Vaticano divulga documento sobre refugiados e deslocados
Cidade do Vaticano (RV) - Foi divulgado na manhã desta quinta-feira, dia 6,
o documento elaborado pelo Pontifício Conselho para os Migrantes e os Itinerantes
e pelo Pontifício Conselho Cor Unum intitulado "Acolher Cristo nos refugiados e nas
pessoas deslocadas à força". Publicamos abaixo a íntegra do documento, já traduzido
em português.
Apresentação
O Papa Bento XVI afirmou que o amor se eleva
acima de quaisquer limites ou distinções: « A Igreja é a família de Deus no mundo.
Nesta família, não deve haver ninguém que sofra por falta do necessário. Ao mesmo
tempo, porém, a caritas-agape estende-se para além das fronteiras da Igreja; a parábola
do bom Samaritano permanece como critério de medida, impondo a universalidade do amor
que se inclina sobre o necessitado encontrado “por acaso” (cf. Lc 10,31), seja ele
quem for » (DCE 25). Motivada pela caridade de Cristo e pelo seu ensinamento: « porque
tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; era peregrino e me
acolhestes; nu e me vestistes; enfermo e me visitastes; estava na prisão e viestes
a mim » (Mt 25,35-36), a Igreja oferece o seu amor e a sua assistência a todas as
pessoas deslocadas à força, sem qualquer distinção de religião ou de proveniência,
respeitando em cada uma delas a dignidade inalienável da pessoa humana, criada à imagem
de Deus.
Por este motivo, o compromisso da Igreja a favor dos migrantes e dos
refugiados pode ser atribuído ao amor e à compaixão de Jesus, o Bom Samaritano. Respondendo
ao mandamento divino e atendendo às suas necessidades espirituais e pastorais, a Igreja
não somente promove a dignidade humana de cada pessoa humana, mas também proclama
o Evangelho de amor e de paz em situações de migração forçada.
Papa Francisco
relacionou isso com a Ressurreição e com a nossa própria atitude: « deixemos que a
força do seu amor transforme também a nossa vida, tornando-nos instrumentos desta
misericórdia, canais através dos quais Deus possa irrigar a terra, guardar a criação
inteira e fazer florir a justiça e a paz ». Isto implica « mudar o ódio em amor, a
vingança em perdão, a guerra em paz. Sim, Cristo é a nossa paz e, por seu intermédio,
imploramos a paz para o mundo inteiro [...] para que cesse definitivamente toda a
violência, e sobretudo para a [...] população vítima do conflito e para os numerosos
refugiados, que esperam ajuda e conforto », a mesma paz para aqueles que « se vêem
forçados a deixar as suas casas e vivem ainda no medo [...] para que sejam superadas
as divergências e amadureça um renovado espírito de reconciliação. Paz para o mundo
inteiro, [...] ferido pelo egoísmo que ameaça a vida humana e a família – um egoísmo
quefaz continuar o tráfico de pessoas, a escravatura mais extensa neste século vinte
e um. Paz para esta nossa Terra! Jesus ressuscitado leve conforto a quem é vítima
das calamidades naturais e nos torne guardiões responsáveis da criação ». (Mensagem
Pascal e Bênção « Urbi et Orbi » do Santo Padre, 31 de março de 2013).
No mundo
de hoje, a migração mudou e está destinada a aumentar nas décadas vindouras. No passado
era muito mais fácil distinguir entre migração voluntária e forçada, entre aqueles
que se deslocavam em busca de um trabalho ou educação melhor, e aqueles cuja vida
era ameaçada por perseguições. No entanto, ao longo dos anos a situação tornou-se
mais complexa e, consequentemente, a proteção reservada aos refugiados passou a ser
ampliada a outros grupos, tais como as pessoas que fogem da guerra.
Na África
e na América Latina, não obstante tenham sido adotados conceitos mais amplos de refugiados,
foram excluídos alguns grupos, como aqueles cujos direitos humanos foram violados,
mas que nunca deixaram o seu próprio país. Estas pessoas deslocadas internamente também
tinham necessidade de proteção. Todavia, somente depois de uma melhor compreensão
da sua situação e condição, passaram a ser incluídas em programas apropriados. Surgiram
novos desafios com as vítimas do tráfico humano. Existem debates permanentes em ordem
a delegar responsabilidades a agências que se ocupam de políticas migratórias para
as consequências da migração induzida pelo clima e das pessoas deslocadas internamente
por causa de calamidades naturais. Obviamente, elas têm necessidade da proteção da
Comunidade internacional.
As obrigações ao respeito pelos direitos e deveres
que derivam dos instrumentos legais internacionais, com os seus padrões, contribuem
para a promoção da dignidade das pessoas itinerantes, de quantos buscam asilo e dos
refugiados. Elas devem ser proporcionadas inclusive mediante processo apropriado,
julgamento justo e direitos básicos necessários para eles levarem uma vida livre,
digna e confiante e para serem capazes de construir esta nova vida numa outra sociedade.
A pessoa humana é posta no centro da atenção. Isto está em sintonia com as convicções
e a preocupação da Igreja católica a propósito da dignidade da pessoa humana. Já
em 1963, a Carta Encíclica Pacem in terris declarava: « O ser humano tem direito à
existência, à integridade física, aos recursos correspondentes a um digno padrão de
vida: tais são especialmente o alimento, o vestuário, a moradia, o repouso, a assistência
médica e os serviços sociais indispensáveis » (11).
Ao longo da história, a
Igreja esteve próxima das pessoas itinerantes de numerosas maneiras. Diversos projetos
e serviços proporcionaram assistência direta, oferecendo-lhes alojamento, comida,
assistência médica e programas de reconciliação, assim como várias formas de advocacy.
A
finalidade destas intervenções por parte da Igreja consiste em oferecer uma oportunidade
aos refugiados, às pessoas deslocadas internamente e às vítimas do tráfico humano,
para alcançar a sua dignidade humana, trabalhando produtivamente e assumindo os direitos
e deveres do país receptor, sem jamais esquecer de fomentar a sua vida espiritual.
Por
isso, este documento é fruto de um estudo teológico e pastoral, pelo que a Igreja
considera a migração um campo missionário em que deveria ser testemunhada a Boa Nova.
O chamamento da Igreja consiste em dar testemunho e proclamar em tais circunstâncias
o significado do amor de Deus em Jesus Cristo por cada pessoa, em permanecer fiel
à sua vocação no seu ministério e em interpretar os sinais dos tempos.
O Papa
Bento XVI resume isto, afirmando: « A Igreja não pode descurar o serviço da caridade,
tal como não pode negligenciar os Sacramentos nem a Palavra » (DCE 22).
A finalidade
do presente documento consiste em orientar e despertar uma renovada consciência acerca
das várias formas de migração forçada e dos desafios como comunidade ao acolhê-los,
ao demonstrar-lhes compaixão e ao tratá-los de maneira justa, os quais são apenas
alguns passos simples a dar e, além disso, oferecendo-lhes esperança para o futuro.
É necessário procurar soluções inovadoras, através de estudos novos e profundos, e
defender a dignidade de todos aqueles que são forçados a deixar a própria casa. Isto
representa formas de renovação que nos aproximarão a Deus, mediante a escuta da sua
voz nas Sagradas Escrituras, no Magistério da Igreja e em cada ser humano, criado
« à imagem e semelhança de Deus » (Gn 1,27). Possa isto abrir os nossos olhos, para
descobrirmos os vestígios da presença de Deus em cada pessoa deslocada à força.
Como
uma atualização à publicação conjunta de 1992: « Os Refugiados: um desafio à solidariedade
», o presente documento servirá como linha de orientação para os Pastores da Igreja,
para as organizações católicas comprometidas nos vários programas de assistência e
de apoio aos refugiados e às pessoas deslocadas à força, para todos os fiéis e todos os
homens e mulheres de boa vontade que permanecerem abertos à voz da Igreja. Possa ele
ajudá-los a construir « uma só família de irmãos e irmãs em sociedades que se tornam
cada vez mais multiétnicas e interculturais » (Mensagem para o Dia Mundial dos Migrantes
e Refugiados, 2011), « praticando a justiça, amando a bondade e caminhando com humildade
diante de Deus » (cf. Mq 6,8).
Antonio Maria Cardeal Vegliò Presidente do
Pontifício Conselho para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes
Robert Cardeal
Sarah Presidente do Pontifício Conselho Cor Unum