A 35 anos da morte, evocação de Paulo VI, Papa do Concílio Vaticano II ("Sal da Terra/Luz
do Mundo")
Exactamente
há 35 anos, a 6 de Agosto de 1978, festa da Transfiguração do Senhor, tornava à Casa
do Pai o Papa Paulo VI - corajosa testemunha da Verdade, apóstolo da paz, homem do
diálogo entre povos e culturas, que soube levar a cumprimento, com sabedoria e abertura
de espírito, o Concílio Vaticano II. Evocamo-lo aqui hoje, nesta rubrica dedicada
a “factos e personagens da história da Igreja”.
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“Fidem
servavi” (conservei a fé): nesta expressão paulina, pronunciada poucos dias antes
da morte, está condensado todo o pontificado de Paulo VI. Um Papa sereno e firme,
enamorado da Verdade, que guiou a barca de Pedro em anos tempestuosos para a Igreja
e para o mundo. Eleito a 21 de Junho de 1963, Papa Montini confrontou-se desde logo
com um desafio histórico: concluir o Concílio Vaticano II, nascido de uma intuição
profética de João XXIII, mas que após os entusiasmos iniciais corria o risco de se
bloquear. Na Missa do início do pontificado, a 30 de Junho de 1963, Paulo VI empenha-se
em defender a Igreja “dos erros de doutrina e de costumes, que dentro e fora dos seus
confins ameaçam a sua integridade e desfeiam a sua beleza” e em cuidar de “conservar
e incrementar a virtude pastoral da Igreja… na atitude que lhe é própria, de mãe e
mestra, amorosíssima com os seus filhos… respeitosa, compreensiva, paciente”.
Três
meses depois, a 29 de Setembro, Papa Montini preside à solene abertura da segunda
sessão do Concílio. No seu discurso, enumera as quatro finalidades deste extraordinário
acontecimento: - o aprofundamento e a exposição doutrinal do mistério da Igreja; a
sua renovação interior; o incremento da unidade dos cristãos e o diálogo da Igreja
com o mundo contemporâneo. Paulo VI, que tomara parte, como arcebispo de Milão, na
primeira sessão conciliar, não se limita a ser um mero, digamos assim, “notário do
Concílio”. Segue com cuidado e paixão os trabalhos conciliares, intervém do melhor
modo nas circunstâncias mais delicadas. E no discurso de encerramento do Concílio
Vaticano, o Pontífice exprime sentimentos de alegria e comoção.
“Este Concílio
confia à história a imagem da Igreja católica representada por esta assembleia, cheia
de Pastores que professam a mesma fé, que respiram a mesma caridade, associados na
mesma comunhão de oração, de disciplina, de actividade, e – aspecto admirável – todos
desejosos de uma só coisa – oferecerem-se a si próprios, como Cristo nosso Mestre
e Senhor, pela vida da Igreja e pela salvação do mundo”.
Nos seus quinze
anos de pontificado, Papa Montini empenhar-se-á decididamente a favor da paz no mundo,
também pelo reforço da dimensão missionária da Igreja, sublinhada na Exortação “Evangelii
nuntiandi”. Institui uma Jornada da Paz, a celebrar no primeiro de Janeiro de cada
ano. E faz-se apóstolo da paz até aos confins da terra, com as suas nove viagens apostólicas
internacionais que o levarão a tocar todos os continentes. Memorável o seu discurso
à assembleia das Nações Unidas, em Nova Iorque, a 4 de Outubro de 1965, com o seu
vibrante apelo contra a guerra:
“Nunca mais a guerra, numa mais a guerra!
É a paz, é a paz que deve guiar a sorte dos Povos e de toda a humanidade!”
Paulo
VI não é indiferente ao sofrimento das nações africanas dilaceradas pela miséria.
Em 1967 publica a Encíclica “Populorum progressio”. “O desenvolvimento – escreve –
é o novo nome da paz”. Mas – explica – há-de ser um “desenvolvimento integral”, visando
“a promoção de cada homem e do homem todo”. Com o Concílio, a Igreja actualiza-se
(“aggiornamento”), renova-se profundamente. Muitos, porém, querem dar uma interpretação
ou progressista ou conservadora, sem captar o autêntico significado do acontecimento.
Promotor da “civilização do amor” , Paulo VI aliará aos seus esforços pela
paz, um constante e frutuoso empenho ecuménico, na convicção de que, só unidos, os
cristãos poderão ser factor de reconciliação entre os povos. Histórico o seu encontro
em Jerusalém com o Patriarca de Constantinopla, Atenágoras, em 1964. O seu abraço
fraterno comove tanto os católicos como os ortodoxos. No ano seguinte, é finalmente
revogada a excomunhão que as duas Igrejas tinham cominado uma à outra em 1054. Passos
em frente se deram também no diálogo com os anglicanos. Em 1966, Paulo VI encontrou-se
com o arcebispo de Cantuária, Michael Ramsey. Três anos depois, em Genebra, visitava
o Conselho Ecuménico das Igrejas. Dotado de grande sensibilidade, em 1978, precisamente
nos últimos meses da sua existência terrena, Papa Montini vive um momento especialmente
dramático de seu amigo Aldo Moro. Numerosos e vibrantes foram os apelos que dirigiu
directamente aos “homens das Brigadas Vermelhas”.
Homem de grande cultura,
amante da arte e da literatura, Paulo VI redescobriu o valor do mecenatismo, da Igreja
que encomenda obras de arte. O escultor Manzú e o arquitecto Nervi foram alguns dos
artistas mais conhecidos que trabalharam para a Santa Sé durante o seu pontificado.
O Papa Montini potenciou a Rádio Vaticano e a Academia das Ciências, exortou os homens
de cultura a servirem a verdade, a promoverem a dignidade do homem criado à imagem
de Deus. De entre os tantos frutos do seu ministério petrino, há que recordar também
a reforma litúrgica na sequência do Concílio Vaticano II, a reforma da Cúria Romana
e a celebração do Ano jubilar de 1975. A 29 de Junho de 1978, praticamente a
um mês da sua morte, Paulo VI podia afirmar, como São Paulo, ter combatido a boa batalha
do Evangelho:
“O nosso ofício é o mesmo de Pedro, ao qual Cristo confiou o
mandato de confirmar os seus irmãos: é o ofício de servir a verdade da fé… Eis, Irmãos
e Filhos, o desejo incansável, vigilante, esgotante, que nos moveu nestes quinze anos
de pontificado. ‘Fidem servavi’! (conservei a fé) podemos dizer hoje, com a humilde
e firme consciência de nunca ter atraiçoado a santa verdade”.