Belo Horizonte (RV) - Os cenários nas sociedades contemporâneas merecem atenção
e tratamento especial por parte de todos, particularmente das lideranças políticas,
governamentais e religiosas. Estes cenários estão marcados pela banalização crescente
da dignidade humana, que favorece atos de delinquência, trazendo prejuízos irreversíveis.
A perda do sentido autêntico da pessoa tem sido um vetor determinante do esvaziamento
da consciência individual e coletiva. Aí está uma incontestável e perene fonte da
violência, da corrupção e dos mais diversos tipos de manipulações - de coisas, instituições
e pessoas.
A gravidade dessa situação atinge o núcleo da consciência moral
que deve sustentar cada pessoa no desabrochamento de sua conduta, pautada no mais
relevante sentido de respeito ao outro. No coração humano há uma lei inscrita pelo
próprio Deus, no fundo da própria consciência. É uma lei que o homem não impôs a si
mesmo, mas à qual ele deve obedecer, como uma voz que está chamando-o ao amor, ao
bem. Quando o indivíduo perde a competência para ouvir esta voz, se encontra às portas
do mal. A perda e esvaziamento da consciência moral são, pois, o impulso determinante
que faz nascer o delinquente.
Criminosos, dos mais variados tipos, escutam
outra voz que determina a submissão interesseira à idolatria do dinheiro, ao entendimento
do prazer como fonte de manipulação e lucro. Essa voz alimenta a ganância que inaugura
a cada momento uma corrida desenfreada, pautada na disputa, que faz de cada um inimigo
do outro. Essa delinquência está nas violências de todo tipo, inclusive nos radicalismos
políticos e fundamentalismos religiosos, arregimentando muita gente aos extremos,
equivocada e lamentavelmente convencidas de estarem mais próximas da verdade, sentindo-se
no direito de produzir, segundo seus critérios, os ordenamentos necessários, e a implantação
de uma justiça que é cega e incapaz de estabelecer a verdadeira dignidade que configura
e define a pessoa.
O princípio sagrado e intocável da dignidade humana não
permite que cada pessoa se pense como absoluta, edificada por si mesma, sobre si mesma
e de si mesma dependente. A sociedade contemporânea está sendo levada por dinâmicas
que estão alimentando reducionismos muito perigosos. Isso compromete o entendimento
do sentido de dignidade, gera um enfraquecimento da fraternidade e incapacita para
a solidariedade. Lamentável é o entendimento da consciência moral com a simples função
de aplicação de normas gerais aos casos individuais da vida. A decomposição da consciência
moral deve inspirar uma “trincheira” guerreando por sua recuperação. No caminho oposto,
corre-se o risco de se produzir colapsos em série que inviabilizarão o futuro das
sociedades. Crescerão as barbáries e os descompassos regerão a vida cotidiana, que
se tornará, impulsionada pelo frenesi da vida moderna e das ganâncias, um lento suicídio
coletivo, atingindo culturas, tradições e pessoas.
É preciso eleger como prioridade
a permanente recomposição da consciência moral individual e comunitária. O inadequado
tratamento dessa primazia é a produção de delinquências praticadas, tanto por “engravatados”
quanto por “maltrapilhos”. Deve-se investir, de modo sério e profundo, em toda a esfera
psicológica e afetiva de cada pessoa, bem como nos múltiplos contextos do ambiente
social e cultural. Esse investimento, portanto, há de ter cada pessoa como destinatária.
Seu encaminhamento concreto indica que o conjunto da sociedade precisa ser mapeado
e tratamentos específicos precisam ser disponibilizados. Assim será possível alcançar
um processo educativo e de recuperação dessa consciência moral perdida. Esse mapeamento
se desdobra em vários capítulos, cada um com a tarefa de sensibilizar e buscar contribuições
para resgatar pessoas e qualificar a cidadania.
Capítulo determinante desse
processo são as reflexões sobre a realidade carcerária do Brasil, com seus 500 mil
presos, em condições de contínua e acentuada perda da consciência moral, em razão
das dinâmicas e das condições dos presídios. Uma realidade que envolve muitas situações,
de diferentes matizes, e gera grande preocupação pelo que se está produzindo. O sistema
prisional tem feito surgir contextos inadequados, atingindo famílias, presos que não
deveriam estar no cárcere e até aqueles de alta periculosidade. Uma situação que se
agrava diante da grande comunidade atingida por compreensões equivocadas ou ineficazes
sobre a prioridade de se recuperar pessoas, permitindo-lhes recompor a consciência
moral.
Esse capítulo, entre outros mapeamentos que a sociedade brasileira precisa
considerar, é prioridade do Vicariato Episcopal para Ação Social e Política da Arquidiocese
de Belo Horizonte, com sua Pastoral Carcerária, e de experiências exitosas como as
Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (APACs), instituições que estão
em diálogo com a sensibilidade social e comprometimento da ministra Cármen Lúcia Antunes,
do Supremo Tribunal Federal. Um trabalho necessário pela certeza de que o Estado precisa
de ajuda. É preciso o envolvimento de instituições especializadas em humanidade para
recuperar dignidades e superar delinquências.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo Arcebispo
metropolitano de Belo Horizonte