Arcebispo Bruno Forte: Francisco nos ensina o que é verdadeiramente diálogo
Cidade do Vaticano (RV) - Teve ampla repercussão e continua sendo estímulo
para reflexão a carta que o Papa Francisco endereçou ao fundador do renomado diário
italiano "La Repubblica", Eugenio Scalfari, publicada nesta quarta-feira pelo referido
jornal. Sobre a importância desse gesto no horizonte do diálogo entre crentes e não-crentes,
a Rádio Vaticano entrevistou o teólogo italiano e arcebispo de Chieti-Vasto, Dom Bruno
Forte. Eis o que disse:
Dom Bruno Forte:- "Nesta carta, o Papa Francisco
diz coisas muito bonitas, mas que pertencem totalmente à fé, à tradição da Igreja.
A começar daquele ponto que impressionou, quando diz que não se deve falar de absoluto
em relação à verdade cristã, porque a verdade não é absoluta, não é isolada, separada,
mas é uma verdade que é relação, amor em si mesma – Trindade Santa – e na relação
com os homens. Este é um ponto bonito e muito importante, mas que – na realidade –
pertence à grande tradição cristã. O que é novo, em alguns aspectos surpreendente
e a meu ver bonito, é que o Papa Francisco estabeleça esse diálogo com um pensador,
um jornalista de grande inteligência, declaradamente não-crente, e que esse diálogo
se dê, de fato, através de Scalfari, num jornal como 'La Repubblica', um jornal que
se caracteriza também por uma marca – como se diz – fortemente laica. Mostra que o
Papa não tem temor de amar a pessoa humana como é, onde ela se encontra, sem estabelecer
condições preconcebidas para o encontro e o diálogo. Isso é verdadeiramente diálogo:
uma abertura para o outro, na fidelidade à própria identidade, mas também no acolhimento
profundo da pessoa do outro, assim como é."
RV: Também com um gesto como
esse – inédito – de uma resposta via carta, o Papa parece quase dizer a todos, a todos
os cristãos, que corram "o risco" da relação, sempre e com todos, justamente?
Dom
Bruno Forte:- "Creio que nisso o Papa queira ser aquilo que desde o início
mostrou ser: em primeiro lugar, quer ser uma pessoa humana, e como todas as pessoas
humanas, que – com a ajuda de Deus – puderam realizar a própria vocação à plenitude
de humanidade, que é o amor, é uma pessoa humana que quer relacionar-se com todos,
sem esquemas, sem etiquetas. Creio que este é o estilo de Francisco: um estilo singularmente
eficaz, como se vê pelo acolhimento e pelo interesse que suscita, mas um estilo não
tático, ou seja, não é algo que Francisco faz por tática; o faz porque ele é assim,
porque é a sua identidade profunda, o seu querer continuamente referir-se ao Deus
vivo e justamente assim relacionar-se ao outro, quem quer que o outro seja, no respeito,
no acolhimento, na verdade e no amor."
RV: Junto à verdade, outro tema
fundamental tocado nesta carta é o da questão da consciência, tema – este – de grande
interesse também para Bento XVI...
Dom Bruno Forte:- "Certamente.
Creio que seja importante ressaltar o fio condutor que une esses dois Pontificados,
que na realidade estão intimamente relacionados. Costumo dizer que não haveria Francisco
se não tivesse havido o Pontificado corajoso, humilde, fiel de Bento XVI, a reforma
espiritual da Igreja, o sentido do primado de Deus que ele tão fortemente imprimiu
na vida eclesial. Francisco herdou tudo isso. Com essa herança, ele expressa livremente
e com total espontaneidade a sua profunda identidade de homem de Deus, de homem espiritual,
de jesuíta, de pessoa que busca viver continuamente na presença de Deus segundo a
espiritualidade de Inácio de Loyola. Creio que também o chamado à consciência seja
um aspecto profundo da espiritualidade inaciana: como disse o semiólogo francês Roland
Barthes – e a afirmação é surpreendente justamente porque vem dessa fonte –, o livro
dos Exercícios Espirituais de Inácio não é o livro da resposta, mas o livro da interrogação
e da procura. Em outras palavras, os Exercícios Espirituais ajudam-nos a colocar-nos
à escuta da voz da consciência, que é o reflexo interior daquilo que Deus escreveu
para nós, dentro de nós, para que realizássemos a nossa vocação humana. E também nisso
o Papa se insere na grande tradição católica e ao mesmo tempo consegue apresentá-la
de maneira simples e profunda, de modo a não somente impressionar, mas, sobretudo,
atrair e levar a pensar quem crê e quem não crê." (RL)