Belo Horizonte (RV) - A perda do laço essencial entre verdade, bem e liberdade
na cultura contemporânea é a explicitação do caos moral que vai afundando a sociedade
em acontecimentos assustadores. Os fenômenos em torno de violências, justiça com as
próprias mãos, corrupção, fundamentalismos, entre outros, são resultado da perda deste
laço fundamental. Sua recuperação é um longo caminho a percorrer. Sua urgência deve
motivar os mais variados segmentos da sociedade, desde o recôndito da privacidade
familiar, passando pelas igrejas e escolas, até ações governamentais em diferentes
níveis, em um investimento mais consistente e permanente.
O dia a dia da sociedade
sem comprometimento com a verdade, o bem e o autêntico sentido da liberdade pode trazer
comprometimentos irreversíveis. O que se vê é um crescente processo de desumanização,
com graves consequências para a vida de todos e impactos na formação dos mais jovens.
Assim, a ausência do laço essencial entre verdade, bem e liberdade impede que sejam
dados novos passos no presente e também engessa a sociedade do amanhã. Muitos se acostumam
com os relatos de violência nos noticiários e até, de certo modo, os esperam a cada
dia, cultivando o gosto pelo hediondo. Alguns se sentem privilegiados, por não serem
alvos ou vítimas, e se comportam como meros espectadores do caos que vai se implantando
na sociedade. No entanto, o aumento crescente desta violência é um risco para todos,
mesmo para os que estão nos seus “bunkers” de defesa e comodidades.
Não basta
apenas um olhar sociológico e estrategista sobre esta situação. Providências e encaminhamentos
advindos dessas análises são importantes. Contudo, o essencial é trabalhar pela recuperação
da perda do laço essencial entre verdade, bem e liberdade. Há, pois, uma questão de
ordem moral pesando sobre os ombros de todos nessa luta de recomposição da sociedade.
Quando se considera, por exemplo, o mundo da política, a luta por reforma política,
obviamente que não basta legislar de modo novo e diferente, embora necessário. É prioritário
poder contar com homens e mulheres à altura de exercícios cidadãos, superando o comum
de se fazer da política um canal para atendimentos de interesses partidários e de
grupos endinheirados.
Os atrasos na sociedade são incontáveis, atingindo as
instituições na sua identidade e missão, desfigurando o sentido de cidadania que se
sustenta na verdade, no bem e na vivência autêntica da liberdade. O investimento prioritário,
portanto, é na ordem moral. Essa ordem não se enquadra na permissividade de posicionamentos
religiosos, políticos e sociais, nem nos rigores fundamentalistas dos que se elegem
como os iluminados e donos da verdade. Urge um investimento permanente e consistente
na ordem moral. Do contrário, não se vai conseguir debelar o processo que está levando
a sociedade a resvalar na direção de um caos maior.
Que absurdos ainda não
foram presenciados? Repassar essa lista até desanima. A sensibilidade moral é o remédio
para combater o que o Papa Francisco chama de globalização da indiferença e o veneno
da idolatria do dinheiro. A sociedade, por falta de aprofundado sentido moral, está
sendo, passo a passo, conduzida por diferentes tiranias. Da tirania nascida da ganância
que gera a insaciabilidade das riquezas àquelas novas tiranias, invisíveis, às vezes
virtuais, que impõem suas leis e suas regras, cristalizando grupos radicais, de todo
tipo, até religiosos, contribuindo na complicação que a sociedade contemporânea está
vivendo.
A verdade, o bem e a liberdade, como laço essencial da moralidade,
devem ser o horizonte inspirador cotidiano de ações, programas e testemunho individual,
em casa, na Igreja, na escola, nas empresas, nas ruas, em todo lugar. É preciso libertar
a sociedade contemporânea dos excessos de uma cultura em que cada um pretende ser
portador de uma verdade subjetiva própria. Razões meramente políticas não inspirarão
ações condizentes, neste momento, na busca urgente de soluções para mudar os cenários
de exclusão e desigualdades, fontes de violências e disputas que se travam até mesmo
sem se ter clareza a respeito de qual bandeira se está defendendo.
As reações
violentas tenderão a crescer por parte dos excluídos do sistema social e econômico,
que é injusto na sua raiz. O avanço na direção de indispensável equilíbrio, para não
inviabilizar a sociedade, supõe a convicção de que é preciso investir sempre e em
todos os níveis na recuperação da força moral. Cada cidadão deve ser depositário
dessa força, fazendo com que a sociedade redescubra que seu sustento e progresso dependem
do respeito incondicional à verdade, o compromisso com o bem moral e a permanente
aprendizagem quanto à fragilidade e limites da liberdade humana.
Dom Walmor
Oliveira de Azevedo Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte