Kigali (RV) – Há 20 anos do genocídio em Ruanda uma intensa programação desenvolvida
em todo o país recorda as cerca de 800 mil vítimas, a maioria pertencente à etnia
tutsi, assassinadas barbaramente. Com a derrubada do avião que transportava
o então Presidente Juvenal Habvarimana, extremistas da etnia hutu deram início,
em 7 de abril, a um massacre sem precedentes que se estendeu até metade de julho de
1994. A comunidade internacional manteve um longo silêncio, fechando os olhos para
o genocídio que ocorria no coração do continente africano.
Na terça-feira
(7) foi acesa em Kigali uma tocha em memória às vítimas dos massacres. Após, começou
em todo o país um período de luto. A Rádio Vaticano entrevistou a escritora Daniele
Scaglione, autora do livro “Ruanda. Educação para um genocídio”, e que prepara uma
nova obra sobre o tema:
R: “Quando pensamos ao genocídio de 1994,
talvez fiquemos cansados em imaginar o que tenha sido feito. Não foi somente a morte
de muitíssimas pessoas e de muitas outras feridas. Foi um país que foi colocado por
terra. Ver que hoje Ruanda atinge, por exemplo, os Objetivos do Milênio, e está muito
mais desenvolvida que outros países em via de desenvolvimento, é realmente algo impressionante.
Em 20 anos, fez progressos estrondosos no plano social e econômico. Isto não que dizer
que não existam problemas de divisões, problemas de desconfianças dentro da própria
população e também problemas políticos, no sentido de que nos questiona sobre qual
será o futuro, qual será o pós-Kagame, o atual Presidente”.
RV: Porque
se chegou ao genocídio?
R:“Houve uma divisão entre hutu e tutsi,
criada artificialmente, antes de tudo pelos colonizadores – os alemães em primeiro
lugar e os belgas successivamente – como modo de governar o país. A idéia foi a de
colocar os tutsi no governo. Posteriormente, na virada dos anos 50 e 60, a situação
se inverteu. Os hutu, que são a maioria e que se sentiam vítimas por decênios de exploração,
se organizaram contra os tutsi e determinaram a sua expulsão ao exterior, de dezenas
de milhares de pessoas. Toda esta comunidade tutsi no exterior se organiza para voltar,
inicialmente pela via diplomática, após com a luta armada, a guerra, iniciada em outubro
de 1990. Este foi o ponto da reviravolta em direção ao genocídio. Todos os anos, de
fato, que vão de 90 a 94, foram anos de ódio e de incitamento à violência contra os
tutsi e isto teve como foco justamente esta guerra que os tutsi mesmo do exterior,
tinham desejado como forma de voltar ao seu país”.
RV: O que toca ainda
hoje é a violência generalizada que existiu na época…
R: “ Sim,
toca. Mas toca sobretudo o fato de que esta violência não tenha sido espontânea, porque
existiu verdadeiramente uma organização muito precisa, meticulosa, feita da propaganda
dos jornais à distribuição das armas, ao treinamento. Uma coisa sobre a qual não devemos
nos deixar enganar é a idéia de que esta violência tenha sido feita com armas tradicionais,
tipo machete. Certo, haviam também machetes, mas não é o símbolo daquele genocídio.
O símbolo é representado pelos enormes carregamentos de armas que tornaram Ruanda,
grande como a Lombardia, o terceiro país importador, em termos absolutos, de armas
na África. E alguém vendeu estas armas, alguém emprestou dinheiro para que Ruanda
pudesse tornar-se um arsenal assutador, pronto ao massacre. E este ‘alguém’ somos
‘nós’, países ocidentais fundamentalmente, não outros”.
RV: João Paulo
II pediu o fim do massacre. Em maio de 1994 disse no Regina Caeli:
“Basta com sangue”, afirmando que infelizmente também católicos eram resoponsáveis
pelo genocídio. O Papa Wojtyla disse: Deus espera de todos os ruandenses “um despertar
moral, a coragem do perdão e da fraternidade”. Vinte anos após, que sinais existe
em relação a isto?
RV: “João Paulo II foi o primeiro Chefe de
Estado a usar a palavra “genocído” publicamente. Em relação ao perdão, à fraternidade
e à reconciliação, é necessário ainda reconstruir as responsabilidades em profundiddade.
Existem expoentes do clero, não somente católicos, que foram cúmplices do genocídio.
Existiram outros, ao contrário, que se deixaram matar por defender as pessoas em risco.
E não são poucos: foram 103 os sacerdotes mortos, justamente porque, durante os massacres
de 94, procuraram esconder e defender vítmas potenciais. Mas o perdão também foi a
espinha dorsal dos tribunais tradicionais, os assim chamados ‘gachacha’, que em língua
original que dizer substancialmente “gramado”, um local onde milhares de ruandenses
foram participar de processos a nível popular. Às vítimas era pedido para perdoar
os responsáveis pela violência e isto foi muito difícil para os sobreviventes. Falando
com muitos ruandenses, se entende porém que estes processos, que alguns chamavam “consulta
psicanalítica de massa”, foram indispensáveis para se dizer: “reconstruamos tudo aquilo
que aconteceu e depois tentemos seguir em frente”. (JE)