Belo Horizonte (RV) - Até quando continuarão a matar moradores de rua na capital
dos mineiros? Este crime e muitos outros estão manchando de sangue a história jovem,
bela e promissora desta nossa amada cidade. Belo Horizonte reúne possibilidades incontáveis
para ser uma sociedade exemplar, fazendo jus à condição de centro desta terra mineira,
o lugar atraente da síntese das muitas Minas que configuram um tesouro nacional: a
mineiridade. Contudo, desafiadores problemas nos afligem e demandam de todos nós,
do poder público especialmente, qualificação, velocidade e audácia para atingir metas
mais cidadãs na constituição de uma sociedade mais justa e solidária, servidora de
todos, sobretudo dos pobres.
Como se não bastassem os desafios que nos afligem
na contemporaneidade, ao se pensar a urgente necessidade de garantir moradia digna
para todos, de resguardar o atendimento cidadão no âmbito da saúde pública, bem como
o acesso à educação e ao mundo do trabalho, Belo Horizonte está se tornando palco
do horrendo massacre de moradores de rua. Nestes últimos dois anos, a cifra chega
a cem. Parafraseando o horror das destruições profetizadas por Jesus, quando a sociedade
perde parâmetros éticos, tratando com descaso os problemas urgentes que afligem a
vida das pessoas, é a “abominação da desolação”.
A pauta de urgências para
superar esse cenário envolve muitos itens e demandas que estão exigindo de todos os
cidadãos uma redobrada atenção, um sentido de realidade mais apurado e um comprometimento
diuturno, que inclui tanto as pequenas ações de solidariedade como aquelas mais encorpadas
pela articulação de pessoas e instituições. Abrange também os indispensáveis projetos
estratégicos e sistêmicos dos governos em vista do bem comum. Neste sentido, ao se
considerar o processo construtivo da sociedade belo-horizontina, o que vale para cada
cidadão desta amada terra, desafiados pela conturbada realidade das regiões metropolitanas,
são as ações rápidas e eficazes, medidas urgentes para que cessem aqui as mortes de
moradores de rua.
A razão primeira é o respeito integral à dignidade de cada
pessoa, merecedora de todo o cuidado e zelo, por obrigação governamental, por autenticidade
de cidadania e pela força do amor que a fé verdadeira guarda. É urgente, pois, um
“acordar a sociedade inteira” para esse problema gravíssimo: a violência contra moradores
de rua, que está manchando ainda mais de sangue a nossa história e os nossos dias.
Serve de alerta o Livro do Apocalipse, abertura do quinto selo; uma referência simbólica
à história da humanidade e seu destino. Conforme narra São João, os que estavam debaixo
do altar, imolados, gritaram em voz forte: “Senhor santo e verdadeiro, até quando
tardarás em fazer justiça, vingando o nosso sangue contra os habitantes da terra?”(Ap
6,10). Deus tem a condução da história. Todos nós seremos julgados, pelo amor a cada
pessoa que gera o respeito e compromisso cidadãos. Particularmente, pelo amor que
demonstrarmos pelos inocentes, pobres e indefesos.
O tesouro da fé cristã que
se mistura ao patrimônio admirável das riquezas deste chão mineiro deve renovar na
sua capital e em cada recanto desta terra bendita uma vivaz, profética e inspiradora
opção preferencial pelos pobres. Trata-se de um capítulo anterior, mais consistente
em razões e raízes, aos projetos sociais advindos das obrigações governamentais, pois
é fundamental para que sejam bem cumpridos. A opção preferencial pelos pobres nasce
da fé em Jesus Cristo, incontestavelmente o grande patrimônio de nossa cultura. O
Evangelho é fonte inesgotável de valores, educador da simplicidade de coração, da
audácia na busca do bem e da justiça. Um caminho para incentivar ações e atitudes
coerentes.
É hora de limpar o sangue que mancha BH com o assassinato de moradores
de rua. Que esta urgência inspire campanhas para que não se mergulhe uma sociedade
na violência, para que não sejam configuradas realidades quase irreversíveis de insegurança
e injustiça. Ainda está em tempo para que cidades iluminadas pelo sol, que desponta
do alto de suas montanhas, cultivem o querer bem à dignidade de toda pessoa. Da abominação
dos assassinatos deve nascer, por gestos e palavras, um tempo novo que seja para todos
o “belo horizonte”.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo Arcebispo metropolitano
de Belo Horizonte