Sínodo sobre a família: Cardeal Kasper explica suas propostas
Cidade do Vaticano (RV) - O volume "O Evangelho da família", de autoria do
Cardeal Walter Kasper, estará nas livrarias italianas nestes próximos dias. O livro
contém o texto integral da conferência introdutória do purpurado alemão feita no recente
Consistório extraordinário sobre o tema da família. Entre os temas mais candentes
encontra-se no texto a questão da admissão dos divorciados recasados à Comunhão. A
Rádio Vaticano pediu ao Cardeal Kasper que nos falasse sobre esse texto:
Cardeal
Walter Kasper:- "'O Evangelho da família' pretende dizer que Deus quer bem à família
e que a família é fundada por Deus desde o início da Criação: é a mais antiga instituição
da humanidade. Jesus Cristo fez seu primeiro milagre durante as bodas de Caná: Ele
apreciou a família e a elevou a Sacramento, e isso significa que o amor entre o homem
e a mulher está integrado no amor de Deus. Por isso é um Sacramento. Hoje devemos
novamente reforçar essa realidade num período em que há uma crise da família nas atuais
condições de crise econômica e das condições de trabalho, e devemos dar a nossa ajuda
porque a grande maioria dos jovens quer uma família, quer uma relação estável, para
a vida inteira. A felicidade dos homens depende também da vida familiar."
RV:
O senhor propõe uma abordagem mais tolerante em relação às famílias em dificuldade,
sem negar a natureza indissolúvel do Sacramento do matrimônio: o que propõe, exatamente?
Cardeal
Walter Kasper:- "Proponho uma via além do rigorismo e do laxismo: é óbvio que
a Igreja não pode simplesmente adaptar-se ao 'status quo'; outrossim, devemos encontrar
uma via de meio, que era o caminho da moral tradicional da Igreja. Recordo, sobretudo,
Santo Alfonso de Liguori, que queria essa via entre os dois extremos, e essa é a que
devemos encontrar também hoje; é também a via de Santo Tomás em sua "Summa Theologica":
portanto, estou em boa companhia, com a minha proposta. Não é contra a moral, não
é contra a doutrina, mas, sobretudo, a favor de uma aplicação realista da doutrina
à situação atual da grande maioria dos homens, e para contribuir à felicidade das
pessoas."
RV: O senhor fala de abismo entre a doutrina atual da Igreja
e a prática de muitos católicos. Alguns dão a culpa a grupos que promovem uma política
agressiva contra o conceito tradicional de família...
Cardeal Walter Kasper:-
"É óbvio que existem pessoas e grupos que têm um interesse político contra a família:
isso é claro. Mas a Igreja sempre foi contestada, em toda a sua história. Mas não
há somente esses interesses ideológicos e políticos: há também problemas econômicos,
problemas que dizem respeito às condições de trabalho e que hoje são muito graves.
As condições de vida na sociedade mudaram bastante e muitos têm dificuldade de realizar
o próprio projeto de felicidade. A maioria dos jovens, porém, quer uma relação estável,
uma família estável, mas não consegue; e a Igreja, por sua vez, deve ajudar as pessoas
que se encontram em dificuldade."
RV: O senhor faz a comparação com
o modo com o qual o Concílio Vaticano II trouxe uma verdadeira revolução nas relações
ecumênicas e inter-religiosas, sem negar o Magistério da Igreja. O senhor é otimista
com a possibilidade de o Sínodo sobre a família poder trazer o mesmo tipo de revolução?
Cardeal
Walter Kasper:- "Eu não falaria em uma revolução, mas, sobretudo, num aprofundamento
e um desenvolvimento, porque a doutrina da Igreja é um rio que se desenvolve e assim
também a doutrina sobre o matrimônio se desenvolveu. Desse modo, penso que este passo
atual é um passo semelhante ao do Concílio, em que havia posições da Cúria Romana
contra o ecumenismo e contra a liberdade religiosa; o Concílio conservou a doutrina
vinculadora – e também aí quero conservar a doutrina vinculadora –, mas encontrou
uma via para superar essas questões e encontrou uma saída. E é a que também devemos
encontrar, hoje. E assim, não se trata de uma novidade, quanto de uma renovação da
praxe da Igreja, que é sempre necessária e possível."
RV: A sua conferência
aos cardeais deveria permanecer reservada. Ao invés, foi publicada na mídia. E reacendeu
um debate...
Cardeal Walter Kasper:- "Sim, é necessário se ter um debate,
e na realidade eu esperava isso e o disse ao Papa: no início, se terá um debate. E
o Papa disse: 'tudo bem. Queremos um debate. Não queremos uma Igreja que dorme, queremos
uma Igreja vivaz'. Isso é normal. Mas não era um documento secreto: um texto que é
colocado nas mãos de 150 pessoas não pode ser secreto, seria muito irrealista e utópico.
Portanto, pensei publicar o texto e me foi dito que eu tinha a liberdade de fazê-lo.
Mas o que fez um diário italiano, ou seja, publicá-lo sem autorização, é contra a
lei. A meu ver, desse modo sabotaram a vontade do Papa. Eles querem fechar a discussão,
enquanto o Papa quer uma discussão aberta no Sínodo. Contudo, o resultado dependerá
do Sínodo e do Papa. Fiz uma proposta, como o Papa me pediu que fizesse, e nos próximos
dois anos se verá como será a discussão." (RL)