"Mare Nostrum": salvação de migrantes e controlo de fronteiras
Os guarda
das costas marítima italianas continuam a socorrer migrantes no canal da Sicília.
Na semana passada foram socorridos cerca de 800 migrantes, muitas da África subsahariana.
E somente no mês de Janeiro diz ter salvo mais de duas mil pessoas a bordo de diversos
barcos muito frágeis, graças à operação « Mare Nostrum », lançado pela Itália em Outubro
passado na sequência do triste naufrágio que provocou a morte de 366 migrantes sobretudo
do corno da África.
Nora El Odaim regozija-se com esses actos de socorro,
mas não deixa de chamar a atenção para algumas nuances. Ela é professora na Universidade
de Lille, na França e especialista das políticas migratórias da União Europeia. Em
entrevista à colega francesa Marie du Hamel, disse :
“Calcula-se
que em três mil e trezentos o número de pessoas mortas ao procurar chegar a Lampedusa
desde 2002. Podemos dizer que é importante que as autoridades tomem consciência de
não deixar, impunemente, morrer seres humanos; é importante que essas pessoas não
tenham morrido no mar; não podemos, senão felicitar-nos mas, ao mesmo tempo devemos
perguntar-nos se não se trata simplesmente de reacções a um evento extremamente mediático,
e ver qual é o objectivo real atrás desta operação… Parece que o objectivo é fazer
uma demonstração espectacular de ajuda humanitária, quando, na realidade, se de controlar
as fronteiras e se continua a ter leis que são extremamente restritivas sobre a imigração;
não se trata duma política de abertura, coerente, reflectida, mas sim de uma resposta
extremamente localizada que, na realidade, parece ser mais uma operação militar do
que humanitária.”
Aliás, algumas ONG’s denunciam o facto de se
falar de salvação quando, na realidade, se trata de intercepção!
“Claro,
mudou-se o nome que era utilizado; antes contavam os migrantes interceptados; agora
conta-se os migrantes que se são salvos; o objectivo permanece, no entanto, o mesmo:
evitar a entrada desses migrantes, dissuadi-los de tentar vir. Prova disto, é, por
exemplo, a implicação da agencia europeia FRONTEX, as negligências repetidas… Em 2007,
por exemplo, houve migrantes que passaram três dias agarrados a um fio de pesca, esperando
que o Estado maltês ou o Estado líbio da época, decidissem sobre quem deveria ir salvá-los.
Outra prova é a perseguição dos pescadores que salvam migrantes no mar, em Itália…
trata-se, portanto, de militarizações que servem mais para legitimar políticas de
controlo e que não mudam em nada o objectivo principal que é o de impedir aos migrantes
de chegar à Europa e de fechar as fronteiras europeias”.
Num livro
saído o ano passado em francês, sob o título “Xénophobie business, controlos migratórios”
a autora Claire RODIER, jurista que se ocupa de questões ligadas às migrações, denunciava
este duplo fenómeno, xenofobia e business. O que ela quer dizer exactamente?
“A
ideia que defende Clarie Rodier e que mostra claramente no seu livro é que tudo isso
é um business a vários níveis: antes de mais da indústria militar que, digamos claramente,
depois do fim da guerra fria não teve mais saída para os seus produtos … e, assim,
a partir dos anos 90 é a luta contra o terrorismo por um lado e, por outro, a luta
contra os migrantes ditos irregulares que representam novas vias de saída para essas
industrias militares que têm custos elevados. Um outro aspecto desse business é simplesmente
de carácter politico: ganhar votos continuar a meter medo aos cidadãos europeus dos
migrantes, falando-lhes da ameaça que constituiria os migrantes na Europa.”
“Mare
Nostrum” e mais ainda FRONTEX e outras agencias deste tipo, são missões muito caras
para a EU e a priori é uma missão interminável… não se trata, por ventura, duma politica
um pouco errónea?
“Depende de qual é o objectivo político: se
é apenas fazer uma demonstração política, é claro que o objectivo é atingido, mas,
efectivamente, trata-se de politicas contra-producentes. Está demonstrado que o controlo
das fronteiras não impede, de modo nenhum, às pessoas de emigrar; é preciso que tornem
tudo mais difícil e mais custoso para os migrantes e então perguntamo-nos se não seria
muito menos custoso deixar esses migrantes instalar-se na Europa, participar no desenvolvimento
europeu, em vez de gastar milhões para os impedir de vir, para os deter, para os ter
na prisão, para os repatriar, para tratar os dossiers… enfim é uma politica que é
extremamente cara.”