2013-05-28 14:24:03

Educação à paz e desenvolvimento para jovens na fronteira entre o Mali e o Burkina Faso


Oiça aqui... RealAudioMP3

Teve lugar de 18 a 21 de Abril passado, na localidade de Tiénikuy, no Burkina-Faso, um encontro sobre o tema “Promover uma educação à cultura da paz, justiça e reconciliação na fronteira entre o Mali e o Burkina-Faso para os jovens"

No encontro participaram cerca de 700 jovens das Dioceses fronteiriças de Nouna, no Burkina-Faso e de San, no Mali. O encontro foi coordenado por Jean de Dieu Dembélé, antropólogo maliano, presidente duma Associação para a Educação e Formação ao Desenvolvimento, vice-Presidente do Movimento Internacional do Apostolado dos Meios Sociais independentes, em África, e membro do Conselho Regional dos Leigos para a África Ocidental.
Contacto por telefone em Bamako começamos por lhe perguntar de quem foi a iniciativa do encontro.


“Esse encontro foi da iniciativa de duas dioceses: a de Nouna, no Burkina-Faso e de San, no Mali, e foi organizado pelas paróquias que estão na fronteira entre os dois países, a fim de favorecer a cultura da paz entre os jovens, porque se trata duma zona que passou por muitas violências, sobretudo em 2006, ano em que houve confrontos entre o Mali e o Burkina-Faso com uma dezena de mortos. Então os bispos das duas Dioceses fronteiriças pediram às equipas pastorais para se implicarem no sentido de favorecer encontros entre as populações.”

E porquê um encontro para jovens, eles estavam implicados nesses conflitos?

“Não de modo especial, mas como se trata duma pastoral de fronteira que se está a procurar pôr de pé e houve um trabalho que já foi feito com os adultos, com as mulheres, então considerou-se necessário implicar também os jovens porque não podem ficar alheios a tudo isso, até porque podem tomar atitudes, seja no sentido de continuar a violência, seja para serem eles próprios actores de paz. E como os jovens são o futuro, decidimos ver neles um potencial de paz e fazer com eles esses trabalho.”

Sabemos que não foi fácil realizar esse encontro (que já estava agendado há muito tempo) devido ao conflito no Mali que desencorajou também quem vos tinha prometido apoios materiais para isso. Mas, ao mesmo tempo, encontros deste tipo são mais do que nunca necessários, não é?

“Certamente. Não foi fácil porque a situação actual no Mali perturbou muito a organização deste encontro, mas ficamos felizes por ver o empenho desses jovens para que o encontro se realizasse. Quotizaram-se entre eles, fornecendo carne, cereais… E foi um encontro realmente interessante e importante, até porque tiveram a sorte de ter a presença dos dois bispos das Dioceses em questão. Vieram falar com eles e os jovens pediram-lhes que se faça um encontro deste tipo anualmente. Acho, portanto que o encontro será institucionalizado por forma a ser feito todos os anos.”

Pelos documentos que nos enviaram vimos que os debates foram sobre os problemas dos jovens enquanto tal, e sobre o desenvolvimento e o papel que os jovens podem desempenhar no desenvolvimento. No meio de tudo o que foi dito por eles, o que retiveram com ideias importantes a dar continuidade para a acção?

“O que retivemos como mais importante e que veio deles é antes de mais construir uma verdadeira amizade entre os jovens para além das fronteiras, a vontade de contribuir realmente para o desenvolvimento permanecendo onde estão, sem emigrarem e sem abandonarem as zonas rurais, mas de se organizarem lá onde se encontram para criar riquezas e para construir sociedades de bem-estar. Mas o mais importante ainda é que decidiram que isso deve estar realmente assente na fé. Aliás, foi por esta razão que eles próprios fizeram um plano de sensibilização, através de jornadas de oração, a ter lugar de agora até 31 de Dezembro deste ano. Isto para implorar do Senhor a verdadeira paz, para que Ele seja a nossa paz. Tomaram consciência disso, assumiram o empenho e estão a organizar-se para isso, porque consideram que é preciso pôr Deus no coração de tudo isto.”

É, portanto, deste modo que vão capitalizar o resultado desse encontro: jornadas de oração e institucionalização do encontro com o objectivo de passar a ser anual?


“Sim, vamos procurar acompanhá-los para criar essa associação que eles próprios pediram e, como são essencialmente jovens de zonas rurais, vamos acompanhá-los também em questões relacionadas com a agricultura, criação de gado… Aliás, daqui a dois dias vou ter um encontro com a Direcção Nacional de Fronteiras no Mali que ouviu falar da iniciativa e quer trocar ideias comigo para ver com que tipo de medidas poderão acompanhar e apoiar tudo isso”.

No encontro tocaram temas que estão muito a peito à Exortação Apostólica Pós-Sinodal “Africae Munus”. Tiveram presente este documento, falaram dele, inspirou-vos de algum modo, os jovens tomaram conhecimento e consciência disso?

“E claro que na troca de ideias fizemos muitas vezes referência a esse empenho da Igreja em África a favor da reconciliação, justiça e paz, mas tratando-se de jovens do meio rural e não estando o documento traduzido nas línguas locais, torná-lo acessível a eles é um desafio. A Exortação "Africae Munus" é um documento extremamente importante e é importante que seja traduzido nas línguas locais. Esses jovens são alfabetizados, mas não lêem francês… Então, Africae Munus estava presente no encontro, pois os bispos insistiram nele, mas o documento propriamente dito não estava disponível e isto é um desafio para a Igreja local: como torná-lo acessível para que cada um possa tirar dele as forças espirituais necessárias para se empenhar na sociedade?”

Sei que nos trabalhos de grupo os emergiram dificuldades que parecem estar ligadas aos próprios jovens, como a preguiça, o egoísmo… mas emergiram também outros aspectos ligados às dificuldades de disporem das condições e meios necessários para o desenvolvimento… Acha que tudo isso é ultrapassável sem se ter de estender as mãos a ajudas externas?

“Era precisamente esse o objectivo do debate com esses jovens; e chegamos à conclusão de que é possível organizarem-se paulatinamente com os meios de que dispõem, para construírem eles próprios o seu futuro. E temos exemplos positivos… Eu sigo de perto grupos de camponeses nessa zona para os levar a serem auto-suficientes e esses jovens caminhando encontraram alguns deles e pediram então para ser formados nessa óptica. São eles que o pedem!... E de qualquer modo a Igreja em África terá de formar essas comunidades à auto-suficiência, a não estender a mão. Então foi esse o empenho que assumimos nesse encontro. Eles pediram para ser orientados e estou convicto de que nos vamos empenhar nisso, mas antes de mais são eles próprios que devem estar no centro de tudo isso. E creio que é possível.”

A UA está a comemorar 50 anos de vida. Encontros deste tipo inscrevem-se de certo modo no esforço de união da África na paz e no progresso, e deveriam, portanto, ser apoiados não só pela Igreja, mas também pela UA, não acha?

“Acho que os organismos continentais africanos não tomaram suficientemente em conta iniciativas promovidas pelas confissões religiosas, dado que estamos a falar da Igreja, e acho que isto é um desafio para a África de hoje: implicar todos os componentes da sociedade inclusive da Igreja… No encontro que vou ter com a Direcção Nacional maliana de Fronteiras, estará também presente um responsável da UA pelos programas das fronteiras; estará lá para trocarmos opinião sobre isso, para ver como promover este tipo de iniciativas, como apoia-las. Creio, portanto, que isto é possível. Mas é necessário que as pessoas assumam o risco de tomar iniciativas… Se tivéssemos esperado ter financiamentos para realizarmos este encontro de jovens, não o teríamos feito nem daqui a cinco, ou dez anos. Mas a Igreja, os jovens, acreditaram, tivemos o apoio moral, espiritual dos dois bispos e acabou por ser um evento extraordinário. Penso que essa informação chegou também às autoridades politicas e agora compete a nós aproveitar essa oportunidade para lhes pedir para assumirem a sua responsabilidade e apoiarem este tipo de iniciativas para que a paz seja real.”

Aproxima-se a Jornada Mundial da Juventude a ter lugar no Rio de Janeiro (Brasil) em Julho próximo. Alguns desses jovens que participaram no encontro irão à JMJ?

"Penso que haverá delegados do Mali que irão à JMJ, mas esses jovens que estamos a orientar não fazem parte dos que irão ao Brasil porque os meios são muito limitados e a nossa Igreja não pode apoiar muitos jovens nisso. Pode ser que no futuro estes jovens posssam participar em encontros de caracter mundial para reforçar a sua fé e o seu empenho. Mas desta vez isto não é possível para nós".

Há algum outro aspecto que quer sublinhar?

"Os jovens falaram muito de amizade, amor, e trocaram opiniões sobre a necessidade de ultrapasar as fronteiras, pediram mesmo que se possa incentivar casamentos entre jovens dos dois lados da fronteira. Achamos isso importante e é deste modo que se pode construir a paz.
Mas consideramos que a Igreja em África pode ajudar a paz entre as fronteiras. Por isso deve tomar a dianteira, construir uma pastoral de fronteira de forma a ajudar realmente a sociedade, as comunidades fronteiriças a não enveredar pela via da violencia, a não se deixar manipular e a não se deixar destruir por todas essas pessoas que querem utilizar todos os sistemas possíveis para atingirem as próprias metas. E que a Igreja seja realmente promotora da paz e da reconciliação; que os jovens assumam também as próprias responsabilidades nisto. "












All the contents on this site are copyrighted ©.