Papa Francisco ao Clero de Roma: à Igreja serve conversão pastoral e corajosa criatividade
“Mesmo agora que sou Papa sinto-me ainda um sacerdote”. Eis uma das passagens-chave
do diálogo que o Papa Francisco teve, na manhã desta segunda-feira, com os sacerdotes
da Diocese de Roma, reunidos na Basílica de São João de Latrão.
“O que é o
cansaço para um Sacerdote, para um Bispo e mesmo para o Bispo de Roma?” O Papa Francisco
desenvolveu o a sua intervenção no encontro com o clero romano detendo-se nesta pergunta.
E disse em confidência que a inspiração lhe veio após ler a carta enviada por um sacerdote
idoso, que justamente lhe falava sobre este cansaço, um “cansaço no coração”. “Existe
– disse o Papa – um cansaço do trabalho e este cansaço todos o conhecemos. Chegamos
à noite, cansados de trabalhar e passamos diante do Tabernáculo para saudar o Senhor.
Devemos sempre passar pelo Tabernáculo – advertiu o Papa:
“Quando um
padre está em contacto com o seu povo, se cansa. Quando um padre não está em contacto
com o seu povo, se cansa, mas mal e para dormir deve tomar um comprimido, não? Pelo
contrário, aquele que está em contacto com o povo, porque de facto o povo tem tantas
exigências, tantas exigências! - mas são as exigências de Deus, não? – esse se cansa
realmente e não tem necessidade de tomar comprimidos”.
Existe, porém,
um “cansaço final” – continuou o Papa Francisco – que se vê antes do “crepúsculo da
vida” onde “existe a luz escura e o escuro um pouco luminoso”. É “um cansaço que vem
no momento em que deveria haver o triunfo”, mas pelo contrário “vem este cansaço”.
Isto acontece – disse o Papa – quando “o sacerdote se interroga sobre a sua existência,
olha para trás, pelo caminho percorrido e pensa nas renúncias, nos filhos que não
teve e se pergunta se se enganou, se a sua vida “falhou”. É exactamente o “cansaço
do coração” do qual o sacerdote escrevia na carta. E assim o Papa citou o cansaço
de muitas figuras bíblicas, de Elias a Moisés, de Jeremias até João Baptista. Este
último, afirmou, na “escuridão da prisão” vive a “escuridão da sua alma” e manda os
seus discípulos para perguntarem a Jesus se Ele é realmente aquele que estão à espera.
O que pode fazer então um sacerdote que vive a experiência de João Baptista? Rezar,
“até adormecer diante do Tabernáculo, mas estar ali”. E depois “procurar a proximidade
com os outros padres, e sobretudo, com os bispos”:
“Nós, Bispos, devemos
ser próximos aos sacerdotes, devemos ser caridosos para com o próximo e os mais próximos
são os sacerdotes. Os mais próximos do Bispo são os sacerdotes (aplausos). Vale também
o contrário, eh! (risos e aplausos): o mais próximo dos sacerdotes deve ser o bispo,
o mais próximo. A caridade para com o próximo, o mais próximo é o meu bispo. O Bispo
diz: os mais próximos são os meus padres. É bonito este intercâmbio, não? Este, creio,
é o momento mais importante da proximidade, entre o bispo e os sacerdotes: este momento
sem palavras, porque não existem palavras para este cansaço”.
Em seguida,
iniciou-se o diálogo do Papa Francisco com os sacerdotes, aos quais pediu para se
sentirem livres para perguntar seja o que for. Respondendo à primeira pergunta, o
Papa Francisco disse que no serviço pastoral, não se deve “confundir a criatividade
com fazer alguma coisa nova”. A criatividade – disse – “é procurar o caminho para
que o Evangelho seja anunciado” e isto “não é fácil”. Criatividade “não é somente
mudar as coisas”. É uma outra coisa, vem do Espírito e se faz com a oração, e se faz
falando com os fiéis, com as pessoas. A Igreja, continuou o Papa, e “também o
Código de Direito canónico dão-nos tantas, tantas possibilidades, tanta liberdade
para procurarmos estas coisas”. É necessário – destacou – procurar os momentos de
acolhimento, quando os fiéis devem ir à paróquia por um motivo ou outro. E criticou
severamente aqueles que, numa paróquia, estão mais preocupados em pedir dinheiro por
um certificado que pelo Sacramento e assim “afastam as pessoas”. É necessário, pelo
contrário, “o acolhimento cordial”: “para que aquele que vem à igreja se sinta como
na sua casa. Se sinta bem. Que não se sinta explorado. Mas se, pelo contrário, a pessoa
vê que existe um interesse económico, então se afasta”, observou o Papa. E a quem
lhe perguntava como ele se define agora, visto que, como Arcebispo de Buenos Aires,
gostava definir-se simplesmente como ‘sacerdote’, o Papa respondeu:
“Mas,
eu me sinto padre, é verdade. Eu me sinto padre, sacerdote, é verdade, bispo...Me
sinto assim, não? E agradeço ao Senhor por isto (aplausos). Teria medo de me sentir
um pouco mais importante, não? Isto sim, tenho medo disto, porque o diabo é esperto,
eh!, é esperto e te faz sentir que agora tu tens poder, que tu podes fazer isto, que
tu podes fazer quilo... mas sempre girando, girando em volta, como um leão – assim
diz São Pedro, não? Mas graças a Deus, isto não perdi, ainda, não? E se vocês virem
que eu perdi isto, por favor, digam-me, digam-me, e se não puderem dizer-me privadamente,
digam publicamente, mas digam: ‘Olha, converte-te!’, porque está claro, não?”
(aplausos).
E depois disto o Papa falou da Igreja dizendo que “na Igreja existem,
sim, certos escândalos mas também tanta santidade, e esta é maior. E existe também
a “santidade cotidiana”, escondida, “aquela santidade de tantas mães e de tantas mulheres,
de tantos homens que trabalham todo o dia pela família”, palavras estas acompanhadas
por uma encorajadora convicção, quando disse:
“Eu ouso dizer que a Igreja
nunca esteve tão bem como hoje. A Igreja não cai: estou seguro disto, estou seguro!”
O
Papa falou também do tema das periferias existenciais, retomando as suas palavras
sobre os “conventos vazios” e a generosidade para com os mais necessitados. E por
último, reflectiu sobre o tema da família, e em particular, sobre a delicada questão
da nulidade dos matrimónios e sobre as segundas uniões, "um problema – recordou o
Papa – que não pode ser reduzido à questão do fazer a comunhão ou não, porque se trata
de um problema sério e a Igreja neste momento deve fazer alguma coisa para resolver
os problemas das nulidades matrimoniais, um tema sobre o qual falará com o grupo dos
8 Cardeais que se reunirão nos primeiros dias de Outubro, no Vaticano, e será tratado
também no próximo Sínodo dos Bispos