Curar as feridas. A "maternalidade" da Igreja recordada pelo Papa aos bispos latino-americanos,
propondo linhas pastorais
Uma Igreja em
estado permanente de missão - foi aquilo que o Papa Francisco pediu aos responsáveis
do CELAM (Conselho Episcopal Latino-americano), no último dia da sua viagem ao Rio
de Janeiro. Naquela ocasião, o Papa fez um elenco uma série de tentações que podem
fazer falir a missão da Igreja. Um discurso feito para a América Latina mas que interpela
e se aplica à Igreja em todos os continentes.
Segundo o Santo Padre devemos
ter lucidez evangélica para conseguirmos ultrapassar as tentações. Ao longo destes
5 meses de pontificado o Papa foi apresentando-as e chamando a atenção para os perigos: -
reduzir a fé a uma dimensão socializante: os cristãos que interpretam o Evangelho
segundo as ideologias mais variadas, do liberalismo ao marxismo; - reduzir o encontro
com Jesus a uma dinâmica de autoconhecimento: a fé abandona a dimensão espiritual
à procura de simples bem-estar psicológico; cristãos sem a Cruz de Cristo; - tentação
gnóstica: proposta de espiritualidade superior, desencarnada, de católicos “iluminados”,
com uma Igreja à sua medida; cristãos que seguem as modas do tempo. - tentação
pelagiana: - aqueles que procuram uma solução só disciplinar, a restauração de condutas
e formas superadas; tendências exageradas para a segurança doutrinal; cristãos que
procuram restaurar o passado perdido. ("O Evangelho - recorda o Papa - incomoda-nos
porque nos obriga a caminhar, a andar para a frente. Há quem queira andar para trás.
A isto chama-se ser teimoso.") - funcionalismo paralisante: concepção funcionalista,
que não tolera o mistério e prefere a eficácia; reduz a Igreja a uma ONG; o que conta
são os resultados, os números, as estatísticas. - clericalismo: de modo cúmplice,
o pároco clericaliza e o leigo quer ser clericalizado; fenómeno que impede o crescimento
da responsabilidade laical; a Igreja cai no imobilismo.
O vigor desta intervenção
do Papa Francisco e o carácter elaborado e de projecto global levou alguns comentadores
– incluindo Padre Federico Lombardi – a considerar este texto como o mais denso e
compreensivo, até agora, deste pontificado. Como durante todo este mês de Agosto estão
suspensas as audiências do Santo Padre e outras actividades públicas (com excepção
do Angelus dominical), dedicamos a rubrica de hoje – A Semana do Papa – ao aprofundamento
deste pronunciamento do Papa Francisco, no encontro tido, no último dia da sua presença,
no Rio, com os Bispos responsáveis do CELAM – Conselho Episcopal Latino-americano,
uma intervenção cujo alcance não se limita à América Latina, mas pretende lançar luz
e dar impulso à pastoral da Igreja, a nível mundial…
Falando da “dinâmica
de reforma das estruturas eclesiais”, o Papa sublinhou que a “mudança de estruturas”
(de caducas a novas) não é fruto de um estudo de organização do sistema funcional
eclesiástico, de que resultaria uma reorganização estática, mas é consequência da
dinâmica da missão. O que derruba as estruturas caducas, o que leva a mudar os corações
dos cristãos é justamente a missionariedade” – insistiu. Há que “gerar a consciência
de uma Igreja que se organiza para servir a todos os baptizados e homens de boa vontade.
O discípulo de Cristo não é uma pessoa isolada numa espiritualidade intimista, mas
uma pessoa em comunidade para se dar aos outros.” Neste contexto, Papa
Francisco deteve-se a explicitar “dois desafios” que se colocam hoje em dia na missão
do discípulo de Cristo: a renovação interna da Igreja e o diálogo com o mundo actual.
A renovação da Igreja exige – observou – uma séria Conversão Pastoral,
que implica acreditar na Boa Nova, acreditar em Jesus Cristo portador do Reino de
Deus, na sua irrupção no mundo, na sua presença vitoriosa sobre o mal; acreditar na
assistência e guia do Espírito Santo; acreditar na Igreja Corpo de Cristo e prolongamento
do dinamismo da Encarnação. Neste sentido, é necessário que nos interroguemos,
como Pastores, sobre o andamento das Igrejas a que presidimos: Procuramos que
o nosso trabalho e o de nossos presbíteros seja mais pastoral que administrativo?
(Isto para os bispos é claro. Uma visita pastoral a uma paróquia… Que modelo de Cúria?
Acentuar isto!) Quem é o principal beneficiário do trabalho eclesial: a Igreja como
organização ou o Povo de Deus na sua totalidade?
2. Superamos a tentação
de tratar de forma reactiva os problemas complexos que surgem? Criamos um hábito proactivo?
Promovemos espaços e ocasiões para manifestar a misericórdia de Deus? (Para mim isto
é claro. Estou convencido que este é o tempo da misericórdia de Deus para a sua Igreja.
Marcaria como prioridade este apostolado da misericórdia, ou melhor dizendo, a dimensão
misericordiosa da santa Madre Igreja. A maternalidade da Igreja que cura as feridas.
Esta época de mudanças (comentava-o ontem com os bispos brasileiros) está cheia de
feridos, gente que deixou a Igreja a meio caminho e se foi embora. E podemos pensar:
que vamos fazer? Organizar um curso? Isto ou aquilo? Depois de uma batalha, o primeiro
que há que fazer, no hospital de campanha, é tratar das feridas. Acho que hoje em
dia a pastoral tem que se por seriamente esta questão. A pastoral da Mãe Igreja, curar
tantas feridas da gente que se afastou, que ficou a meio do caminho, que se confundiu,
que se desiludiu. Pastoral da misericórdia. Não é em vão. João Paulo II teve uma visão
(lúcida, ampla) intuindo que a coisa podia ir por aqui. Há aqui uma grande intuição,
em João Paulo. Sublinho-o.) Estamos conscientes da responsabilidade de repensar as
atitudes pastorais e o funcionamento das estruturas eclesiais, buscando o bem dos
fiéis e da sociedade? 3. Na prática, fazemos os leigos participantes da Missão?
Oferecemos a Palavra de Deus e os Sacramentos com a consciência e a convicção de que
o Espírito se manifesta neles? 4. Temos como critério habitual o discernimento
pastoral, servindo-nos dos Conselhos Diocesanos? (Conselhos diocesanos: esta palavrinha
tem que ser mais usada!) Tanto estes como os Conselhos paroquiais de Pastoral e de
Assuntos Económicos são espaços reais para a participação laical na consulta, organização
e planeamento pastoral? O bom funcionamento dos Conselhos é determinante. (Diocesanos,
sectoriais, paroquiais. E creio – não se ofendam, digo-o de todo o coração, acho que
estamos muito atrasados nisto. Em Buenos Aires, recordo as paróquias: eram menos de
metade as que tinham Conselhos pastorais. Fazer com que os padres entrem nesta dinâmica
custa muito.) 5. Nós, Pastores Bispos e Presbíteros, temos consciência e convicção
da missão dos fiéis e damos-lhes liberdade para irem discernindo, de acordo com o
seu caminho de discípulos, a missão que o Senhor lhes confia? Apoiamo-los e acompanhamos,
superando qualquer tentação de manipulação ou de indevida submissão? Estamos sempre
abertos para nos deixarmos interpelar pela busca do bem da Igreja e pela sua Missão
no mundo? 6. Os agentes de pastoral e os fiéis em geral sentem-se parte da Igreja,
identificam-se com ela e aproximam-na dos baptizados indiferentes e afastados? Como
se pode ver, aqui – nestas perguntas - estão em jogo atitudes. A Conversão Pastoral
diz respeito, principalmente, às atitudes e a uma reforma de vida. Uma mudança de
atitudes é necessariamente dinâmica: “entra em processo” e só é possível moderá-lo
acompanhando-o e discernindo-o. (O processo de mudar de atitude necessita, da parte
do bispo, acompanhamento e discernimento. É importante ter sempre presente que a bússola,
para não se perder neste caminho, é a identidade católica concebida como pertença
eclesial. - Isto é a primeira parte: discipulado e pertença eclesial. E os desafios.
O primeiro dos desafios é a renovação interna da Igreja. O segundo é o diálogo no
mundo actual. Mas há que actuar os dois contemporaneamente.) O Papa Francisco fala
de uma Igreja baby-sitter que não faz crescer, não acorda, mas assiste a criança apenas
para a fazer adormecer. Ao contrário, a Igreja é mãe e gera filhos para que sejam
protagonistas, crentes com a coragem e a paixão de anunciar o Evangelho em todo o
mundo. Poderá acompanhar o desenvolvimento e a explicação de cada uma destas tentações
e perigos para a missão da Igreja apontadas pelo Papa Francisco durante este mês de
Agosto na nossa rubrica Semana do Papa transmitida às quartas-feiras no nosso Programa
para África. Em Roma sintonize 103.8 FM e em todo o mundo ouça em www.radiovaticana.va
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