Jales (RV) - As primeiras páginas da Bíblia estão repletas de símbolos. Eles
desafiam nossa inteligência. E nos mantêm alertas para perceber novos significados
que possam abrigar por trás da ousadia de seus símbolos.
Os primeiros
onze capítulos do Livro do Gênesis não são relatos históricos. São textos simbólicos.
Lançam mão da estratégia de usar cenas com aparências históricas, para expressar situações
amplas e permanentes.
Por exemplo, a “história” de Caim matando o seu irmão
Abel, infelizmente não se reduz a um episódio isolado, que a Bíblia registra. Porque
na verdade é uma cena simbólica, mostrando quanto a humanidade continua impregnada
de sentimentos negativos que levam os irmãos a se matarem entre si.
Da mesma
maneira, é simbólica a “história” do dilúvio que cobriu toda a terra, ou a “história”
da torre de Babel. Usam um gênero literário parecido com as “parábolas”, que Jesus
contava com maestria.
Seria muito cômodo reduzir estes relatos à sua aparência
concreta. O desafio é interpretar o seu significado, que é sempre mais amplo do que
sugere sua fisionomia externa.
O relato da criação do mundo dentro dos moldes
de uma “semana”, foi o objeto preferido das apressadas acusações contra a bíblia.
Hoje a semântica reconhece que este relato faz parte das mais famosas páginas que
a literatura mundial já registrou
Entre tantos símbolos, usados neste relato
da criação do mundo que a Bíblia apresenta, o símbolo da semana continua rendo o mais
rico, e o mais valorizado pela liturgia.
Para a Bíblia, a semana é a medida
simbólica da totalidade do universo. Desde a sua primeira página, apresenta o mundo
ritmado na seqüência de sete dias, expressando a perfeição do projeto divino e sua
realização harmoniosa na natureza.
Daí nasce a força simbólica da semana.
Na linguagem bíblica, ela é a medida do universo, e a expressão dos desígnios originais
de Deus, o Criador.
Cristo veio retomar estes desígnios, e refazê-los com a
nova medida da misericórdia divina, que assimila as conseqüências do pecado, e reintegra
a humanidade em seu mistério de amor.
A ação de Deus, na primeira criação,
é colocada no contexto da semana. A “nova criação”, realizada por Cristo, também é
colocada na seqüência de uma semana.
A primeira semana, da criação do mundo,
revela o poder de Deus, que faz tudo acontecer sob o comando de sua palavra.
A
segunda semana, também revela o poder de Deus. Mas um poder diferente, que surpreende
a humanidade. O poder da misericórdia, que assume a forma de fraqueza humana, manifestada
pela humilhação do Cristo que aceita o sofrimento e a morte, frutos do pecado, para
vencê-los com a força do amor.
A semana da criação revela a eficácia da
Palavra criadora, que ordena e tudo acontece. A semana da redenção manifesta a fecundidade
da obediência de Cristo, que aceita o cálice amargo, e por meio dele redime a humanidade
e faz acontecer o “homem novo”, que manifesta todo o seu vigor na glória do Ressuscitado.
Após 40 anos, o povo entrou na terra prometida. Após os quarenta dias da quaresma,
somos convidados a entrar no mistério de Cristo, que nos torna novas criaturas, pela
força do seu amor redentor.