Cidade do Vaticano (RV) – Creio que todos recordam
muito bem, pelo menos os mais idosos, do uso das cartas para se comunicar com parentes,
amigos, instituições etc. A carta sempre foi uma experiência a dois sentidos: a primeira
a experiência da emoção de escrever, e a segunda a expectativa de receber uma resposta,
resposta que às vezes durava semanas e até meses para chegar. Hoje, na chamada era
digital, pós-moderna, o uso desse meio de comunicação diminuiu muito, pois a grande
maioria usa a internet para escrever, para se comunicar. Alguém já sentenciou no passado:
“preparem-se para viver em um mundo sem Correios”. O e-mail, Facebook e SMS, têm praticamente
dizimado as cartas. Usam-se o telefone e os torpedos: são mais velozes, chegam antes.
Mas neste nosso mundo do imediatismo e da velocidade perdemos a poesia da escrita
pensada e esperada.
Pensada, refletida, escrita e reescrita; e esperada e
sonhada. Sim sonhar aquelas palavras que foram escritas talvez a milhares de quilômetros
de distância e que traduzem sentimentos e afetos que o espaço não cancela. Essa reflexão
surge do fato que nesta semana a Rádio Vaticano retomou uma entrevista concedida pelo
Responsável do Setor de Correspondência do Papa, Mons. Giuliano Gallorini, ao semanário
de informação "Vatican Magazine", produzido pelo Centro Televisivo Vaticano.
Nesta
entrevista Mons. Gallorini desenterra as cartas esquecidas no tempo por causa do uso
das redes sociais, e re-propõe o uso das mesmas por fiéis e não fiéis que desejam
se comunicar com o Papa Francisco.
“O homem que veio do fim do mundo”, acessível
também através das cartas, recebe todas as semanas milhares delas, junto com pacotes,
desenhos e objetos. Destinatário: o Papa Francisco, endereço; talvez o mais conhecido
no mundo, Casa Santa Marta, Cidade do Vaticano. Os emitentes: gente do mundo inteiro.
Escritas
com uma grafia fácil de se ler ou às vezes quase incompreensivel, ou de modo eletrônico
com o computador, as cartas descrevem de modo simples histórias de cada dia: histórias
de famílias, de alegrias, mas também de dramas, dilemas, pedindo a Francisco uma palavra,
um conselho, uma benção. Descrevem – disse Mons Gallorini – dramas pessoais e o auspício
de receber uma luz, uma indicação, quase uma bóia de salvação onde se agarrar, e não
perder a esperança. Sim, o Papa Francisco fez com que as pessoas descobrissem mais
uma vez o papel, a canteta, a carta, para expressar e partilhar seus sentimentos e
aspirações.
“Os pedidos são, sobretudo, de conforto e de oração. Muitos dizem
respeito – certamente também devido ao momento que vivemos – a dificuldades, sobretudo
a doenças... Pedem orações para as crianças, descrevem também situações de dificuldades
econômicas”, disse Mons. Gallorini.
Com essas cartas os emitentes se sentem
próximos ao Papa, que acolhe os seus sofrimentos, as suas dificuldades, está próximo
com a sua oração. Muitos desses pedidos são dirigidos aos setores específicos, como
por exemplo os pedidos de ajudas econômicas que “são transmitidos às Caritas diocesanas
a fim de que possam verificar e sejam imediatamente mais atuantes”.
Certamente
há os casos mais delicados como os de consciência, então esses pedidos são levados
aos secretários para que o Papa tome conhecimento diretamente: sem dúvida as lê, coloca
a sigla e orienta sobre como se deve responder.
O Papa não pode responder a
todas as cartas e pedidos que cruzam os muros do Vaticano, seria impossível, mas todas
as missivas que chegam para Francisco recebem uma resposta. Aí vem a poesia da espera,
do retorno das palavras enviadas. Sim esperar aquelas palavras tão desejadas, que
podem até mesmo mudar a vida. Podem ser somente de gratidão e apreço, mas é a resposta
do Papa Francisco, do homem simples e gentil.
Assim, com esse meio de comunicação
enterrado pelas novidades tecnológicas, se descobre a alegria do partilhar, da proximidade,
do valor das palavras; a alegria de esperar uma resposta, um incentivo, um muito obrigado.
A simplicidade da carta, dá em certo sentido o tom simples de um pontificado cheio
de supresas, um pontificado marcado pelo estilo da partilha, pela simplicidade. É
o pastor que vai, também como esse instrumento, ao encontro do seu rebanho, ao encontro
das suas ovelhas para viver com elas a grande experiência da vida. (Silvonei José)