Jales (RV) - Continua repercutindo em todo o mundo a longa entrevista que o
Papa Francisco concedeu ao diretor da revista La Civiltà Cattolica, dos Jesuítas.
Sua própria extensão, e a diversidade de assuntos abordados, sinalizam com clareza
a intenção do Papa de fazer desta entrevista uma ampla plataforma de diálogo em torno
de assuntos importantes, que ele acha necessário abordar.
Assim fazendo, ele
começa a implementar o que ele mesmo aconselhou a fazer: “promover a atitude do encontro,
que leva à cultura do diálogo”.
Quando se aposta no diálogo, é possível abordar
assuntos, em torno dos quais não é preciso supor que todos tenham o mesmo posicionamento.
Pois o diálogo estimula a busca de consensos, que não precisam ter de imediato o
caráter de verdades absolutas, mas de realidades concretas, vividas por pessoas,
que merecem contar, no mínimo, com nossa atenção respeitosa. Com isto se abre caminho
para uma reflexão mais atenta, a respeito de situações vividas por pessoas que carregam
problemas, que elas sentem no mínimo a necessidade de verbalizar.
A Igreja
precisa estar atenta às oportunidades que estas pessoas nos oferecem, para mostrar
ao menos nossa proximidade e nossa escuta.
A Igreja não precisa estar sempre
com o braço levantado, pronta para condenar pessoas que vivem em situação irregular,
do ponto de vista dos parâmetros legais.
Neste contexto, se entende melhor
o que o Papa quis dizer com estas palavras:
“Não podemos insistir somente
sobre questões ligadas ao aborto, ao casamento homossexual e ao uso de métodos contraceptivos.
Isto não é possível. Eu não falei muito destas coisas, e me censuraram por isto. Mas
quando se fala disto, é necessário falar num contexto. De resto, o parecer da Igreja
é conhecido, eu sou filho da Igreja, mas não é necessário falar disto continuamente”.
Mesmo em assuntos onde o parecer da Igreja já é definido, é possível estabelecer
um diálogo construtivo, que aproxime as pessoas. Mas a Igreja não pode assumir, preventivamente,
uma atitude de condenação radical, só baseada em princípios, e sem levar em conta
a realidade concreta em que as pessoas vivem.
A propósito deste posicionamento,
o Papa Francisco reitera uma de suas recomendações mais insistentes: usar de misericórdia.
Assim ele se expressa:
«Esta é também a grandeza da confissão ... O confessionário
não é uma sala de tortura, mas lugar de misericórdia, no qual o Senhor nos estimula
a fazer o melhor que pudermos. Penso na situação de uma mulher, que carregou consigo
um matrimônio fracassado, no qual chegou a abortar. Depois esta mulher voltou a casar
e agora está serena, com cinco filhos. O aborto pesa-lhe muito e está sinceramente
arrependida. Gostaria de avançar na vida cristã. O que faz o confessor?”
Além
da atitude de misericórdia, o Papa apela para um princípio muito importante: é preciso,
sempre, respeitar a dignidade pessoal de cada um, e partir da condição de liberdade,
na qual fomos criados por Deus. Assim se expressa o Papa:
“Deus, na criação,
tornou-nos livres: a ingerência espiritual na vida pessoal não é possível. Uma vez
uma pessoa, de modo provocatório, perguntou-me se aprovava a homossexualidade. Eu,
então, respondi-lhe com outra pergunta: “Diga-me: Deus, quando olha para uma pessoa
homossexual, aprova a sua existência com afeto ou a rejeita, condenando-a?” É necessário
sempre considerar a pessoa. Aqui entramos no mistério do homem. Na vida, Deus acompanha
as pessoas e nós devemos acompanhá-las a partir da sua condição. É preciso acompanhar
com misericórdia”.
Portanto, é preciso levar em conta as situações que as
pessoas vivem. Em todas elas “devemos anunciar o Evangelho,... pregando a boa nova
do Reino e curando todo o tipo de doença e de ferida. Em Buenos Aires recebia cartas
de pessoas homossexuais, que são “feridos sociais”, porque me dizem que sentem como
a Igreja sempre os condenou. Mas a Igreja não quer fazer isto. Durante o voo de regresso
do Rio de Janeiro disse que se uma pessoa homossexual é de boa vontade e está à procura
de Deus, quem sou eu para julgá-la”?
O Papa está propondo uma postura nova,
de acolhida, de compreensão e de misericórdia, que não se limite à repetição de juízos
teóricos, ao mesmo tempo que não abandona os princípios, leve sempre em conta o contexto
vivido pelas pessoas.
Esta a proposta. Ela levará a desdobramentos importantes
na prática pastoral da Igreja. O Papa lançou o desafio. Vamos seguir o exemplo que
ele nos deixou.