Comentário do Card. Jean-Louis Tauran à mensagem do Papa aos muçulmanos
Apesar de todos os esforços feitos até agora, devemos aprender a respeitar uns aos
outros, a respeitar as nossas crenças, os nossos ritos, os nossos lugares de culto,
e nisto os líderes religiosos têm grande responsabilidade na formação dos seus fiéis,
assim afirma o Cardeal Jean-Louis Tauran, presidente do Conselho para o Diálogo Inter-religioso,
numa entrevista Hélène Destombes a propósito da mensagem do Papa aos muçulmanos
Cardeal
Tauran : Trata-se de uma iniciativa muito pessoal. Ele quis com isso mostrar,
penso eu, o grande respeito que ele tem para com os crentes do Islão. Lembro-me em
particular que ele enviou há alguns anos atrás um sacerdote da Arquidiocese de Buenos
Aires para estudar o árabe no Cairo para ter alguém formado para o diálogo com o Islão
em particular. E portanto, neste primeiro ano de pontificado e no contexto actual,
ele quis indicar pessoalmente que o diálogo inter-religioso, especialmente com o Islão,
é uma das prioridades do seu pontificado. O tema deste anoé
a promoção dorespeito mútuoatravés da educação.
O Papa Francisco sublinha aimportância de evitarcríticas
injustificadasou difamatóriase tambémenfatiza
a importância de reservar umrespeito particularaos líderes
religiosose aos lugares de culto. Devemos ver nisto uma
referência directaa situações específicas?
Cardeal
Tauran : Sem dúvida alguma. Eu creio que o Papa, aliás como todos nós, tem plena
consciência de que não nos conhecemos o suficiente. Apesar de todos os esforços que
fizemos, devemos aprender a respeitar uns aos outros, respeitar as nossas crenças,
os nossos ritos, os nossos lugares de culto, e nisto os líderes religiosos têm, evidentemente,
uma grande responsabilidade na formação dos seus fiéis. E eu creio que o Papa insiste
muito neste aspecto do respeito mútuo. Infelizmente, eu acho que aquilo que é um pouco
decepcionante neste diálogo muçulmano-cristão é que nós temos feito grandes esforços
nos últimos anos, e obtivemos magros resultados e estes nunca passaram ao nível da
lei ou dos regulamentos administrativos. Portanto, devemos fazer ainda um grande esforço
para melhor nos conhecermos, melhor nos apreciarmos e não nos considerarmos como
concorrentes, mas todos à procura de Deus. Desde aúltima mensagem
háquase um ano atrás, passaram-se muitas
coisas:de um ladoos católicostêmum novo papa, e doo outro as tensõesse agravaramem muitospaíses de maioria muçulmana(o
Egipto, a Tunísia, a Síria). Em alguns destespaísesvivem comunidades cristãssignificativasque têm medo, e por vezes mesmo muito medo.Será
que estesdois factoresse reflectemnesta
mensagem ouno trabalhodo Conselho Pontifício
que dirige?
Cardeal Tauran : Sim, em ambos os casos. Acho que muitas
vezes se confunde, na Europa, islamismo e o Islão, e não se pode negar que o fundamentalismo
é um inimigo comum. Portanto, há um esforço que se deve fazer ao nível da inteligência,
cultura, e isso só se pode fazer na medida em que os líderes religiosos estiverem
conscientes da gravidade da situação e tiverem juntos a vontade de melhorar. Mas isto
passa pela escola, a universidade, pela confiança mútua e pela amizade. Caso contrário,
se ficará sempre um pouco como potenciais inimigos, e quanto mais a situação for difícil,
tanto mais necessário é o diálogo.
Esta mensagemé excepcional
na medida em queleva a assinaturado Papa.Quanto ao mérito,podemosveralgumas
mudanças e"pata"do PapaFrancisco?
Cardeal
Tauran : Eu penso que o Papa Francisco está em linha com o Papa Bento XVI. Não
devemos esquecer que o Papa Francisco sucede a um Papa que, acho eu, neste século,
mais falou sobre o Islão. Um Papa que visitou três mesquitas. Portanto, creio que
Francisco está determinado a continuar nesta linha de colaboração mútua, do desejo
de se conhecer ainda mais, apesar das dificuldades. Quanto mais difícil for mais precisamos
de dialogar: creio que é uma constante e firme convicção deste Papa, como aliás do
seu predecessor. Continuidade no fundo e portanto é, na forma
que pode haver a mudança, na abordagemdo Papa Francisco?
Cardeal
Tauran : No primeiro dia do seu pontificado, quando ele falou com uma delegação
de muçulmanos, ele foi extremamente cordial. No outro dia recebemos uma outra delegação,
e ele foi de novo extremamente cordial. Todos ficaram impressionados com a sua simplicidade.
Mas ele não é ingénuo, sabe perfeitamente quais as dificuldades, portanto através
da bondade, existe certamente também a preocupação de não esquecer os cristãos que
sofrem nalguns países de maioria muçulmana, não esquecendo também os muçulmanos que
por vezes são discriminados noutros países. Acho que este é um homem que é ao mesmo
tempo muito suave, muito simples, mas também muito consciente das dificuldades, não
é um ingénuo. Para além dasdeclarações de boas intençõese das relaçõespositivasque se podem observarem vários níveis, a realidade no terrenoé por
vezes difícil.Como fazer para educar ao respeitoealiviar as tensões?
Cardeal Tauran :
Creio que antes de tudo é preciso ajudar os jornalistas porque, penso, os media têm
uma grande importância. É preciso ajudar os jornalistas a informar bem e a estar bem
informados. Em seguida, é preciso, através do ensino da religião nas escolas e universidades,
quebrar os preconceitos. Praticamente a maioria dos problemas nascem da ignorância.
Eu sempre digo que nós conseguimos evitar o choque de culturas, procuremos agora evitar
o choque das ignorâncias. Vê-se que o Islão políticoe
o fundamentalismoestão longe de serunânimes,
incluindo e especialmente nos próprios Países muçulmanos.
Está preocupado com o futurodestes Países e o dos
países vizinhos, como o Líbano ou a Jordânia?
Cardeal
Tauran : Sem dúvida porque, como sabe, o mal é contagioso ... O bem também, e
então seria necessário tentar fazer prevalecer o bem sobre o mal! Mas não há dúvida
de que a evolução que vemos no terreno político só pode suscitar preocupação, porque
todos esses conflitos, obviamente, não são causados pela religião ou religiões,
mas a sua solução pressupõe uma dimensão religiosa.