Mais de 110 mortos em Lampedusa. "Vergonha", afirma Francisco
Cidade do Vaticano (RV) – Vergonha: assim o Papa definiu a tragédia ocorrida
esta manhã na ilha de Lampedusa, que matou pelo menos 111 migrantes.
Não
posso não recordar com grande dor as numerosas vítimas do enésimo trágico naufrágio
ocorrido hoje no largo de Lampedusa. Vem-me a palavra “vergonha”. Rezemos a Deus por
quem perdeu a vida e unamos os nossos esforços para que não se repitam tragédias semelhantes.
Somente uma colaboração firme de todos pode ajudar a preveni-las.
Uma
embarcação com 500 refugiados, entre eles 30 crianças, pegou fogo e naufragou. A polícia
ainda está trabalhando para recuperar os mortos. Os migrantes eram eritreus e somalis.
As
palavras do Pontífice foram pronunciadas ao final da audiência, no Vaticano, aos
participantes do Congresso organizado para comemorar os 50 anos da Encíclica Pacem
in terris, promulgada pelo Beato João XXIII em 11 de abril de 1963.
Segundo
o Pontífice, as tragédias como as de Lampedusa ocorrem porque o mundo ainda é marcado
pelo mesmo espírito que predominava quando a Encíclica foi publicada, no ápice da
guerra fria:
No final de 1962, a humanidade se encontrou à beira de um
conflito atômico mundial, e o Papa fez um dramático apelo de paz. O diálogo que então
os blocos antagonistas empreenderam com muita dificuldade levou, durante o Pontificado
de João Paulo II, à superação daquela fase. As sementes lançadas pelo Beato João XXIII
deram frutos. Todavia, não obstante a queda de muros e barreiras, o mundo continua
a necessitar de paz e o chamado da Pacem in terris permanece
fortemente atual.
Como nos recorda a Encíclica, prosseguiu Francisco,
o fundamento da construção da paz consiste na origem divina do homem e da sociedade.
Todos, portanto, são chamados a construírem a paz através de dois caminhos: promover
e praticar a justiça; e contribuir, cada um segundo suas possibilidades, ao desenvolvimento
humano integral, segundo a lógica da solidariedade.
Olhando para a nossa
realidade atual, me pergunto se compreendemos esta lição da Pacem in terris.
Pergunto-me se as palavras justiça e solidariedade estão somente no dicionário ou
todos trabalham para que se tornem realidade. A Encíclica do Beato João XXIII nos
recorda claramente que se não trabalharmos por uma sociedade mais justa e solidária
e se não superarmos egoísmos e individualismos, não poderão existir paz e harmonia
verdadeiras.
A paz duradoura, continuou o Papa, depende do fato de que
todos possam ter acesso aos meios essenciais de subsistência, como alimentação, moradia,
saúde e educação. Garantir esses meios deve ser a prioridade de toda ação nacional
e internacional. Em matérias políticas, econômicas e sociais, não é o dogma que indica
as soluções práticas, mas o diálogo, a escuta, a paciência e respeito pelo outro.
O apelo à paz de João XXIII, afirmou Francisco, tinha a finalidade de orientar o debate
internacional segundo essas virtudes. E concluiu:
A Pacem in terris
traça uma linha que vai da paz a ser construída no coração dos homens a uma revisão
do nosso modelo de desenvolvimento e de ação em todos os níveis, para que o nosso
mundo seja um mundo de paz. Passados 50 anos, pergunto-me se estamos dispostos a acolher
este convite.