Santa Sé e Cabo Verde prestes a assinar Concordata - entrevista com o Presidente,
Jorge Carlos Fonseca
Recebdio em audiência no passado dia 3 pelo Papa, o Presidente da República de Cabo
Verde, Jorge Carlos Fonseca, veio depois aos estúdios da Rádio Vaticano, onde concedeu
à Secção Portuguesa uma ampla entrevista em que aborda assuntos ligados à nova Concordata
que vai ser assinada na cidade da Praia no próximo dia 10 deste mês. Falou também
dos 50 anos da UA, da confiança que Cabo Verde suscita internacionalmente e da diáspora
cabo-verdiana e africana em geral, considerada a 6ª região da UA. Leia na íntegra
a entrevista...
(foto: Dr. Jorge Carlos Fonseca com P. Bernardo Suate, responsável
da Secção Portuguesa da Rádio Vaticano e a jornalista, Dulce Araújo)
**
I
– VISITA AO VATICANO E CONCORDATA
Sr. Presidente, a audiência com o Santo
Padre foi a razão principal da sua vinda à Itália?
“De facto esta vinda
por dois dias a Roma teve a ver sobretudo com a audiência, que muito nos privilegiou,
com o Papa Francisco. Foi uma audiência marcada com uma rapidez que nos surpreendeu.
Nós mostramos disponibilidade e interesse para isso num dia e poucos dias depois,
praticamente uma semana ou pouco mais do que isso, tivemos uma resposta positiva e,
portanto, foi com grande prazer que nos deslocamos à Itália e acabamos há minutos
de ter um encontro muito marcante com o Santo Padre, seguido dum encontro também com
o Sr. Cardeal Bertone, Secretário de Estado, com o qual trocamos também impressões
muito interessantes sobre as relações entre a Santa Sé e sobre o papel da Igreja
católica no nosso país”.
Em que consistiu o colóquio com o Santo Padre?
“Nós falamos, creio, ao longo de 30 minutos, foi um tempo precioso, não
precisámos de interprete, ele falava em castilhano e eu em português ou uma mistura…
de portinhol, não?!, conversamos sobre o papel da Igreja em Cabo Verde, sobre a formação
da própria identidade cabo-verdiana, toda ela moldada sobre valores cristãos; falamos
sobre o acordo que irá ser assinado entre a Santa Sé e Cabo Verde daqui a poucos dias
pelo governo de Cabo Verde e o Secretário para as relações com os Estados; convidei-o
a fazer uma visita a Cabo Verde logo que possível, o que constituirá uma prenda para
toda a comunidade católica que é maioritária em Cabo Verde; falamos um pouco sobre
Cabo Verde, disse-me que desconhecia o facto (que eu lhe tinha transmitido) que a
Diocese de Santiago, em Cabo Verde, terá sido a primeira Diocese em África e que tinha
jurisdição sobre quase todo o continente africano durante muitos anos, e transmiti-lhe
mensagem dos nossos bispos (D. Arlindo Furtado, bispo de Santiago, o bispo do Mindelo
e do nosso bispo emérito, D. Paulino) que meio a brincar disseram-me que se ele pensar
fazer uma visita à África ele está obrigado a ir a Cabo Verde e, talvez, começar por
Cabo Verde que é a primeira Diocese…; também falamos dum dossier que eu não conhecia
pessoalmente – hesitei se devia falar com o Santo Padre sobre isso nos trina minutos
- mas ele é que me abordou sobre esse dossier que, possivelmente, grande parte dos
cabo-verdianos desconhecem e que tem a ver com o “Guarda Manuel” ou o “Escravo Manuel”,
uma pessoa que terá as suas origens em Cabo Verde, que aportou à Argentina e que guardou
e protegeu a imagem da Virgem Maria fazendo com que a imagem ficasse numa zona da
Argentina, sítio que é, hoje, um grande santuário de Nossa Senhora de Lojan, padroeira
hoje em dia da Argentina, Uruguai e Paraguai, e está em curso, há alguns anos, o processo
de beatificação do escravo ou do guarda Manuel; portanto, o Santo Padre conhecia
bem esse dossier, falou-me dele com muito entusiasmo. Mas no fim perguntou-me o que
é que ele podia fazer para Cabo Verde e eu respondi-lhe que o que mais pode fazer
para CV é rezar pelo pais, pela paz em Cabo Verde, pelo reforço da presença da Igreja
no país, e sobretudo pelos valores que moldam a identidade de CV. E ele disse que
faria de tudo para satisfazer esses pedido”.
E aceitou o convite a
ir a Cabo Verde?
“Sim, mas naturalmente que não se falou em
datas porque creio que não tem ainda um programa de visitas ao exterior, para além
da deslocação ao Brasil que estava prevista para um evento mundial que tem a ver com
a juventude”
O Sr. Presidente referiu-se à Concordata que vai ser assinada
entre a Santa Sé e o Estado cabo-verdiano. E sabemos que para o efeito se vai deslocar
a Cabo Verde no próximo dia 10 o Secretário para as Relações com os Estados, D. Domenique
Mamberti. Quais são os pilares dessa Concordata?
“Por acaso
tive um encontro com o Secretário de Estado, o Cardeal Bertone em que estava também
presente o Secretário Mamberti e falamos da importância desse acordo – a Concordata.
A Concordata, no fundo, é um acordo estabelecido entre o Estado de Cabo Verde e a
Santa Sé e que define o estatuto jurídico da Igreja Católica em Cabo Verde. Havia
uma Concordata anterior, dos anos 40 do século passado, mas assinada com o Estado
português e, portanto, este acordo é agora actualizado, e está mais de acordo com
o facto de sermos hoje um Estado independente, um Estado de Direito, uma Democracia;
se pudesse definir em poucas palavras as linhas mestras desse acordo, diria, por ex.,
que são contemplados aspectos como a eficácia civil das sentenças eclesiásticas sobre
o matrimónio. Refere-se também à dispensa pontifícia do chamado matrimónio “rato,
mas não consumado”; prevê regras claras sobre a possibilidade de introdução do ensino
da religião e da moral católicas no estabelecimento do ensino público não superior;
questões de direito de propriedade. No fundo tudo o que tem a ver com as relações
entre a Santa Sé e Cabo Verde do ponto de vista da acção quotidiana da Igreja católica
nas ilhas. São aspectos que no fundo são esclarecidos e são desenvolvidos. Esses são,
portanto, alguns dos aspectos que constam do acordo.”
Já se fala numa certa
secularização em Cabo Verde, embora o povo seja católico por tradição…
“Sim,
evidentemente, como lhe disse a Concordata escreve-se num quadro jurídico, nós somos
um Estado independente, um Estado de Direito, temos um Estado constitucional que se
funda e se limita pela Constituição da República e, portanto, todas as questões do
acordo tem que situar-se também no âmbito do respeito pelos valores da Constituição
de Cabo Verde: só para dar um exemplo, somos católicos, o problema do ensino da religião
tem que se moldar, digamos, no quadro dos valores e dos direitos constitucionais vigentes
em Cabo Verde, nomeadamente tem que haver aceitação das pessoas: não pode impor o
ensino a quem não o queira ou não o deseje. Este é um pequeno aspecto para dar a ideia
de que sendo um acordo internacional no nosso sistema jurídico os acordos internacionais,
salvo alguns casos, também se situam no plano de subordinação à Constituição da Republica.”
Nesse âmbito a presença doutras religiões - dizíamos que Cabo Verde
é um país de tradição católica - mas nos últimos anos tem havido também a presença
doutras religiões, antes um pouco “estranhas” digamos assim ao país, como é o caso
por exemplo do islão…
“Sim, é um fenómeno novo em Cabo Verde.
Nós tradicionalmente somos um país de esmagadora maioria cristã, católica que convive
com outras religiões cristãs – Igreja do Nazareno, os Adventistas do 7º Dia – mas
sendo um país aberto, aliás, historicamente também a sociedade cabo-verdiana foi sempre
uma sociedade aberta, há permuta de cultura e valores e isso tem sido um aspecto muito
positivo do ponto de vista daquilo que podemos chamar de formatação da sociedade cabo-verdiana
nos tempos mais recentes, sobretudo depois da nossa pertença à Comunidade dos Estados
da África Ocidental, que prevê de certa maneira a livre circulação de pessoas; Cabo
Verde é hoje também um país de imigração – fomos tradicionalmente um país de emigração,
hoje nós temos em Cabo Verde várias dezenas de milhares de africanos que procuram
cabo-verdianos para viver e para trabalhar (cidadãos da Guiné-Bissau, do Senegal,
do Mali, da Serra Leoa, da Nigéria, do Níger…) e boa parte destes imigrantes professa
a religião islâmica. Naturalmente que sendo nós um Estado laico e constitucional que
garante a liberdade religiosa e de culto, em Cabo Verde não há proibição de religiões.
Agora tendo, evidentemente, uma matriz cristã, social, isto não pode deixar de ser
relevante, de vários pontos de vista e o Estado de Cabo Verde tem de estar atento
a fenómenos que por vezes, a coberto da religião, possam trazer alguns problemas do
ponto de vista do cimento da coesão social, da tranquilidade pública e da importação
de fenómenos estranhos, que possam pôr em causa a própria estabilidade do nosso regime
democrático. Mas, fique claro, isso não tem a ver com a aceitação de todas as religiões
e da sua prática; tem a ver com fenómenos que muitas vezes a miúde são desenvolvidas,
são trazidas a pretexto, a coberto da prática da divulgação religiosas”.
Então
não há apreensão nem da parte das instituições nem da população como já às vezes se
ouve, por vezes, falar…
“Evidentemente que a perspectiva
do cidadão, a perspectiva dos responsáveis religiosos não são exactamente os mesmos
dos responsáveis políticos. O Presidente da República, o Governo, o Parlamento, os
Tribunais..., temos de estar atentos aos fenómenos políticos sociais religiosos e
culturais, mas também temos de nos guiar por princípios e pelas regras constitucionais
e pelas opções de vida que temos há muitos anos. Quer dizer que os responsáveis políticos
têm de estar atentos à evolução dos fenómenos e, portanto, sempre que houver necessidade
duma regulação, de alguma intervenção não podem abster-se de o fazer para a defesa,
digamos, das instituições do Estado, da República e das instituições democráticas…”
Nota-se, ia a dizer, uma certa secularização em Cabo Verde, os bispos
falam disto… e isto tem a ver também com a educação… Nos últimos anos tem-se multiplicado
o número de universidades no país, mas falta uma universidade católica, e sabemos
que há gente da Igreja que já tem vontade que isto aconteça… Qual é o seu parecer
sobre isso, visto que vem também do mundo académico?
“Não
vejo nenhum problema nisso, nós temos tido grande expansão universitária em Cabo Verde;
hoje há um fenómeno que parecia impensável há dez anos atrás; pela primeira vez na
nossa vida temos hoje perto de 22 ou 23 mil estudantes do ensino superior e mais de
metade estuda em Cabo Verde; é um fenómeno novo, antes iam para Portugal, o Brasil,
um pouco a Itália, a Alemanha, mas sobretudo Portugal e o Brasil. Este é um fenómeno
novo; tem sobretudo vantagens; mas, evidentemente, traz também alguns problemas que
tem a ver com o controlo de qualidade do ensino, do rigor na escolha dos docentes
e tem a ver com a criação de condições para que haja investigação cientifica, e também
um fenómeno que se traduz com o facto de haver um número maior de estabelecimentos
de ensino superior privados do que publico. Há Universidade pública, mas as outras
são todas privadas, o que quer dizer que uma Universidade Católica seria bem-vinda;
evidentemente que haverá sempre aspectos por ser definidos e regulados. É uma ideia
que vem já de alguns anos – a de uma universidade católica – e creio que há condições
para que, a curto prazo, isso venha a acontecer de facto”.
Sabemos
que independentemente da Concordata que vai ser agora assinada entre a Santa Sé e
o Estado de Cabo Verde, já havia relações diplomáticas entre as duas partes, Cabo
Verde tem um Embaixador junto da Santa Sé, na pessoa do Dr. Domingos Mascarenhas que
é, todavia, residente em Luanda, onde é também Embaixador de Cabo Verde e tem a seu
cargo mais outras Embaixadas. Com a Concordata pode-se pensar num Embaixador residente
em Itália?
“É uma questão que está a ser estudada, posso dizer
que ainda há poucos dias eu troquei umas impressões com o Sr. Primeiro Ministro sobre
esta questão e, evidentemente, sendo um país que não tem grandes recursos, tem de
ser muito criterioso na escolha das Embaixadas. Nós temos relativamente poucas Embaixadas,
porque as Embaixadas custam muito ao erário público. Mas, o Governo, em articulação
com o Presidente da República, está, estará a estudar a melhor forma de o Embaixador
poder ter uma presença mais forte junto da Santa Sé. Portanto, é um assunto que ainda
está em estudo e, talvez, proximamente, possamos ter respostas mais concretas para
dar aos interessados.”
CABO VERDE – PAÍS DE CONFIANÇA
O
seu encontro com o Papa e o recente encontro do primeiro-ministro com o presidente
Obama, nos Estados Unidos, parecem colocar Cabo Verde no patamar dos países que em
África estão a merecer confiança em nível mundial. Qual é o vosso segredo. “A nossa auto-estima é reforçada quando também algumas instituições económicas
internacionais, alguns institutos de pesquisa nos põe em uma situação positiva no
que diz respeito a liberdade de imprensa, a democracia, o desenvolvimento humano.
Eu creio que, talvez não tenhamos um segredo, o fato de sermos um país pequeno, um
país com poucos recursos naturais, um país que nasceu e se forjou num mar de dificuldades
de toda a ordem, de seca, de uma natureza madrasta, talvez isso estimule e potencie
a perseverança, a determinação, a audácia dos cabo-verdianos. Por um lado. Por outro
lado, na minha opinião, se há anos, todos os nossos poetas, nossos músicos e compositores
ao falarem da imigração falavam como se fosse, sobretudo, um drama, com alguma racionalidade,
hoje nos vemos que o fato de sermos um país de diásporas, historicamente representou
algo de positivo para Cabo Verde, isto é, moldou uma maneira de ser, moldou um povo
através do encadeamento de diferentes culturas e valores, levou a uma profunda miscigenação
humana e cultural no nosso país, e um país aberto, amante da liberdade, um país quase
que obrigado a estudar, a aprender e com facilidade. Então, quando nós, por exemplo,
vemos que os cabo-verdianos rapidamente dominam línguas estrangeiras e novas tecnologias
tudo isso tem a ver, talvez, com o próprio senso histórico e social de formação dos
cabo-verdianos e também explica que tínhamos construído uma democracia que não sendo
perfeita, evidentemente não é, precisa ser aprimorada e sofisticada, em termos relativos
creio que seja uma experiencia boa em África e isso talvez nos leva, do ponto de vista
externo, sejamos visto também, apesar de pequenos, um país com credibilidade, um país
que merece respeito do ponto de vista tradicional.”
Cabo Verde é um país
de emigração. Têm algum algum projecto político sobre isso ?
“Nos estamos
sempre tentados. Mesmo na presidencia da Republica, nos estamos tentados a criar um
grupo, a ver se organizamos um grande forum sobre a nossa relação com os Estados Unidos.
Nós temos uma forte presença cabo-verdiana nos EUA. As nossas relações são boas, mas
é nossa opinião de que, talvez, com a forte presença de cabo-verdianos nos EUA, com
um grande lastro cultural e histórico que sustenta a relação dos dois países, é possível
chegarmos a ter uma cooperação um pouco mais forte, muito mais sólida, e para isso
nós devemos contar também com a presença das nossas comunidades. Estive ha pouco
tempo nos Estados Unidos e vi que hoje em dia, muitos cabo verdianos imigrantes, ou
muitos americanos com ascendencia cabo-verdiana disputam postos, de vereadores e deputados
municipais, temos senadores estaduais, temos magistrados, e portanto, ja não é essa
ideia de que os cabo-verdianos estão ali só para trabalhar… já pertencem e têm a
ambição – positiva - de penetrar no seio da sociedade americana. Mas vejo isso também
um pouco na Europa. Na Itália, há cabo-verdianos a quererem disputar em eleições autárquicas,
municipais, isso e um bom sinal, e um sinal de vitalidade, de ambicão da sociedade
caboverdiana. Mas precisamos, sobretudo, de conhecer melhor as nossas diásporas, e
encontrar os mecanismos mais adequados, inteligentes, para que, ao mesmo tempo que
se intergram nos paises de acolhimento, possam contribuir também para o processo de
desenvolvimento de Cabo Verde, porque precisamos de dar um grande salto qualitativo
e contamos com a nossa diaspora”.
II – 50 ANOS DA UA
A OUA, hoje
União Africana, acaba de celebrar 50 anos. Que balanço faz desses 50 anos.
Eu
pude fazê-lo em Adis Abeba, onde estive presente na útima cimeira da UA. Nós o que
dizemos é o seguinte: Apesar das críticas e poémicas que todos nó um pouco, de algum
modo, alimentamos sobre o percursso da OUA, a verdade é que o seu programa fundamental,
essencial, foi realizado. A OUA tinha escrito no seu ideário a conquista das independências
dos países africanos e isso foi conseguido. Mesmo nós, em Cabo Verde, poderiamos dizer
que de alguma forma somos o fruto do apoio da OUA em relação às lutas que nós fizemos
para obter independência. Quando digo Cabo Verde, digo Moçambique, Angola, São Tomé
e Príncipe e muitos outros países. Esse foi o objectivo principal da OUA, sustentou,
apoiou e solidarizou-se com as lutas dos povos de África pela sua emancipacão e independência.
Este é o resultado concreto e valioso que a OUA nos trouxe”.
Mas, numa conferência
em Cabo Verde disse que a África, a UA está num circulo vizioso. Quer esclarecer um
pouco?
“É o dilema de hoje, esse é o problema. A descolonização
está feita, no essencial. Somos hoje Estados independentes. Hoje há um novo desafio,
o desafio da unidade na diversidade, mas há também o desafio da criaçãao de condições
para que a África possa ser um parceiro em pé de igualdade com outros continentes.
Isto é, a África tem todas as condições, matérias primas, riqueza humana, população…
não é por acaso que nesta cimeira da UA estiveram presentes o Presidente da Comissão
da EU, Durão Barroso, a Presidente do Brasil, Dilma Russef, o Secretário do Estado
Americano, o Secretário Geral da ONU; não é por acaso que o Presidente Obama vai fazer
uma visita a vários países africanos, o que quer dizer que hoje a África é vista com
novos olhos, não é apenas a África dos conflitos, dos militares, das mortandades,
da malária… É um continente apecetido e apetecível, onde pode haver grandes oportunidades
de negócios, de investimentos e desenvolvimento. Mas precisamos, em África de resolver
os conflitos que ainda grassam um pouco pelo continente. Basta pensar na Guiné-Bissau,
no Mali, na Somália, na República Centroafricana, no Sudão, na Eritreia… portanto,
a UA tem de encontrar mecanismos eficazes para sanar os conflitos que existem em
África, porque sem estabilidade e sem paz não há projectos de desenvolvimento que
sejam eficazes a curto prazo. A estabilidade e a paz são pressupostos fundamentais
para o desenvolvimento. Por outro lado há o desafio da democracia global do continente
africano e aí é que é uma espécie de circulo vicioso. Aparecem sempre alguns que dizem:
bom, a democracia não se adapta a valores culturais; sem a estabilidade não pode haver
democracia… mas sem democração não se potencia a estabilidade e os consensos… Portanto,
é este circulo vicioso que tem de ser rompido por algum lado, isto é, no meu entendimento,
não são lutas estanques, não são etapas, tem que ser lutas que devem ser feitas a
par e ao mesmo tempo.”
A propósito da presença em Adis Abeba, o Sr. Presidente
insistiu na implementação do plano estratégico da União Africana para 2014-17. Em
que consiste este plano.
“O plano já foi aprovado. É um plano
muito ambicioso que abrange sectores como infraestruturas, transportes aéros, marítimos,
e um programa extremamente ambicioso. Nós, sobretuto, como país insular, como país
pequeno, insistimos e mostramos satisfação pelo facto de, talvez, pela primeira vez,
o plano da União Africana, contemplar investimentos para resolver problemas específicos
dos pequenos Estados insulares que tem vulnerabilidades próprias, nós Seichelles,
as Maurícias, as Comore, São Tomé e Príncipe, e pensamos, por exemplo, nos transportes
marítimos. Isto é, os africanos quando pensam em transportes, estão a pensar sobretudo
em ferrovias e autoestradas, e esquecem dos transportes maríimos que são fundamentais
para a integração e para que haja um comércio intra-africano. Isso tudo, para nós,
ilhas, é decisivo. Pois, como Cabo Verde, que pensa em desenvolver a sua economia,
tambem através da chamada economia marítima, é fundamental ter portos e ter transportes
marítimos eficazes que liguem Cabo Verde também a outras paragens africanas”.
Que
diria do reforço das instituições democráticas e do combate à corrupção que Cabo Verde
tem vindo a ser solicitada a encorajar em relação ao resto da África, seja por parte
da ONU, seja por parte de instituições privadas e do governo de Washington?
“É
verdade. O problema da corrupção é um fenómeno que tem que ser combatido com firmeza.
Talvez nós não tenhamos em Cabo Verde níveis tão elevados de corrupção como outros
países, mas temos que estar atentos ao fenómeno da corrupção. Não é só em África,
há corrupção noutros continentes. A corrupção, sobretudo, quando atinge sectores como
administração pública, a justiça, as instituições de investigação criminal, as polícias,
podem corroer o próprio edifício dos estados democráticos. Mas há outros fenómenos
que eu diria, paralelo, que e o fenómeno dos tráfico, de estupefacientes. E Cabo Verde,
por sua posição geoestratégica, não esta imune ao fenómeno. Estamos a meio caminho
entre América, Europa e África e Cabo Verde tem sido utilizado como corredor de trânsito
para os carteis de droga para a Europa e América. Nos não temos meios suficientes
para combater eficazmente esse fenómeno e temos que procurar a cooperação internacional.
Mas também hoje em dia, os países europeus, as próprias Nações Unidas, países como
a Espanha e o Brasil e os EUA procuram a cooperação de Cabo Verde para fazer uma
luta conjunta, articulada, para tornar, digamos, o corredor do Atlântico, um corredor
com liberdade e livre do tráfico de droga, tráfico de armas, tráfico de pessoas, são
fenómenos extremamente perigosos. A comunidade internacional organizada está dotada
de meios sofisticadíssimos, por vezes meios mais fortes, do que muitos dos nossos
Estados possuem. Por exemplo, a titulo meramente ilustrativo, há dias recebi um ministro
enviado especial dos Camarões que me convidou a estar presente em uma conferência,
neste mês de Jnho, sobre a segurança marítima. Portanto, é uma conferencia que abrange
os países da CEDEAO e da África central para verem se os mecanismos jurídicos, as
instituições outro fenómenos para combater a pirataria marítima, acontece também para
os nossos lados”.
A esse nível, já que somos dos PALOPS, a Guiné Bissau,
que neste momento, parece que precisaria de uma ajuda particular, seja a nível do
tráfico de drogas, seja pelo fato de estar a enveredar por um novo caminho de democracia
através da ajuda do Ramos Horta….
A situação na Guiné Bissau
é difícil, ninguém pode negar isso, é complexa. Nós todos condenamos na altura o golpe
de Estado, reafirmamos o nosso apego aos valores do respeito pela constituição, pela
legalidade, mas perante a situação de fato que hoje existe, nós estamos prensados
de que a comunidade internacional e os actores guineenses chegarão a soluções que
possam conduzir finalmente a Guine Bissau a caminhos de paz, de tranquilidade, e de
estabilidade. Está em curso um processo que não é fácil mas é bom ter esperança de
que podem chegar rapidamente a um consenso, um governo, o mais inclusivo possível,
um governo que integre as principais forças políticas do país, que se chegue a um
consenso sobre um calendário de transição, para eleições ainda até o fim deste ano.
Não e fácil, mas sobretudo, nós entendemos que a comunidade internacional se deve
esforçar para garantir o pós-eleições pois que na Guiné Bissau eleições tem havido
muitas, o problema tem acontecido depois das eleições. É necessário criar condições
para criar e consolidar instituições fortes; que as pessoas acreditem nos processos
eleitoras, para que as eleições sejam transparentes e justas e que não possam haver,
ao fim das eleições reivindicações de que as eleições não tenham sido livres ou justas”.
Sendo
angolano, estou com curiosidade, que o senhor presidente vá em Angola. Tem algum projecto.
Tenho
um convite feito pelo presidente José Eduardo dos Santos para fazer uma visita de
estado a Angola. Aliás, está aqui comigo o embaixador Domingos Mascarenhas que é Embaixador
em Luanda. Portanto, estamos a acertar a data. Eu ainda, há dias em Adis Abeba, recebi
o novo vice presidente Manuel Vicente, conversamos, já há datas possíveis de minha
visita, provavelmente farei essa visita ainda neste ano de 2013. É importante para
cimentar mais ainda as relações entre os dois países que são muito boas, que e importante
do ponto de vista das comunidades, da presença forte dos cabo-verdianos em Angola.
Angola é um país emergente e, portanto, penso que com essa minha visita podemos elevar
o nível da ó financeira, e outros aspectos da cooperação”.
Sr. Presidente,
sabemos que a UA considera a grande diáspora africana de ontem e de hoje como a sua
6ª região. Depois de alguns encontros há poucos anos atrás, liderados pela África
do Sul, por conta da UA, para ver como integrar essa diáspora no processo de desenvolvimento
da África, não ouvimos falar mais no assunto, parece que a coisa está parada. Nesta
recente cimeira dos 50 anos da UA falou-se nisso?
“Falou-se.
E um dos pontos da agenda da cimeira dos Chefes de Estado foi a apresentação, discussão
dum relatório (que foi aprovado) apresentado pelo Presidente Zuma da África do Sul.
Isto é, em África toma-se cada vez mais consciência da importância integradora e pró-desenvolvimento
dos nossos países das diásporas africanas e que são um elemento importante de ligação
e de solidariedade com outras pátrias e outros continentes. Outro facto saliente foi
a circunstância de um dos oradores, convidados de honra da cimeira terem sido a Srª
Primeira Ministra da Jamaica e o Presidente ou um alto responsável político do Haiti;
portanto, isso mostra a preocupação e a consciência que em África se tem da ligação
da África e de outros continentes, onde as raízes africanas estão e continuam a estar
bem presentes.”
Portanto, em síntese, está-se a trabalhar nisto, mas não
se tem nada ainda de concreto!?
“Há um relatório, prevê-se
um conjunto de acções e que foram agora aprovados nesta cimeira depois de ser apresentado
pelo Presidente Zuma da África do Sul”