Papa Francisco, no Brasil, fala aos Bispos do seu perfil e missão pastoral
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Como
sabemos, neste mês de agosto, o Santo Padre não realiza a audiência geral das quartas-feiras
e estão praticamente suspensas todas as suas actividades públicas (à excepção do Angelus
nos domingos e dias santos). Por isso, nesta rubrica das quartas-feiras, “A Semana
do Papa” – destinada a evocar os principais pronunciamentos do Santo Padre nos últimos
oito dias – também hoje, como fizemos já nas duas últimas semanas, vamos recordar
intervenções papais na recente viagem ao Brasil. Se há oito dias evocávamos as palavras
dirigidas, pouco antes do regresso a Roma, aos Bispos mais responsáveis do CELAM –
Conselho Episcopal Latino-americano, hoje prosseguimos na mesma ordem de ideias, vendo
o que o Papa Francisco disse, nessas e noutras circunstâncias, sobre o perfil e estilo
pastoral dos Bispos… E começamos, como tínhamos concluído na semana passada, pelo
encontro com a direcção do CELAM… A parte final do seu discurso foi dedicado precisamente
ao que deve ser (e não ser) o Bispo… "Ele deve guiar, que não é o mesmo que dominar.
"
O Papa Francisco retomou o que teve ocasião de dizer, há dois meses, em Roma,
aos Núncios Apostólicos, sobre os critérios a seguir ao preparar as listas dos candidatos
ao serviço episcopal…
“Os Bispos devem ser Pastores, próximos das pessoas,
pais e irmãos, com grande mansidão: pacientes e misericordiosos. Homens que amem a
pobreza, quer a pobreza interior como liberdade diante do Senhor, quer a pobreza exterior
como simplicidade e austeridade de vida. Homens que não tenham “psicologia de príncipes”.
Homens que não sejam ambiciosos e que sejam esposos de uma Igreja sem viver na
expectativa de outra (O fenómeno dos Bispos polígamos não existe… Risos… Estão casados
com uma (Igreja, mas) vendo quando é que vai chegar a… promoção…). Homens capazes
de vigiar sobre o rebanho que lhes foi confiado e cuidando de tudo aquilo que o mantém
unido: vigiar sobre o seu povo, atento a eventuais perigos que o ameacem, mas sobretudo
para fazer crescer a esperança (o Bispo tem que cuidar da esperança do seu povo):
que haja sol e luz nos corações. Homens capazes de sustentar com amor e paciência
os passos de Deus em seu povo. E o lugar do Bispo para estar com o seu povo é triplo:
ou à frente para indicar o caminho, ou no meio para mantê-lo unido e neutralizar as
debandadas, ou então atrás para evitar que alguém se atrase mas também, e fundamentalmente,
porque o próprio rebanho tem o seu faro para encontrar novos caminhos.”
O
Santo Padre concluiu considerando existir um grande atraso na conversão pastoral…
dos Bispos todos... incluindo-se ele próprio nesta autocrítica…
Sempre no Rio
de Janeiro, mas no encontro tido, no sábado 27 de julho, com o conjunto dos Bispos
Brasileiros – a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), é interessante ver
o que lhes disse o Papa Francisco. Este encontro foi de carácter privado, pelo que
não existe uma gravação das suas palavras. Mas temos o texto integral da sua intervenção.
Depois de comentar longamente o episódio dos discípulos de Emaús, que Jesus –
incógnito – acompanhou ao longo do caminho, aquecendo-lhes o coração com a explicação
das Escrituras e ajudando-os a reencontrar a fé e a esperança, o Santo Padre falou
dos “desafios” que “a amada Igreja que está no Brasil” tem que enfrentar, indicando
como máxima prioridade a formação de todos – Bispos, padres, religiosos, leigos. Afirmou
o Papa:
“Queridos irmãos, se não formarmos ministros capazes de aquecer o coração
das pessoas, de caminhar na noite com elas, de dialogarem com as suas ilusões e desilusões,
de recompor as suas desintegrações, o que poderemos esperar para o caminho presente
e futuro? Não é verdade que Deus se tenha obscurecido nelas. Aprendamos a olhar mais
profundamente: falta quem lhes aqueça o coração, como sucedeu com os discípulos de
Emaús (cf. Lc 24,32). Por isso, é importante promover e cuidar uma formação qualificada
que crie pessoas capazes de descer na noite sem ser invadidas pela escuridão e perder-se;
capazes de ouvir a ilusão de muitos, sem se deixar seduzir; capazes de acolher as
desilusões, sem desesperar-se nem precipitar na amargura; capazes de tocar a desintegração
alheia, sem se deixar dissolver e decompor na sua própria identidade.” Outra prioridade,
para além da formação de todos – prosseguiu o Papa Francisco – é a colegialidade e
solidariedade no interior da Conferência Episcopal de todos os bispos do Brasil, com
uma rede de testemunhas que (citamos) “falando a mesma linguagem, assegurem em todos
os lugares, não a unanimidade, mas a verdadeira unidade na riqueza da diversidade”.
“A comunhão – observou ainda – é “uma teia” – uma rede de fios entrelaçados – “a tecer
com paciência e perseverança”. “Quanto à missão, há que lembrar que a urgência
deriva de sua motivação interna, isto é, trata-se de transmitir uma herança… Para
transmitir uma herança é preciso entregá-la pessoalmente, tocar a pessoa a quem se
quer doar, transmitir a herança. Quanto à conversão pastoral (concluiu finalmente
o Papa), quero lembrar que «pastoral» nada mais é que o exercício da maternidade da
Igreja. Ela gera, amamenta, faz crescer, corrige, alimenta, conduz pela mão... Por
isso, faz falta uma Igreja capaz de redescobrir as entranhas maternas da misericórdia.
Sem a misericórdia, poucas possibilidades temos hoje de inserir-nos em um mundo de
«feridos», que têm necessidade de compreensão, de perdão, de amor.” … O canto que
estávamos a ouvir, situa-nos noutro momento vivido pelo Papa Francisco no Rio de Janeiro,
no sábado 27 de julho… Referimo-nos à Missa que concelebrou na catedral, com muitos
dos bispos e padres que participavam na JMJ, assim como religiosos, religiosas e seminaristas.
Na homilia, o Papa reflectiu sobre três aspectos da vocação a pastores ou consagrados:
- chamados por Deus, - chamados a anunciar o Evangelho, - chamados a promover a cultura
do encontro… Recordando antes de mais a vocação pessoalmente recebida por cada
um dos padres, bispos e religiosos, o Papa sublinhou a importância de ter bem presente
e viva esta união pessoal com Cristo que chama: “Não a criatividade, por mais pastoral
que seja, não são os encontros ou as planificações que asseguram os frutos, que aliás
ajudam e muito, mas o que assegura o fruto é sermos fiéis a Jesus, que nos diz com
insistência: Permanecei em mim como eu permaneço em vós. E sabemos muito bem o que
isso significa: contemplá-lo, adorá-lo e abraçá-lo no nosso encontro diário com Ele
na Eucaristia, na nossa vida de oração, nos nossos momentos de adoração, e também
reconhecê-lo presente e abraçá-lo nas pessoas mais necessitadas”. Em relação ao
segundo ponto – Chamados a anunciar o Evangelho, referindo-se às Jornadas Mundiais
da Juventude, que a todos reunia no Rio de Janeiro, o Papa Francisco pediu aos bispos
e padres para darem tempo aos jovens… “Eles precisam de ser escutados – insistiu.
Para escutar os seus sucessos ou dificuldades, há que estar sentado, ouvindo porventura
o mesmo disco… mas sempre com música diferentes, com identidades diversas… “A paciência
de escutar! Peço-vos isso de todo o coração. No confessionário, na direcção espiritual,
no acompanhamento. Saibamos perder tempo com eles. Semear custa, e cansa, cansa muitíssimo!
E é muito mais gratificante gozar da colheita! Está claro! Todos nós gozamos mais
com a colheita. Mas Jesus pede-nos que semeemos a sério!” Finalmente, “promover
a cultura do encontro”…Papa Francisco falou mais uma vez de algo que lhe está muito
a peito: denunciar o “humanismo economicista que se impôs” no mundo, com “uma cultura
da exclusão, a cultura do deitar fora”. Acaba por não haver lugar para o idoso nem
para o filho não desejado. Não há tempo para parar com o pobre da rua… Há que contrariar
esta tendência, ir contra corrente…. “Tenham a coragem de ir contra corrente em
relação a esta cultura da eficiência, esta cultura da exclusão. O encontro e o acolhimento
de todos, a solidariedade (uma palavra que estão escondendo nesta cultura, como se
fosse uma palavra inconveniente), a solidariedade e a fraternidade são elementos que
fazem a nossa civilização verdadeiramente humana. Sermos servidores da comunhão
e da cultura do encontro. Quereria que fôsseis como que obsessionados neste sentido…
Mas fazê-lo sem sermos presunçosos, sem impor a nossa verdade, antes guiados
pela certeza humilde e feliz de quem foi encontrado, alcançado e transformado pela
Verdade que é Cristo, e não pode deixar de a proclamar”.