Algumas tentações contra o discipulado missionário: discurso do Papa aos bispos do
Celam
Cidade do Vaticano (RV) - Amigo ouvinte, o quadro "O Brasil na Missão Continental"
continua trazendo, nesta edição, o monumental discurso que o Papa Francisco dirigiu
em 28 de julho passado, no Rio de Janeiro, aos bispos responsáveis do Conselho Episcopal
Latino-Americano (CELAM), por ocasião de sua Reunião Geral de Coordenação.
De
fato, considerando que a Missão Continental é o objeto deste nosso quadro, e a riqueza
e a pertinência deste discurso do Papa, não poderíamos deixar revisitá-lo repropondo-o
de acordo com o espaço semanal de que dispomos.
Vale ressaltar que o discurso
é dividido em cinco pontos. Na edição passada nos ativemos ao ponto três (Dimensões
da Missão Continental). Após discorrer sobre as dimensões programática e paradigmática
da Missão Continental, o Papa assinala dois desafios vigentes da missionariedade discipular:
a renovação interna da Igreja e o diálogo com o mundo atual. Dado o limite de espaço-tempo
de que dispomos, na edição passada nos ativemos ao primeiro desafio, deixando o segundo
para esta edição.
Diálogo com o mundo atual
Faz-nos bem lembrar estas
palavras do Concílio Vaticano II: As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias
dos homens do nosso tempo, sobretudo dos pobres e atribulados, são também alegrias
e esperanças, tristezas e angústias dos discípulos de Cristo (cf. Const. Gaudium et
spes, 1). Aqui reside o fundamento do diálogo com o mundo atual. A resposta às
questões existenciais do homem de hoje, especialmente das novas gerações, prestando
atenção à sua linguagem, implica uma mudança fecunda que devemos realizar com a ajuda
do Evangelho, do Magistério e da Doutrina Social da Igreja. Os cenários e areópagos
são os mais variados. Por exemplo, em uma mesma cidade, existem vários imaginários
coletivos que configuram “diferentes cidades”. Se continuarmos apenas com os parâmetros
da “cultura de sempre”, fundamentalmente uma cultura de base rural, o resultado acabará
anulando a força do Espírito Santo. Deus está em toda a parte: há que saber descobri-lo
para poder anunciá-lo no idioma dessa cultura; e cada realidade, cada idioma tem um
ritmo diferente.
E passemos agora ao ponto quatro do discurso do Papa. Dividido
em três partes, pelas mesmas razões de espaço-tempo, nesta edição vamos nos ater apenas
à primeira parte:
4. Algumas tentações contra o discipulado missionário
A
opção pela missionariedade do discípulo sofrerá tentações. É importante saber compreender
a estratégia do espírito mau, para nos ajudar no discernimento. Não se trata de sair
para expulsar demônios, mas simplesmente de lucidez e prudência evangélicas. Limito-me
a mencionar algumas atitudes que configuram uma Igreja “tentada”. Trata-se de conhecer
determinadas propostas atuais que podem mimetizar-se em a dinâmica do discipulado
missionário e deter, até fazê-lo fracassar, o processo de Conversão Pastoral.
1.
A ideologização da mensagem evangélica. É uma tentação que se verificou na Igreja
desde o início: procurar uma hermenêutica de interpretação evangélica fora da própria
mensagem do Evangelho e fora da Igreja. Um exemplo: a dado momento, Aparecida sofreu
essa tentação sob a forma de “ assepsia ” . Foi usado, e está bem, o método de “ver,
julgar, agir” (cf. n.º 19). A tentação se encontraria em optar por um "ver" totalmente
asséptico, um “ver” neutro, o que não é viável. O ver é sempre influenciado pelo olhar.
Não há uma hermenêutica asséptica. Então a pergunta era: Com que olhar vamos ver a
realidade? Aparecida respondeu: Com o olhar de discípulo. Assim se entendem os números
20 a 32. Existem outras maneiras de ideologização da mensagem e, atualmente, aparecem
na América Latina e no Caribe propostas desta índole. Menciono apenas algumas: a)
O reducionismo socializante. É a ideologização mais fácil de descobrir. Em alguns
momentos, foi muito forte. Trata-se de uma pretensão interpretativa com base em uma
hermenêutica de acordo com as ciências sociais. Engloba os campos mais variados, desde
o liberalismo de mercado até às categorizações marxistas. b) A ideologização psicológica.
Trata-se de uma hermenêutica elitista que, em última análise, reduz o “encontro com
Jesus Cristo” e seu sucessivo desenvolvimento a uma dinâmica de autoconhecimento.
Costuma verificar-se principalmente em cursos de espiritualidade, retiros espirituais,
etc. Acaba por resultar numa posição imanente auto-referencial. Não tem sabor de transcendência,
nem portanto de missionariedade. c) A proposta gnóstica. Muito ligada à tentação
anterior. Costuma ocorrer em grupos de elites com uma proposta de espiritualidade
superior, bastante desencarnada, que acaba por desembocar em posições pastorais de
“quaestiones disputatae”. Foi o primeiro desvio da comunidade primitiva e reaparece,
ao longo da história da Igreja, em edições revistas e corrigidas. Vulgarmente são
denominados “católicos iluminados” (por serem atualmente herdeiros da cultura iluminista). d)
A proposta pelagiana. Aparece fundamentalmente sob a forma de restauração. Perante
os males da Igreja, busca-se uma solução apenas disciplinar, na restauração de condutas
e formas superadas que nem mesmo culturalmente tem capacidade de ser significativas.
Na América Latina, verifica-se em pequenos grupos, em algumas novas Congregações Religiosas,
em tendências exageradas para a “segurança” doutrinal ou disciplinar. Fundamentalmente
é estática, embora possa prometer uma dinâmica ad intra: regride. Procura “recuperar”
o passado perdido.
Amigo ouvinte, por hoje nosso tempo já acabou. Na próxima
semana daremos continuidade. Um forte abraço e até lá, se Deus quiser! (RL)