Belo Horizonte (RV) - “Feliz Ano Novo” é o augúrio contido nos votos tradicionalmente
feitos, no desejo de cada coração e, particularmente, nas urgências e demandas que
os variados cenários da sociedade estão gritando em alta voz. Ano Novo pela contagem
de um dia após o outro não é novidade. O tempo passa inexoravelmente. Ninguém o detém
e ele corre talvez ainda mais veloz na atualidade. São avalanches de solicitações,
possibilidades, necessidades criadas, mas pouca interioridade.
Os grandes mestres
ensinam que o tempo é, sobretudo, uma questão de interioridade. Se tudo é centrado
na exterioridade e nas aparências, o tempo não só passa muito rápido como também de
maneira pouco aproveitável. Desse modo, a cidadania fica comprometida, habitua-se
a superficialidades e, lamentavelmente, o tempo da vida é compreendido como momento
para se buscar o atendimento de interesses mesquinhos. Sem interioridade, adota-se
um modo egoísta de viver, sem comprometimentos com a ordem social e com a lúcida exigência
para as dinâmicas políticas.
O desejo de “Feliz Ano Novo”, para além da formalidade,
uma expressão automática, até maquinal, para ser realidade, precisa de algo mais.
É urgente cultivar uma nova sensibilidade social e política, formatando de maneira
nova a cidadania. A “novidade” do “ano novo” depende do sentido social que alavanca
e impulsiona a condição cidadã de cada indivíduo. Esse sentido inclui desde a educação
de não jogar um papel de bala fora do cesto de lixo até a esperada competência e velocidade
indispensáveis nas ações dos que governam, dos que têm maiores responsabilidades como
construtores da sociedade pluralista.
O profeta Isaías, para despertar a consciência
do povo, ação insubstituível para a novidade no tempo, fala do sentimento e do propósito
de Deus a ser também assumido por todos os cidadãos de boa vontade. Ele compartilha
que Deus, por amor, não descansa enquanto não surgir na sociedade, como luzeiro, a
justiça, e não se acender nela, como uma tocha, a salvação. Deste modo se desenha
o caminho para desdobramentos que possam trazer o novo, na contramão de interesses
meramente grupais, partidários e religiosos, algumas vezes mesquinhos e alienantes.
O
ano de 2014 não pode se resumir ao período eleitoral, considerada a sua importância
decisiva, e nem simplesmente na festa da Copa do Mundo. Deve se constituir nesse tempo
que se inicia uma chance para que os políticos não esgotem suas ações em meandros
partidários, visando interesses próprios e de apoiadores. O sinal estará dado na qualidade
do discurso, que deve ultrapassar o conservadorismo de ataques mútuos ou de armação
de ciladas. A hora é de propor ações e programas com comprovada autoridade política,
a partir do entendimento de que o povo é o verdadeiro detentor da soberania.
Esta
compreensão inclui, pois, a competência e a sensibilidade requeridas para priorizar
as necessidades do povo. Nesse sentido, ainda longo é o caminho e necessários são
os ajustamentos nas práticas executivas governamentais. Nota-se uma falta de sensibilidade
social e embasamento humanístico, nos mais diversificados setores, inviabilizando
atendimentos básicos, como transporte, moradia, saúde, educação, lazer. A burocratização
e a redução de tudo a números, analisados e tratados nos escritórios, comprovam essa
falta de sensibilidade. Revelam ausência de formação humanística que estreita a própria
cidadania, permitindo uma satisfação a partir de indicadores que, mesmo volumosos,
não podem camuflar a aflição dos outros, particularmente dos mais pobres e sofredores.
As
estratégias e metas são importantes nas definições e nas escolhas. Imprescindível
é o cultivo da sensibilidade social, à luz da fé e inspirada por um alto sentido de
cidadania. Caso contrário, “chove-se no molhado” e não se verificam avanços globais,
com o necessário envolvimento de todos. Em busca do novo para o Ano Novo, vale ter
em conta a indicação do Papa Francisco, para quem crê e para quem quer honrar sua
cidadania. O Papa sublinha que cada cristão, cidadão e comunidade tem o dever, se
quiser gerar o novo, de ser instrumento de Deus e da cidadania, a serviço da libertação
e da promoção dos pobres. Essa é a única via de capacitação para contribuições relevantes
no diálogo em vista da paz social. Se todos seguirem essa indicação, 2014 poderá ser,
efetivamente, um “Ano Novo”.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo Arcebispo metropolitano
de Belo Horizonte