Jales (RV) - Um dos bons ofícios da Campanha da Fraternidade é estimular nossa
reflexão. A questão do tráfico humano nos leva a ponderações sobre o nosso corpo.
Ele está no centro da questão do tráfico humano:está em jogo o corpo. Ele sofre a
exploração.
O corpo é ao mesmo tempo expressão visível da vida humana, e
condição indispensável de sua existência. Se o corpo exerce corretamente suas funções,
a vida flui, exuberante. Se o corpo tem dificuldade de funcionamento, a vida padece.
O atestado de morte mais radical é o médico constatar a “falência múltipla dos órgãos”.
Por mais que cultivemos a certeza de uma sobrevida, que ultrapasse nossos
condicionamentos físicos, a vida humana nunca deixa de se expressar através do corpo.
Ele é um “organismo” integrado de forma admirável e prodigiosa, com todos os seus
“órgãos” funcionando a serviço do prodígio maior, que é a vida humana.
Os múltiplos
órgãos do corpo funcionam a serviço da vida humana. O cuidado com o corpo ultrapassa
sua consistência física. Sua finalidade não se detém no corpo. Ele se posiciona em
direção à vida.
O corpo está em função da vida. E a própria vida humana encontra
seu sentido mais profundo quando ela também encontra uma finalidade maior, que a justifica
plenamente.
“Ninguém vive para si mesmo”, alerta São Paulo. Nossa vida também
não é “auto-referencial”. Ela gira em torno de um mistério maior.
Aí entra
uma questão central que a Campanha da Fraternidade levanta neste ano. Como usar do
corpo, para que ele esteja plenamente a serviço da vida.
Salta aos olhos a
perversidade de quem se julga no direito de dispor de órgãos humanos, fazendo deles
mercadoria, colocada à venda para fins lucrativos.
Desta maneira, se explora
o corpo humano, com os expedientes usados para a obtenção dos órgãos que são vendidos
como mercadorias, pervertendo sua finalidade, fazendo do corpo um instrumento de exploração,
ferindo a dignidade humana.
Tanto a finalidade, como os procedimentos para
obtenção forçada de órgãos, se tornam, assim, desumanos e anti-éticos.
Quando,
porém, a pessoa humana, consciente do significado transcendente de sua vida, ela própria
decide colocar gratuitamente seus órgãos, que permanecem sempre a serviço de sua vida
pessoal, para estarem eventualmente a serviço da vida de outras pessoas, que estiverem
na dependência de receber tais órgãos, aí muda de sentido, radicalmente.
Pois
neste caso, de doação livre dos órgãos, eles são colocados a serviço da vida humana.
Assim,
a doação livre dos próprios órgãos, para ficarem à disposição de pessoas que necessitam
deles, é um gesto que toma sentido na finalidade suprema da existência humana, que
consiste em doar a própria vida por amor.
Para que a doação de órgãos tenha
este sentido, é preciso que seja feita em plena liberdade. Como fez Jesus. Ele enfatizou
claramente: “Ninguém tira minha vida, eu a dou livremente”.(Jo 10,18)
O corpo
humano pode, assim, ser colocado como expressão do amor, que justifica a doação total
da própria vida. E´ isto que está na origem do sacramento da Eucaristia. Tendo assumido
um corpo humano, o Filho de Deus fez deste corpo, o sinal maior de seu amor.
A
quaresma recorda e revive este gesto maior de Cristo. Ele entregou seu corpo para
expressar seu amor por nós!