CNBB apoia declaração pública pela democracia no Brasil
Brasília (RV) - O Bispo auxiliar de Brasília (DF), Dom Leonardo Ulrich Steiner,
Secretário-Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), participou na
quinta-feira, 27, do ato de lançamento da declaração pública "Compromisso coletivo
pela democracia – Brasil: ditadura nunca mais", na sede das Pontifícias Obras Missionárias
(POM), em Brasília.
O documento proposto pelo Conselho Nacional de Igrejas
Cristãs do Brasil (Conic), do qual a Igreja Católica é membro, e em parceria com outras
organizações, faz memória aos 50 anos do golpe militar e destaca a atuação das Igrejas
cristãs na luta pela plena democracia e garantia dos direitos humanos.
A declaração
retrata que "grupos ligados às Igrejas, junto com muitos movimentos da sociedade,
foram imprescindíveis para a superação deste período". Lembra, ainda, a mobilização
do movimento ecumênico com o apoio do Conselho Mundial de Igrejas na denúncia e registro
de crimes de tortura que resultou no "Projeto Brasil: Nunca Mais".
Para Dom
Leonardo Steiner, esta declaração pública tem um papel importante no contexto atual
do país. "O texto recorda o tempo e o processo da ditadura, mas também propõe discussões
e reflexões para o futuro. Ainda precisamos dar muitos passos no sentido da democracia,
especialmente no que se refere à participação popular nas decisões", destacou.
O
Secretário-Geral lembra que a CNBB, ao longo dos anos, vem acompanhando os debates
e propostas pela democracia. "Continuamos participando ativamente na construção de
um Brasil mais junto e mais fraterno", disse Dom Leonardo.
De acordo com o
Bispo de Cornélio Procópio (PR) e Presidente do Conic, Dom Manoel João Francisco,
o documento recorda uma memória triste, mas que faz um chamado à ação.
Participaram
também do evento a Secretária-Geral do Conic, Pastora Romi Becker; assessora da Política
de Diversidade Religiosa da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República,
Marga Janete Ströher, o Presidente da Igreja Evangélica de Confissão Luterana, Pastor
Nestor Friedrich, o Senador Randolfe Rodrigues, entre outras autoridades.
A
declaração é assinada pelo Conic, Coordenadoria Ecumênica de Serviço (Cese), Conselho
Latino-americano de Igrejas (Clai) e Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).
Leia,
na íntegra, o texto:
DECLARAÇÃO PÚBLICA COMPROMISSO COLETIVO PELA DEMOCRACIA BRASIL:
DITADURA NUNCA MAIS
“Ah! Se conhecesses também tu, ainda hoje, o que serve
para a paz”(Lc 19.42)
Há 50 anos, o presidente João Goulart foi deposto e instaurou-se
uma ditadura no Brasil que durou 21 anos. Ao longo deste período, movimentos estudantis,
de trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade, intelectuais e grupos religiosos
lutaram arduamente pela democracia. Muitos foram assassinados, torturados, exilados
e “desaparecidos”. São páginas ainda pouco esclarecidas de nossa história recente.
O aprofundamento do direito à memória e à verdade é condição para a edificação da
sociedade, pois garante que pessoas que sofreram violência por parte de agentes de
Estado sejam reconhecidas como vítimas e suas histórias sejam resgatadas.
Grupos
ligados às Igrejas, em conjunto com muitos movimentos da sociedade,foram imprescindíveis
para a superação deste período. Ressalta-se a mobilização para a denúncia e registro
dos crimes de tortura que resultou no Projeto Brasil: Nunca Mais, protagonizado pelo
movimento ecumênico com o apoio do Conselho Mundial de Igrejas. O acervo foi recentemente
repatriado e contribuirá para elucidar fatos e histórias esquecidas.
Apesar
de todo o aparato político, econômico e religioso da ditadura que gerou repressões,
censuras, prisões, assassinatos, exílios políticos e sofrimentos foram dados passos
significativos em direção à abertura democrática. Conquistamos parcialmente a Anistia,
inundamos as praças nas Diretas Já. O processo constituinte foi iniciado, possibilitando
que questões antigas fossem colocadas em debate como a Reforma Agrária, os direitos
sociais, os direitos humanos, a soberania nacional com a necessidade de uma auditoria
da dívida externa e a ideia do controle social do Estado.
Os fatos por si confirmam
que nossa democracia é limitada e inconclusa. A Reforma Agrária não foi realizada
de forma plena e efetiva, o fosso entre ricos e pobres é uma realidade em ascensão,
assistimos a vertiginoso enfraquecimento e criminalização dos movimentos sociais.
Apesar de políticas públicas importantes como a garantia de saúde e educação para
todos, das políticas de cotas e das compensatórias, entre outras, todavia percebe-se
um hiato grande quando estão colocadas na pauta questões para a melhoria do bem-comum
e as de interesse de grandes grupos econômicos. Os interesses populares são relativizados
quando os interesses de grandes grupos econômicos entram em cena.
As ameaças
à democracia são constantes. Na América Latina, lembramos a deposição de presidentes
democraticamente eleitos, como no Paraguai e em Honduras. Recentemente, novas tentativas
de deposição de líderes eleitos pelo povo têm acontecido em países vizinhos.
Nossas
Igrejas e organismos ecumênicos têm um compromisso histórico com a democracia. Por
isso, reafirmamos o nosso compromisso com os movimentos sociais que permanecem firmes
no ideal de uma sociedade com justiça que respeite e garanta os direitos humanos,
culturais, sociais, econômicos e ambientais. A luta por estes direitos demonstra a
nossa opção preferencial pelas pessoas mais vulneráveis de nossa sociedade. Por isso,
nos sentimos desafiados a nos pronunciar sobre o atual momento pelo qual passa nosso
país.
Os limites e esgotamento do atual modelo de democracia representativa
se revelam na privatização das decisões do Congresso com a crescente subordinação
do interesse público aos interesses privados das empresas e organizações do poder
econômico. O afastamento dos representantes eleitos das demandas da sociedade é resultado
da natureza do sistema político, cujo processo eleitoral depende dos recursos financeiros
privados e do lobby do poder econômico.
Juntam-se a isso as iniciativas que
pretendem formalizar a criminalização dos movimentos sociais. Preocupa-nos o fato
de que representantes do poder legislativo tentem introduzir em nossa legislação,
através do PLS 499/2012, o chamado “AI 5 da Democracia”, a concepção de “crimes de
terrorismo”. Sabe-se que a intenção é coibir a livre manifestação popular.
É
inquietante a falta de conhecimento dos processos históricos da América Latina. Grupos
se organizam através das redes sociais para reivindicar o retorno a regimes autoritários
e de exceção. Isso revela a permanência de uma cultura punitiva e de violência como
forma de resolução dos problemas sociais. Esta cultura, em parte, é herança dos anos
de ditadura.
Outros obstáculos impedem o aprofundamento da democracia, entre
eles, o não cumprimento de Convenções e Acordos internacionais firmados pelo país,
como por exemplo, a Convenção 169 da OIT. Grandes empreendimentos como os da Copa
do Mundo não obedecem aos critérios de diálogo e respeito às populações afetadas.
Ao contrário, privilegiam o lucro de grandes empresas, atropelando o direito à existência
em especial das populações tradicionais.
Diante deste contexto, como Igrejas
e organizações que acreditam que a democracia significa uma sociedade que garanta
direitos e oportunidade a todas as pessoas afirmamos nosso compromisso com:
Uma
Reforma do sistema político, com vistas a garantir que os processos decisórios não
se deem apenas pela via eleitoral, pois o exercício do poder deve estar alicerçado
na soberania popular como prática cotidiana de tomada de decisões. Não aceitamos que
o poder econômico defina os resultados das eleições. Repudiamos a sub-representação
de vários grupos nos espaços de poder. Motivo pelo qual, nos somamos às estratégias
construídas pela sociedade civil organizada, a exemplo da Coalizão pela Reforma Política
Democrática e Eleições Limpas e do Plebiscito Popular pela convocação de uma Constituinte
exclusiva e soberana do sistema político.
Sublinhamos a necessária separação
entre Estado e Religião prevista na Constituição Brasileira, sem desconhecer como
é importante a cooperação entre Estado e Religião com vistas ao bem comum. Repudiamos
quaisquer instrumentalizações entre religião e política para fundamentar a discriminação
e incitar a violência.
Neste tempo em que cristãos e cristãs celebram a quaresma,
período de profunda reflexão sobre as consequências da ruptura com a aliança entre
Deus e sua criação, estejamos atentos e vigilantes.
Reafirmamos o nosso compromisso
com o aprofundamento da democracia plena. O processo eleitoral deste ano deve ser
permeado por estas questões centrais que garantam a qualidade da democracia em nosso
país.
CONIC, CESE, CLAI e INESC Fonte: CNBB com informações das POM