Cidade do Vaticano (RV) - O presidente do Instituto para as Obras de Religião
(IOR), Ernst von Freyberg, entrevistado pela Rádio Vaticano, anunciou que o banco
vai começar a publicar seu balanço na internet a partir de 1º de outubro de 2013.
Von
Freyberg, nomeado em 15 de fevereiro Presidente do IOR pelo Conselho cardinalício
que controla o Instituto, acrescenta que o balanço será certificado por uma consultoria
internacional, atendendo às medidas demandadas pelo Comitê de Combate à Lavagem de
Dinheiro do Conselho da Europa (Moneyval).
Na entrevista, cuja íntegra publicamos
abaixo, o Presidente revela a necessidade de se comportar como qualquer outra instituição
financeira, e garante que serão feitos controles contínuos nas cerca de 19 mil contas
correntes do Instituto.
O sr. gosta deste trabalho, de ter vindo de Frankfurt
para Roma, e de trabalhar dentro do Vaticano?
“É um grande privilégio trabalhar
no Vaticano, o ambiente é mais inspirador que se pode imaginar: é também um grande
desafio servir o Papa para restabelecer a reputação deste Instituto”.
Como
o sr. imaginava que seria o seu trabalho, antes de começar aqui?
“Diferente
do que é. Quando eu cheguei, pensei que precisaria me concentrar naquilo que normalmente
se define como lavagem de dinheiro e depósitos indevidos. Até agora não detectei nada.
Isto não significa que não há, mas que esta não é a nossa principal preocupação. Nosso
principal ponto é a reputação do Instituto. Nosso trabalho, ou melhor, o meu trabalho,
é muito mais de comunicação do que inicialmente pensava. E mais ainda, de comunicação
dentro da Igreja. Não fizemos o suficiente no passado. Isso começa em casa, com nossos
funcionários, com aqueles que trabalham para a Igreja em Roma, com as pessoas da Igreja
no mundo afora. Com aqueles aos quais nós devemos primeiramente transparência e uma
boa explicação sobre o que fazemos e como tentamos servir”.
Como é possível
que alguém como o sr., com toda a sua experiência, queira trabalhar para o Vaticano,
depois de todos os acontecimentos passados do IOR?
“Não é algo que se
queira. Não é algo que se sonhe, sentado em casa. Nem durante a entrevista, pensei:
‘eu realmente quero este trabalho’. Quando fui chamado, fiquei muito feliz e aceitei
o convite, e eu acredito que isto vale também para os outros candidatos que foram
entrevistados para o mesmo cargo. Uma vez aqui, acho que é uma boa experiência, constato
menos complicações e problemas do que pensava, vendo de fora”.
Como é
um dia normal de trabalho em seu escritório? Olhando de sua janela, o sr. vê a Praça
São Pedro e, portanto, tem um ambiente de trabalho completamente diferente do que
a maioria das pessoas está acostumada. É como um dia de trabalho no escritório de
Frankfurt?
“Um dia normal já começa de modo extraordinário, porque tenho
o privilégio de morar na Casa Santa Marta, e a permissão de participar ocasionalmente
da missa com o Papa. Por si só, isto já é um privilégio, estar lá às 7h da manhã e
ouvir suas breves e sempre muito comoventes homilias. No escritório, o meu dia
é estruturado em projetos. Eu sou um grande fã de enfrentar tarefas de uma forma sistemática
‘gestão de projetos’. Nós dividimos nossas grandes tarefas em projetos e subprojetos
e eu faço parte das comissões que impulsionam estes projeto adiante. Dedico algum
tempo todos os dias, com o diretor e o vice-diretor, para analisar os assuntos do
dia; preparo reuniões da diretoria, e me comunico. Falo dentro da Igreja, falo com
jornalistas, hoje (terça-feira) almocei com o embaixador de um dos maiores países
do mundo para lhe explicar o que estamos fazendo. Meu trabalho se divide em gestão
de projetos, assuntos do dia e comunicação”.
Obrigado por falar também
conosco. Há quem diga que o sr. é uma espécie de diretor de meio período, pois não
mora estavelmente em Roma. Como o sr. administra isso?
“Nossos estatutos
dizem que nós (a diretoria) devemos nos encontrar a cada três meses como comissão,
e uma vez por mês eu deveria avaliar os resultados econômicos com o diretor-geral.
Isto é o que os fundadores do IOR imaginaram para minha posição. Quando eu fui
entrevistado, pediram-me ‘de um a dois dias por semana’; agora dedico ao trabalho
para o Instituto três dias aqui em Roma, e mais um ou dois em outras partes do mundo.
Hoje, acredito que com o passar do tempo, eu deveria me aproximar do que dizem os
estatutos”.
Mas por enquanto este tempo é apropriado para seu trabalho.
“Ao
ver os nossos desafios, penso que precisamos de todas as horas possíveis para enfrentá-los”.
Seu cargo está abaixo de uma comissão de cardeais. Como isso funciona,
na prática?
“Temos uma comissão de cinco cardeais, que é a máxima instância
do Instituto. Nós nos vemos a cada dois ou três meses, normalmente no âmbito da reunião
de diretoria. O diretor-geral e eu nos reunimos mensalmente com a cúpula da comissão
cardinalícia para mantê-la informada, mas também para coordenar nossas atividades”.
Seu trabalho também engloba outras agências, como empresas de consultoria?
“Sim,
existe uma agência que não é de consultoria, mas nossa supervisora, a AIF (Autoridade
de Informação Financeira). Ela é a autoridade financeira que supervisiona todas as
instituições financeiras do Vaticano. Com ela eu interajo regularmente e trabalho
de perto. Em relação a consultorias externas, contratei vários, provavelmente
os melhores consultores do mundo no combate à lavagem de dinheiro, para rever cada
uma de nossas contas, estruturas e processos e detectar a lavagem de dinheiro. Assumimos
especialistas em comunicação e um dos melhores escritórios de advocacia do mundo para
nos ajudar a compreender melhor o nosso quadro jurídico e estar em conformidade com
as leis”.
Falando de lavagem de dinheiro: imagino que existam padrões que
o sr. queira aplicar.
“A Santa Sé se adequou aos padrões internacionais.
Eu aplico a lei e respeito os mais altos padrões solicitados pelos nossos bancos correspondentes.
Eu pessoalmente recebo em minha mesa todos os casos suspeitos e tenho reuniões semanais
com o responsável pelo combate à lavagem de dinheiro. Também temos uma política de
tolerância zero em relação a clientes e funcionários envolvidos em atividades de lavagem
de dinheiro”.
A respeito do banco: mesmo que o termo não seja correto,
o IOR é conhecido como o “Banco do Vaticano”, e está relacionado a uma série de mitos.
À parte isso, o que é exatamente o IOR?
“O IOR é o mesmo desde que foi
criado, em 1942. Ele faz exclusivamente duas coisas: recebe depósitos de seus clientes
e os salvaguarda. Antes de tudo, somos um estabelecimento de tipo familiar que protege
as verbas dos membros de sua família. Os membros desta família são a Santa Sé, as
entidades ligadas à Santa Sé, a maioria das congregações com atividades no mundo,
membros do clero e funcionários do Vaticano. O segundo serviço que prestamos,
ao lado da proteção e da custódia, são operações de pagamento, ou seja, transferimos
verbas a lugares onde entidades do Vaticano ou congregações têm suas atividades”.
Resumindo, não é um banco?
“Não somos um banco. Nós não emprestamos
dinheiro, não fazemos investimentos diretos, não agimos como uma contrapartida financeira.
Nós não especulamos no câmbio ou em commodities. Recebemos dinheiro em depósitos e
o investimos em obrigações do governo, obrigações corporativas e no mercado interbancário,
onde depositamos com juros ligeiramente superiores, para podermos restituir aos clientes
quando eles o quiserem”.
O que existe em comum com os outros bancos é que
vocês ganham dinheiro; no final do dia existe algum lucro. Isto é intencional ou é
simplesmente algo que acontece?
“Nossa missão é servir. Se fizermos bem
nosso trabalho, é provável que tenhamos um superávit. Nós contribuímos, em média,
com 55 milhões de euros no orçamento do Vaticano e é um pilar econômico importante.
Agora é provável que me você pergunte como ganhamos 55 milhões de euros. Em nossa
conta existem três elementos básicos: os juros que pagamos a quem deposita; os juros
que ganhamos com isso, e esta é a parte mais importante das entradas, e que por ano
pode ficar entre 50 e 70 milhões de euros. Disso você pode deduzir nossos custos.
Também temos alguns ganhos de obrigações, cujos preços sobem e descem, e daí você
chega ao nosso lucro. Desta margem de juros e do câmbio em dinheiro de obrigações
que possuímos, temos que subtrair o custo aproximativo das operações, de 25 milhões
de euros”.
Dinheiro que vai direto, imagino, para uma conta IOR para os
propósitos do Vaticano, não?”
“Vai para uma conta que é para o Vaticano.”
Hipoteticamente
falando: acabo de fundar uma congregação religiosa, eu venho até você, que serviço
pode oferecer para mim e minha congregação?
“Somente dois: você pode depositar
exclusivamente dinheiro recebido de quem o sustenta; nós o guardamos de modo seguro,
lhe pagamos juros e o restituímos quando você precisar dele. Se você me disser que
criou três províncias na Ásia, África e América Latina, eu posso lhe garantir a transferência
de seu dinheiro a seus irmãos que estão fora fazendo obras de caridade, e assegurar
que o dinheiro chegue a eles, mesmo nos lugares mais remotos do mundo”.
Que
tipo de serviço é único do IOR, que um banco normal não pode providenciar?
“O
que é realmente único é que nós entendemos realmente o mundo da Igreja e a sua missão.
112 pessoas trabalham no IOR, e temos 19 mil clientes. A grande maioria deles são
religiosas ou clérigos, que conhecem os funcionários do IOR há 20 ou 30 anos. Sabemos
exatamente o que eles precisam, eles têm uma pessoa de confiança aqui e este relacionamento
pessoal os traz aqui. Estamos em competição, como qualquer outra instituição financeira
do mundo. Cada um de nossos clientes é chamado, constantemente, a ir para outros bancos.
Eles ficam conosco porque querem permanecer aqui. Sabe, se perguntarmos se ‘o
IOR deve fechar’, 99,99% de nossos clientes responderiam ‘não’. Eles querem permanecer
aqui, querem guardar seu dinheiro aqui. Eles recebem serviço personalizado e a experiência
demonstra que isto é muito seguro. O IOR é altamente capitalizado, tem um patrimônio
líquido de cerca de 800 milhões em um balanço de 5 bilhões. Isto é o dobro do que
se registra em um banco fora do Vaticano. Durante a crise financeira, nós nunca
tivemos problemas. Nenhum governo teve que vir nos socorrer; nós somos muito, muito
seguros”.
O serviço especial do IOR é que seus funcionários conhecem os
clientes e a Igreja, mas com o passar do tempo, outras instituições poderão também
oferecer este tipo de serviço. Existem outros bancos, ou até bancos católicos, por
exemplo, que poderiam oferecer um serviço igual?
“Eles também podem oferecer
um ótimo serviço. Não diria igual, porque cada serviço é diferente. Muitos de nossos
clientes usam provavelmente outros bancos e comparam nosso serviço com o deles”.
Por
que o Vaticano deve ter um banco? Esta é uma pergunta muitas vezes colocada, especialmente
agora, depois da eleição do Papa Francisco. Qual a sua resposta: por que o Vaticano
tem um banco, ou por que precisa de um banco?
“Eu vejo isso a partir de
duas perspectivas: a primeira são os clientes. Eles nos querem aqui. Este é o motivo
pelo qual 19 mil clientes optaram por depositar seu dinheiro aqui. A outra abordagem
é se estamos fazemos um bom serviço ao Santo Padre. Com a nossa reputação atual, nós
não prestamos um bom serviço ao Santo Padre e esta imagem desfigura a sua mensagem.
E esta é a que considero a primeira e mais importante tarefa a lidar”.
Para
sair do escanteio?
“Na realidade, para sair do centro das atenções e voltar
ao escanteio… (risos), fazer humildemente nosso serviço e não ficar sob os refletores
o tempo todo”.
O sr. mencionou o número de clientes: em comparação com
outros bancos, é maior, menor, na média...
“É minúsculo. Há poucos bancos
menores do que o nosso Instituto”.
O relatório realizado pela autoridade
AIF, que o sr. mencionou antes, indicou, na semana passada, que há irregularidades
em seis casos. Isto significa que o IOR está envolvido em comportamentos não apropriados
para um banco do Vaticano? O que este número representa?
“Antes de tudo,
nos revela como surgem os rumores. Não são ‘ilícitos’, mas são ‘suspeitos’, e demonstram
que nosso sistema de monitoração interna começa a funcionar. Isto significa que somos
diligentes e que identificamos seis transações que pensamos possam ser inapropriadas
e as relatamos ao nosso supervisor. Quando identificamos uma transação assim, nós
imediatamente o comunicamos ao nosso supervisor AIF”.
Este é o método
da transparência da AIF e também de vocês.
“É o sistema de assinalação,
aplicável em todas as instituições dentro da Santa Sé. É o que se espera de um sistema
financeiro moderno: ter um sistema que rastreia toda transação. Não somos um banco,
mas como instituição financeira, estas normas são aplicáveis para nós. Nós rastreamos
toda transação em que detectamos comportamentos suspeitos, e os ‘Suspicious Transaction
Report’ são arquivados na AIF. Este sistema foi projetado para prevenir a lavagem
de dinheiro sujo e o financiamento do terrorismo”.
Muito se falou a respeito
da “lista branca” do OECD, o Vaticano quer ser aceito como membro desta lista. Como
o IOR contribui para isso?
“Não existe uma “lista branca”. A intenção
do processo Moneyval é identificar os países e jurisdições que podem causar riscos
para o sistema financeiro global. Isto pode ser feito realizando avaliações do quadro
jurídico de cada país ou jurisdição. Países e jurisdições considerados críticos são
listados. A Santa Sé foi avaliada no ano passado, e de acordo com o relatório Moneyval,
publicado em 2012, tem um sistema funcional em ordem e NÃO é considerada uma jurisdição
crítica. Dito isto, nós somos um aspecto daquele sistema. Fomos chamados em especial,
para adotar procedimentos e estruturas mais fortes, para detectar transações suspeitas
e clientes suspeitos. Acabei de assumir a principal consultoria do mundo sobre estas
questões para reescrever nosso manual sobre como detectar transações e clientes suspeitos
e revisar todas as nossas contas. Estruturas e procedimentos estarão prontos no final
deste verão e então teremos cumprido esta parte do processo. Iremos além e vamos
rever todos os depósitos que fizermos até o final do ano”.
Existem contas
numerados no Instituto? Correm sempre boatos sobre somas supostamente enormes, anônimas..
“Este
é outro bom exemplo de pura ficção. Não existem contas numeradas. Desde 1996 é tecnicamente
impossível em nosso sistema efetuar um depósito numerado. Isto seria também contrário
às leis do Vaticano. Eu mesmo verifiquei o sistema e fiz controles aleatórios, e nunca
encontrei um sinal de contas numeradas”.
Nem mesmo no passado?
“Não
funcionariam no sistema”.
A respeito do relatório da autoridade máxima AIF
da semana passada, pergunto: “Seria ‘transparência’ a nova palavra-chave do IOR”?
“Transparência é a chave, mas não só, é importante o nosso objetivo final,
quando já se é transparente: ser completamente limpos, o necessário para ser aceitos
no sistema financeiro internacional. Transparência não é algo que o mundo sempre
teve e que agora o Vaticano precisa ter. Se olharmos 15 anos atrás, éramos provavelmente
uma instituição bastante normal, no sentido que todas as instituições financeiras
privadas e públicas operavam com base no segredo bancário. Hoje existe ainda um grande
debate na União Europeia sobre até que ponto o segredo bancário deve ir. Aí três
coisas aconteceram: o primeiro foi o 11/09, quando os estadunidenses começaram a se
estender para tentar identificar o financiamento do terrorismo. Este processo começou
naturalmente nos maiores bancos do mundo e hoje interessa inclusive os menores institutos,
nas menores nações. Isto levou dois anos. Depois vieram as mídias sociais e com
a mídia social foi-se formando na opinião pública um conceito completamente novo do
sigilo, inclusive na área de finanças. Em seguida, veio a crise financeira, a necessidade
e o desejo das autoridades fiscais de tratar de modo igual todos os contribuintes,
chamando os sonegadores de impostos às suas responsabilidades. Novamente, isto exigiu
que os institutos financeiros revertessem parte do segredo bancário. Estes três
movimentos transformaram o ambiente financeiro mundial e nós fomos tardios em nos
adaptarmos a este novo mundo. Agora, estamos correndo para chegarmos onde estávamos
15 anos atrás: em uma condição relativamente normal comparada com outras instituições
financeiras”.
Mas, como o sr. mencionou, no momento existe uma espécie
de sombra no Vaticano, que mancha a imagem do Papado e do Vaticano. Obviamente, algo
está errado ou ainda não foi colocado na prática.
“Sim. Agora estamos
recuperando nossa reputação. E isto é a coisa mais importante que devo fazer, remover
esta sombra”.
E isso é possível?
“Sim, acredito que somos uma
instituição financeira limpa e bem administrada. Podemos melhorar em todos os campos,
como todos nós, e estamos tentando ser tão bons quanto os institutos semelhantes.
Nós precisamos nos comunicar. No passado não falamos com ninguém, nem mesmo com
os nossos interlocutores mais próximos. Nós não falamos com os cardeais de modo contínuo,
não falamos com a cúria, não falamos com a Igreja. É um direito de todo membro
da Igreja Católica, em todo o mundo, ser informado a respeito desta Instituição. O
que sabemos hoje? Nós começamos a falar com a mídia, a falar com a Igreja e a informar
de modo continuativo nossos interlocutores fundamentais, e publicaremos um relatório
anual, como todas as instituições financeiras deveriam fazer, e o publicaremos na
internet no dia 1º de outubro, em nosso site”.
Seu contrato é de cinco
anos, não?
“Para ser preciso, entrei no meio do contrato. Meu contrato
termina em 2015.”
Em 2015, o que o sr. consideraria um sucesso?
“Meu
sonho é muito claro. Meu sonho é que nossa reputação seja tal que as pessoas não pensem
em nós quando se fale do Vaticano, mas que ouçam apenas aquilo que diz o Papa”.
(O
texto acima foi livremente traduzido pela redação do Programa Brasileiro a partir
do original, em inglês. A entrevista original pode ser vista na página em inglês da
Rádio Vaticano. CM)