"Onde estás, Adão? Onde está o teu irmão?" Em Lampedusa, Papa Francisco deplora "globalização
da indiferença"
Momentos intensos,
e de grande comoção, e interpelação à consciência de todos e cada um, os que se viveram
esta manhã em Lampedusa, pequena ilha no extremo sul da Itália, onde continuam a chegar,
em pequenas barcas, pessoas da África (e por vezes do Médio Oriente) que tentam encontrar
melhores condições de vida na Europa. Muitos deles - uns 20 mil - perderam a vida
nesta “viagem da esperança”, por naufrágio das embarcações ou por fome e sede.
A
quatro meses da sua eleição, a primeira viagem do Papa Francisco, foi dedicada precisamente
a estas pessoas, e aos habitantes de Lampedusa, muitos dos quais têm feito tudo o
que podem para dar um primeiro apoio às pessoas mais carecidas.
Chegado a Lampedusa
de avião, o Papa embarcou numa corveta, acompanhado de muitas outras embarcações,
numa viagem de quase meia hora que o levou ao porto da ilha. Durante o percurso, Francisco
reservou longos minutos à oração silenciosa, no final da qual lançou ao mar um ramo
de flores, em memória dos que perderam a vida. E traçou uma cruz sobre este mar que
tem sido tantas vezes sepultura.
Após o desembarque, o Papa deteve-se num
breve colóquio com uma delegação de africanos chegados a Lampedusa, a seu tempo, como
prófugos (foto).
Às 10.30, o Papa presidiu à missa, uma liturgia penitencial,
invocando a remissão dos pecados, com a cor litúrgica roxa. Na homilia, o Papa começou
por evocar a morte de tantos imigrantes, naquele mar, notícia tida não há muito.
“Onde
está o teu irmão?!” Quem é o responsável deste sangue, destas mortes? – interpelou
o Papa, que falou da “globalização da indiferença”.
“Perdemos o sentido da
responsabilidade fraterna. Caímos na atitude hipócrita do sacerdote e do servidor
do altar, de que fala Jesus na parábola do Bom Samaritano…
“Adão, onde estás?
Onde é o teu irmão? – são as duas perguntas são as duas perguntas que Deus propõe
no início da história da humanidade e que dirige também a todos os homens do nosso
tempo, também a nós”.
A estas perguntas, o Papa acrescentou uma outra, sua:
“Quem
de nós chorou pela morte destes irmãos e irmãs? Quem chorou por estas pessoas que
estavam nas barcas? Pelas jovens mães que traziam os seus bebés? Por estes homens
que desejam algo para apoiar as próprias famílias? Somos uma sociedade que esqueceu
a experiência de chorar, de sofrer com (com-paixão): a globalização da indiferença.
Evocando
o Evangelho proclamado, das crianças inocentes, vítimas da fúria de Herodes. “Raquel
chora os filhos perdidos”…
“Peçamos ao Senhor que cancele o que ficou de Herodes
no nosso coração. Peçamos ao Senhor a graça de chorar sobre a nossa indiferença, sobre
a crueldade que há no mundo, em nós, também naqueles que no anonimato tomam decisões
socioeconómicas que abrem o caminho a dramas como este. Quem chorou?
O Papa
concluiu, em jeito de oração, pedindo ao Senhor “perdão pela indiferença em relação
a tantos irmãos e irmãs:
“Pedimos-te perdão para quem se … fechou no seu próprio
bem-estar, que leva à anestesia do coração, pedimos-te perdão por aqueles que, com
as suas decisões a nível mundial criaram situações que conduzem a estes dramas.
Adão,
onde estás? Onde está o sangue do teu irmão?”