Belo Horizonte (RV) - As manifestações populares pelas ruas do Brasil resgataram
definitivamente, e de modo espetacular, a voz da cidadania. Numa sociedade democrática,
a expressão cidadã é aquela que nunca pode perder o comando. Momento histórico, este
resgate está se desdobrando num processo de reavaliação da dinâmica representativa
da vontade do povo para a dinâmica participativa. São exemplos incontestáveis: a queda
da PEC 37 e a aprovação do projeto que transforma a corrupção em crime hediondo. A
voz da cidadania apontou o rumo e a representação do povo operou na direção indicada.
Lamenta-se
pesarosamente que este processo de recuperação da cidadania tenha que incluir, embora
sem obscurecer o sentido pacífico das manifestações, os atos reprováveis e merecedores
de adequada correção disciplinar, pois ferem pessoas, causam mortes e danificam o
patrimônio público, comprometendo o bem comum. Trata-se, certamente, da expressão
de um ódio provocado por tantas razões - uma delas pode ser exatamente a ausência
da justiça. Mas o caminho mais indicado ainda é o amor que unicamente tem a prerrogativa
de plenificar o coração humano. A justiça e o amor podem transformar a sociedade num
lugar habitável, com dignidade e igualdade de condições para todos os cidadãos. Assim,
também, os vandalismos provocados pela corrupção e pelas morosidades das estruturas
e funcionamentos na sociedade, que impõem aos cidadãos insuportáveis sacrifícios,
devem sofrer as devidas correções.
Neste resgate da voz da cidadania no Brasil,
numa pauta que aponta a urgência de mudanças profundas, há de se considerar o lugar
histórico e determinante dos jovens. Ao deixar no passado a tímida participação política,
a juventude abre novo ciclo, tornando-se protagonista dessa nova etapa da história.
Não se pode mais governar em qualquer instituição ou instância, menos ainda representar
o povo, sem permanente diálogo. Este processo deve privilegiar os jovens que arrastaram
seus pais, familiares e até as crianças para exigir urgência nas mudanças.
Essa
transformação social e política inclui cada cidadão e todas as instituições da sociedade,
inclusive aquelas de caráter religioso, cultural e artístico. Contudo, particularmente,
as manifestações estão exigindo radical mudança no modo como se faz política na sociedade
brasileira, especialmente a partidária. Tudo o que envolve o Estado está interpelando
mudanças e novas respostas - urgentes e pela inteligência do diálogo. Ora, o dever
central da política é promover e garantir a justa ordem da sociedade e do Estado.
Caso contrário, como comentou Santo Agostinho, na sua obra Cidade de Deus, o Estado
reduzir-se-ia a uma grande banda de ladrões. De fato, a corrupção é o mal maior que
precisa ser banido, permitindo, assim, que se criem condições de funcionamento para
uma sociedade justa. A voz da cidadania está, entre outros assuntos urgentes, exigindo
recomposições significativas no exercício da autoridade política.
Por isso,
a urgência da reforma política, como cirurgia no sistema vigente viciado e prejudicial
ao bom andamento da sociedade. A voz da cidadania está acelerando a resposta a esta
exigência. Trata-se de uma reforma que já poderia estar em curso, ou mesmo concluída.
Justiça seja feita à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), junto a outras
instituições sérias do País, pelas muitas vezes em que se tentou emplacar a reforma.
Os bloqueios e resistências foram sempre volumosos da parte de quem deveria facilitar.
É hora de fazer valer que o sujeito da autoridade política é o povo considerado na
sua totalidade como detentor da soberania.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo Arcebispo
metropolitano de Belo Horizonte