Padre Lombardi comenta os primeiros seis meses do Papa Francisco (versão integral
da entrevista de Sergio Centofanti)
A 13 de Março
foi eleito Papa o cardeal argentino Jorge Bergoglio. Seis meses passaram, entretanto,
cheios de surpresas e de momentos intensos. Para um comentário destes primeiros meses
do pontificado do Papa Francisco, a Rádio Vaticano entrevistou o seu Director-Geral,
Padre Federico Lombardi, que também é Director da Sala de Imprensa da Santa Sé. A
entrevista integral. RV: Padre Lombardi, para usar o método do Papa Francisco:
quais são as três principais novidades deste pontificado? R: “Eu diria que
a primeira novidade é o nome, que me tocou desde o início: Francisco, um nome certamente
novo; nenhum Papa antes dele o havia usado. E, com o nome de Francisco, a sua explicação,
dada pelo próprio Papa: “pobres, paz, defesa da Criação”. E temos já visto – ao menos
sobre pobres e a paz – que verdadeiramente são marcas fundamentais deste Pontificado.
Também de extrema actualidade, como nas últimas semanas, o empenho extremamente corajoso
pela paz no Oriente Médio. Depois, uma segunda novidade parece-me ser o fim do eurocentrismo
da Igreja, isto é, o facto de termos um Papa latino-americano. Na realidade, isto
vê-se num sentido positivo, de ampliação dos horizontes: vimos isto em particular
no Rio de Janeiro, na Jornada Mundial da Juventude, com o Papa no seu continente de
proveniência, e verificámos como é pastoral o seu estilo, o seu modo de relacionar-se,
directo, com as pessoas, a sua linguagem muito simples... Também os seus temas de
atenção à pobreza e assim por diante, vêm de um contexto eclesial muito rico, com
uma grande tradição, que agora chega ao coração da Igreja com maior força e presença.
Todos os Papas foram “universais”, foram Papas que tiveram o mundo no coração, então,
não é que fossem “parciais”. Porém, eu acredito que se percebe o facto que a escolha
de um Papa que vem de outro continente, efectivamente traz alguma coisa de específico
no estilo, na perspectiva e é alguma coisa desejada pela Igreja universal, desejado
pelos Cardeais e nós apreciamos isto, como um enriquecimento ulterior no caminho da
Igreja universal. Finalmente, se devo acrescentar uma terceira característica, parece-me
a da missionariedade: o Papa Francisco fala muito de uma Igreja não auto-referencial,
de uma Igreja de missão, de uma Igreja que olha para além de si mesma e a todo o mundo.
A mim, veio ao espírito a belíssima Carta de João Paulo II no final do Jubileu, Duc
in altum, dirigida à Igreja do terceiro milénio. Assim, me parece que efectivamente,
com o Papa Francisco, a barca da Igreja esta a viajar sem medo, mais ainda com a alegria
de poder encontrar o mistério de Deus em novos horizontes”. RV: O Papa está a despertar
muito os cristãos, por vezes também com palavras fortes, e vai aproximando muitos
que se encontravam longe.... R: “Sim…Digamos que o seu estilo, a linguagem directa
do Papa, as suas atitudes, também as novidades do seu estilo de vida, tocam em profundidade
e suscitam um grande interesse, um grande entusiasmo. Eu, porém, acredito e espero
que o motivo fundamental deste interesse seja profundo, seja o facto de o Papa insistir
muitíssimo sobre um Deus que ama, um Deus de misericórdia, um Deus sempre pronto a
perdoar a quem se dirige a Ele com humildade. E com isto, parece-me que toca o homem
em profundidade – os homens e mulheres do nosso tempo – que ele sabe muito bem quanto,
frequentemente, são pessoas feridas: feridos por tantas experiências difíceis, por
tantas frustrações, por tantas injustiças, por tanta pobreza e marginalização no mundo
de hoje. Assim, então, este falar com tanta eficiência e este saber comunicar também
através das palavras e dos gestos, de um modo assim directo, que o amor de Deus é
para todos, e a proximidade, o interesse humano, a ternura – é uma outra palavra das
que agradam muito a este Papa e que são a expressão do seu modo de ser – seja qualquer
coisa que toque e mova em profundidade as pessoas, todas: crentes e não crentes. Porque
todas as pessoas humanas são amadas por Deus, são verdadeiramente as pessoas a quem
é dirigida esta grande mensagem do amor de Deus e do amor de Cristo. Então, para todas,
fala quando é dito na sua verdade, no concreto das suas vidas, na sua proximidade
ao coração do homem”.
RV: Este pontificado suscita grandes expectativas. Que
devemos esperar nos próximos meses?
R: “Bem… eu não sou um profeta. Sabemos,
para falar de coisas muito simples, que o Papa nos próximos meses tratará de temas
que dizem respeito ao governo da Igreja, consultando os seus colaboradores: quer os
colaboradores da Cúria Romana, como fez nos dias passados, quer os Cardeais, como
fará em Outubro, com os Cardeais que ele escolheu e que vêm de diversas partes do
mundo. Porém, honestamente, eu não gostaria que se supervalorizasse o aspecto da reforma
das estruturas, que diz respeito um pouco à instituição. O que conta é o coração da
reforma perene da vida da Igreja e neste sentido Papa Francisco, sem dúvida com o
exemplo, com a sua espiritualidade, com a sua atitude de humildade e de proximidade,
quer tornar-nos próximos a Jesus, quer dar-nos uma Igreja que caminhe próxima à humanidade
de hoje, em particular à humanidade que sofre e que mais tem necessidade da manifestação
do amor de Deus. Então, esta Igreja a caminho, capaz de ser solidária, acompanha a
humanidade que caminha. Isto, eu acredito, nós podemos e devemos esperar através de
tantos sinais, tantas decisões. Nestas últimas semanas tivemos a grande temática da
paz, por quem sofre das tensões e das guerras, mas podemos ter tantas outras: temos
o tema da proximidade aos refugiados, da proximidade às diversas formas de marginalização
e assim por diante. Assim, deixemos que o Senhor nos conduza. O Papa não é alguém
que pensa ter em mãos a projecção organizativa da história. O Papa é uma pessoa que
escuta o Espírito do Senhor e procura segui-Lo com docilidade, e neste sentido nos
leva sobre um caminho que é sempre novo e que nós sejamos convencidos de que é belo,
um caminho de esperança”.
RV: Como é a coexistência do Papa Francisco e do
Papa Emérito Bento XVI, no Vaticano?
R: “Ah, prossegue muito bem, prossegue
perfeitamente. Eu diria que estamos todos contentes – a começar pelo Papa Francisco
– da presença do Papa Emérito no Vaticano, com a sua discrição, com a sua espiritualidade,
com a sua oração, com a sua atenção. É exactamente aquilo que ele havia prometido,
tinha anunciado isto por ocasião da sua renuncia: continuar a estar no caminho com
a Igreja, mas mais na forma da oração, da oferta da própria vida, da proximidade espiritual,
antes que aquela da presença, digamos assim, operativa. Ao mesmo tempo sabemos que
existe também uma relação pessoal, extremamente cordial entre o Papa Francisco e o
seu predecessor; houve alguns momentos simbólicos em que o vimos: quando o Papa Francisco
o convidou para a belíssima cerimónia nos Jardins Vaticanos para inaugurar um novo
monumento, mas mais significativa ainda quando o Papa Francisco o foi visitar antes
de partir em viagem ao Brasil, para pedir a sua oração, a sua proximidade, o seu apoio
durante aquele momento assim importante; e depois, quando voltou a encontrá-lo após
o regresso, para lhe contar a bela experiência da viagem e para lhe agradecer pela
proximidade na oração. Também eu tive a alegria de poder estar perto do Papa Bento
e ver a sua serenidade, a sua fé, a sua espiritualidade, a sua extraordinária afabilidade
que sempre nos testemunhou durante o seu Pontificado e que continua, mesmo se agora
nesta forma nova e mais discreta, a caracterizá-lo. Eu acredito que nós sentimos,
mesmo se não o vemos frequentemente, sentimos a presença do seu afecto, da sua oração,
da sua sabedoria e do seu conselho, que certamente está sempre à disposição também
do seu sucessor, quando o pede”. RV: Como mudou o trabalho do Porta-voz do Papa
nestes seis meses? R: “Mas….eu sempre disse que eu não sou tanto o porta-voz do
Papa, como Director da Sala de Imprensa da Santa Sé que faz um humilde serviço de
colocar à disposição as informações, os textos e as respostas para compreender bem
aquilo que o Papa diz e faz. Honestamente, parece-me que nestes seis meses de Pontificado
do Papa Francisco, o Papa tem actuado e falado de um modo tão intenso, que eu, efectivamente
– por sorte –, pude estar na sombra em relação àquele que é o protagonista, a voz
principal que os fiéis querem escutar, que é a do Papa. Assim, o serviço continua
a ser o mesmo: ajudar o ministério do Papa para o serviço do Povo de Deus, mas este
é um tempo em que a palavra do Papa é muito clara, concreta, bem acolhida, os seus
gestos são muito intensos, muito frequentes... Assim, digamos que há muito a fazer
para segui-lo, mas ele fala por si mesmo”.