Prof. Felice: Papa nos exorta a relativizar o dinheiro em favor do ser humano
Cidade do Vaticano (RV) - “O dinheiro deve servir, não governar”: é uma das
passagens fortes do discurso que o Papa dirigiu nesta quinta-feira a um grupo dos
novos embaixadores. Um pronunciamento que, junto àquele proferido à Caritas Internationalis,
ofereceu numerosos pontos de reflexão sobre o Magistério social da Igreja. Papa Francisco
também evidenciou que a ética incomoda, porque relativiza o dinheiro. Esta última
reflexão motivou algumas considerações do economista da Universidade Lateranense,
Flavio Felice:
Flavio Felice: “Me parece que seja o tema fundamental,
especialmente numa perspectiva antropológica cristã. Neste caso é o dinheiro que relativiza
o homem. Como conseqüência, o cristianismo, que coloca no centro o homem, relativiza
tudo aquilo que pode ameaçar a dignidade da pessoa humana. Este é um tema fundamental.
Se se pensa quanto o cristianismo contribuiu na história para relativizar os ‘absolutos
terrestres’, o faraó: o cristianismo “suprime o espírito faraônico”, dizia o historiador
Guglielmo Ferrero. O cristianismo deu esta grande contribuição à história das idéias
e das instituições e Bergoglio, ao afirmar que a ética evoca e relativiza o dinheiro,
coloca-se exatamente nesta linha e nos diz que no centro está a pessoa”.
RV:
Papa Francisco em outra passagem, quase que com a força de um Padre da Igreja, disse
também: ‘não dividir os bens com os pobres é como que espoliá-los”...
Flavio
Felice: “Esta provavelmente é uma das passagens mais fortes, não somente dos
dois discursos de ontem, mas do seu Pontificado, não obstante ainda que breve. Afirmar
que não dividir significa espoliar, significa que a natureza nos oferece bens que
devemos necessariamente partilhar para sermos plenamente humanos. Pode não ser partilhado
por quem, obviamente, se reconhece em outra antropologia, mas se somos filhos de Deus,
somos irmãos entre nós, bem, entre irmãos se divide! A partilha é então uma maneira
para se ser autêntico, para melhorar a própria condição sobre a terra. É uma maneira,
definitivamente, para se ser mais homem, mais humano”.
RV: Falando
à Caritas internationalis o Papa afirmou: a crise não é somente
econômica, prá dizer a verdade, é cultural, antropológica...
Flavio
Felice: “Nos diz Papa Francisco que na realidade são as escolhas dos homens
que fazem as leis de mercado, que não são leis para toda a realidade do homem, mas
são leis que tem a ver com uma particular dimensão. Fazer desta particular dimensão
a dimensão da humanidade, do homem na sua totalidade, é um erro, mas é um erro sobretudo
econômico, porque o mercado não tem necessidade de pessoas que, a qualquer custo e
a qualquer preço, perseguem os próprios objetivos à custa dos outros. O mercado tem
necessidade de pessoas honestas”.
RV: Se vê que este Papa ‘tocou com
a mão’ o drama da pobreza, em particular no seu país, na Argentina, após a grave crise
econômica de 2001...
Flavio Felice: “Sim, é uma crise que envolveu
a Argentina, que lentamente está se recuperando. Assim, podemos dizer que é também
um presente que nos faz Papa Francisco: aquele de oferecer-nos uma pastoral social
a um nível máximo, que é a pastoral social do Papa, com a experiência de um homem
que reconheceu o drama desta crise. Podemos dizer que nisto Papa Francisco está em
continuidade com os outros Papas, mas ao mesmo tempo, nos “dá o seu toque pessoal”,
graças à sua experiência”. (JE)