Porto Alegre (RV) - Há exato um ano foi escolhido Papa, o cardeal argentino
Jorge Mário Bergoglio. Contava, então, com 76 anos de idade. Tal fato representou
uma grande surpresa: um latino-americano eleito para bispo de Roma.
Nestes
meses de seu ministério, ele tem demonstrado estar disposto a abrir “novas portas”,
na e para Igreja, mais condizentes com o mundo atual e o futuro. Muito se tem falado
e comentado a respeito de suas atitudes, gestos e decisões que tem gerado surpresas
– com aplausos da maioria e algumas discordâncias – como: recusar-se a morar no Palácio
Apostólico, desejando uma vida mais simples e a possibilidade de se estar mais próximo
às pessoas; faz questão de usar paramentos simples nas celebrações litúrgicas; adotou
o uso de um automóvel mais simples e popular para sua locomoção; tomou providências
para tornar transparentes as atividades do IOR (Instituto para as Obras de Religião).
Por outro lado, se percebe uma expectativa grande em torno de suas decisões, afinal,
o Papa Francisco tem manifestado o desejo de que a Igreja e, especialmente seus ministros,
sejam capazes “de aquecer o coração das pessoas, de caminhar na noite com elas, de
dialogarem com as suas ilusões e desilusões, de recompor as suas desintegrações; (...)
capazes de descer na noite sem ser invadidos pela escuridão e perder-se; capazes de
ouvir a ilusão de muitos, sem se deixar seduzir; capazes de acolher as desilusões,
sem desesperar-se nem precipitar-se na amargura; capazes de tocar a desintegração
alheia, sem se deixar dissolver e decompor na sua própria identidade”(Papa Francisco.
Discurso aos Bispos do Brasil. 27/7/2013).
Por que desse desejo? Porque “faz
falta uma Igreja capaz de redescobrir as entranhas maternas da misericórdia”. Pois,
“sem a misericórdia, poucas possibilidades temos hoje de inserir-nos em um mundo de
‘feridos’, que tem necessidade de compreensão, de perdão, de amor” (Discurso aos Bispos
do Brasil. 27/07/2013).
Para levar a termo a obra da evangelização, a Igreja
pede à sociedade uma única coisa: “a liberdade de anunciar o Evangelho de modo integral,
mesmo quando ele está em contraste com o mundo, mesmo quando vai contra a corrente,
defendendo o tesouro de que é somente guardião, e os valores dos quais não pode livremente
dispor, mas que recebeu e aos quais deve ser fiel (...). A Igreja tem o direito e
o dever de manter acesa a chama da liberdade e da unidade do homem” (idem).
Neste
mesmo discurso aos bispos do Brasil, o Papa dizia que “a Igreja tem uma palavra a
dizer sobre, por exemplo, educação, saúde, paz social. Estas são urgências no Brasil...
Para responder adequadamente a esses desafios, não são suficientes soluções meramente
técnicas, mas é preciso ter uma visão subjacente do homem, da sua liberdade, do seu
valor, da sua abertura para o transcendente”.
As observações do santo padre
não podem passar ignoradas. Já se passou mais de meio ano desde sua visita ao Brasil!
Tais observações são um convite à reflexão e ao diálogo honesto no seio de nossas
comunidades e entre as forças que compõem a nossa sociedade. Se desejamos construir
verdadeiramente uma “Terra sem males”, precisamos urgentemente discutir com seriedade
o modelo de nação que queremos; precisamos também nos dispor e preparar para o diálogo
com as forças que compõem a nossa sociedade; mas precisamos também exigir daqueles
que receberam do povo a tarefa de representá-lo nas instâncias de debates e decisões,
a coragem para o estudo, o debate, o diálogo, para que não sejamos lançados à margem
do processo por lobbys ou grupos que não levam em consideração a vida e vida em plenitude
para todos.
+ Jaime Spengler Arcebispo Metropolitano de Porto Alegre