Um livro
nascido duma ideia da Embaixadora de Moçambique em Itália, Carla Mucavi, explicou
o autor:
“A ideia nasceu por ocasião da mostra de 2012 no Auditorium de
Roma na comemoração dos 20 anos da assinatura dos Acordos de Paz para Moçambique e
veio da Embaixadora de Moçambique que disse: “porque não fazer um livro que conte
tudo sobre a Bertina antes da sua chegada a Roma?!” Então o livro é um pouco isto.
Termina em 1974, isto é 10 anos depois da chegada a Roma da Bertina, mas fala de todo
o seu mundo africano, das suas relações em África com grandes personalidades, mas
também em Portugal porque o pai dela era português e ela estudou em Portugal. Talvez
consigamos escrever o segundo volume sobre toda a sua vida em Itália. O arquivo pessoal
dela foi muito importante para este trabalho, porque deu-me a possibilidade de ter
acesso a documentos que, doutra forma, não teria encontrado e talvez não seriam nunca
transcritos e publicados”.
Por aquilo que sublinharam aqui os diversos
oradores, fica-se com a ideia de que Bertina era uma artista empenhada!
“Uma
artista muito empenhada. Aliás, tendo estudado em Portugal nos anos 40, altura em
que os docentes de arte eram todos pós-impressionistas, nos rastos de Matisse, de
Cézanne e outros, Bertina parte de raízes culturais e pictóricas europeias, mas voltando
para Moçambique começa a fazer uma pintura que é completamente diferente, muito bruto,
feita não em tela, mas em sacos de serapilheira que ela preparava com cal e deitava
por cima a tinta, o que torna mesmo interessante ver o avesso desses quadros. Ela
começa nessa altura a fazer uma pintura politica atenta ao sofrimento do seu povo,
às crianças, mulheres, ao sistema colonial no país, ao Apartheid e a toda uma série
de problemas que se reflectem na sua arte, e isso até quase aos anos 50”
Casada
em Moçambique com o poeta e activista politico, Virgílio de Lemes, várias vezes preso
e torturado pelo governo colonial, tanto Bertina e como o marido se sentem sufocados
por esses sistema. Separam-se. Ele foge para Paris e ela segue para Lisboa e depois
para Roma, onde chega em 1964, com uma bolsa de estudo da Fundação Gulbenkian para
estudar artes clássicas. Mas não abandonará nunca as suas "raízes profundas" africanas,
a condição social do seu povo e a sede de libertação, algo que foi sublinhado no encontro
e de que os moçambicanos muito se orgulham – disse o Conselheiro da Embaixada, Lourenço
Jeremias Cumbe que apreciou muito o facto de D. Matteo Zuppi - actualmente
bispo auxiliar de Roma e membro da Comunidade de Santo Egídio que favoreceu a assinatura
dos acordos de paz para Moçambique em 1992 – ter recordado que Bertina desempenhou
um papel importante no processo de paz em Moçambique, facilitando o primeiro encontro
na sua casa em Roma com um membro da RENAMO.
Por
sua vez D. Matteo Zuppi recorda a Bertina como uma pessoa de grande vitalidade, dinamismo
e espírito livre:
O livro saído
do prelo de Palombi Editori, foi editado graças ao contributo da “Fundação
Roma/Artes e Museus”, presidida pelo Professor e Advogado Emmanuele Emanuele
que disse sentir-se ligado a este livro por motivos pessoais e institucionais:
“O interesse pessoal nasce do facto que Bertina Lopes chega a Roma,
conhece e frequenta todos os artistas maravilhosos dos anos 60, todos aqueles que
deram vida à “Escola Romana”. Era uma época em que eu também que era jovem frequentava
esse belíssimo mundo de artistas, cujas obras coleccionava e continuo a coleccionar.
Um mundo maravilhoso! Bertina Lopes fazia parte desse mundo. Tinha vindo a Roma com
uma bolsa de estudo, frequentava aquele mundo de que ela também era protagonista,
na diversidade da sua arte, claro, mas seguramente parte dessa grande Roma maravilhosa
daquele tempo.
Esta, portanto, a motivação pessoal. A motivação institucional
é que a "Fundação Roma" têm entre as suas actividades - no campo da saúde, de apoio
à Igreja - uma forte relação com o mundo mediterrânico e a África com a qual interagimos
mediante uma série de iniciativas como a de ter, por exemplo, contribuído recentemente
para a restauração da Igreja de Santo Agostinho de Hipona, em Argel, porque a nossa
vocação é humanitária, social, civil, mas sobretudo cultural. E essa cultura encontramo-la
no Mediterrâneo da beleza de civilizações que nos permite agir na convicção de que
o diálogo entre as culturas pode impedir guerras, contraposições, e favorecer a paz,
a universalidade do amor entre as pessoas.”
Pode indicar alguns motivos
pelos quais aconselha a leitura deste livro.
“Uma grande artista que teve
um grande passado também de ética política, um empenho multiforme para criar essa
ponte entre o mundo ocidental e a África, mas sobretudo porque é realmente uma grande
artista reconhecida por todos aqueles que tiveram o privilégio de se encontrar com
ela, os grandes protagonistas da cultura romana como Argan, Guttuso e outros que
a consagraram como tal, mas creio que mais do que qualquer outro é a grande estima
que tinha por ela Picasso que foi o maior artista do nosso século.”
Bertina
foi uma ponte cultural viva entre a África e Europa, entre Moçambique e Portugal,
de modo particular. Por isso, Lisboa não podia deixar de patrocinar a obra “Bertina
Lopes, tudo ou quase” e o Embaixador Manuel Lobo Antunes sentiu-se honrado
por presenciar ao evento.
Em Itália,
onde Bertina casou-se, em segundas núpcias, em 1965, com o jovem amante de arte, Francesco
Confalone, a artista participou em diversas mostras importantes e obteve numerosos
prémios. Viveu uma vida plena de encontros com artistas e politicos de fama internacional
como por ex., Amílcar Cabral, Mário Soares, etc. Disso dá testemunho o famoso muro
da sua casa – laborotório no centro de Roma com assinaturas, mensagens, fotos… de
grandes personalidades. Com Mandela se encontrara em Cabo Verde em 1998 e conservava
dele também uma mensagem. A importância desse muro foi enaltecido na apresentação
do livro, como aliás foi também o arquivo pessoal da Bertina que o Professor Donato
Tamblé, arquivista do Estado italiano para a região do Lácio disse ter dado início
em Fevereiro passado ao processo de reconhecimento como Bem Cultural…
“Dei
início ao procedimento para o reconhecimento do arquivo de Bertina Lopes como Bem
Cultural porque é um arquivo importante de uma protagonista da arte e também do empenho
político contemporâneo e é importante que não seja considerado só como algo privado,
exclusivo, para poucas pessoas, mas possa ser consultado e visto por todos e, ao mesmo
tempo tutelado segundo as regras do Código dos Bens Culturais, como bem cultural em
si.”
Quer dizer que esse arquivo vai ser transferido da casa da Bertina
para algum departamento arquivístico do Estado italiano?
“Permanece ali
até quando o desejarem os herdeiros e permanece propriedade privada. Um dia poderá
ser mesmo doado a uma administração arquivística se assim o desejarem”
Segundo
o seu olhar de arquivista, o que representa a Bertina Lopes para a Itália?
“Não
há duvida de que é uma protagonista do mundo cultural, uma protagonista de nível internacional
que quis tornar-se romana – viveu em Roma ao longo de muitos anos – continuando a
manter todas as suas relações internacionais e por isso cidadã do mundo, cidadã de
Roma”
Bertina Lopes, tem segundo o autor do livro mais de duas mil obras,
entre pinturas e esculturas, espalhadas por vário países, entre os quais Cabo Verde,
Cuba, Costa do Marfim as parte do mundo. Ele disse ainda que as entradas da venda
do livro irão para o Projecto DREAM de luta contra o HIV-SIDA em vários países
da África, inclusive Moçambique. Um projecto nascido em 2003 duma ideia da Bertina
e posta em prática pela Comunidade de Santo Egídio. Quanto ao livro em italiano,
pode ser que venha a ser traduzido em português, explicou Cláudio Crescentini:
“Olhe,
eu quis que no fim do livro houvesse uma biografia em inglês e português, precisamente
para dar a possibilidade a quem não sabe italiano, de aceder um pouco à vida e obra
da Bertina. Mas seria uma bela ideia poder publicá-lo também português. Esperamos
poder fazê-lo.”
Para saber mais sobre a vida e obra da Bertina Lopes consulte
o site archiviobertinalopes.net. **Ascolti anche Afrofonia
di sabato 31 maggio (in italiano) con il Dott. Crescentini, ospite al telefono.