Homilia do Santo Padre na cerimónia de canonização de domingo 12 de Maio
Prezados
irmãos e irmãs
Neste sétimo Domingo do Tempo de Páscoa reunimo-nos com alegria
para celebrar uma festa da santidade. Demos graças a Deus que fez resplandecer a sua
glória, a glória do Amor, sobre os Mártires de Otranto, sobre Madre Laura Montoya
e sobre Madre María Guadalupe García Zavala. Saúdo todos vós que viestes para esta
festa — da Itália, da Colômbia, do México e de muitos outros países — e agradeço-vos!
Queremos olhar para os novos Santos à luz da Palavra de Deus há pouco proclamada.
Uma Palavra que nos convidou à fidelidade a Cristo, inclusive até ao martírio; que
chamou a nossa atenção para a urgência e a beleza de anunciar Cristo e o seu Evangelho
a todos; e que nos falou do testemunho da caridade, sem a qual até o martírio e a
missão perdem o seu saber cristão. Quando nos falam do diácono Estêvão, o protomártir,
os Actos dos Apóstolos insistem em dizer que ele era um homem «cheio de Espírito
Santo» (6, 5; 7, 55). Que significa isto? Significa que estava cheio do Amor de Deus,
que toda a sua pessoa, a sua vida, estava animada pelo Espírito de Cristo ressuscitado,
a ponto de seguir Jesus com uma fidelidade total, até ao dom de si próprio. Hoje
a Igreja propõe à nossa veneração uma plêiade de mártires, que em 1480 foram chamados
juntos ao testemunho supremo do Evangelho. Cerca de oitocentas pessoas, que sobreviveram
ao cerco e à invasão de Otranto, foram decapitadas nos arredores daquela cidade. Rejeitaram
negar a própria fé e morreram confessando Cristo ressuscitado. Onde encontraram a
força para permanecer fiéis? Precisamente na fé, que nos leva a ver além dos limites
do nosso olhar humano, além dos confins da vida terrena, que nos faz contemplar «os
céus abertos» — como diz santo Estêvão — e o Cristo vivo à direita do Pai. Queridos
amigos, conservemos a fé que recebemos e que constitui o nosso tesouro verdadeiro;
renovemos a nossa fidelidade ao Senhor, até no meio dos obstáculos e das incompreensões;
Deus nunca nos fará faltar força e serenidade. Enquanto veneramos os Mártires de Otranto,
peçamos a Deus que ajude os numerosos cristãos que, precisamente nesta época e em
muitas regiões do mundo, ainda hoje sofrem violências, e lhes dê a coragem da fidelidade
e de responder ao mal com o bem. A segunda ideia podemos tirá-la das palavras
de Jesus, que ouvimos no Evangelho: «Não rogo somente por eles, mas também por aqueles
que pela sua palavra hão-de crer em mim. Para que todos sejam um só, assim como Tu,
ó Pai, estás em mim e Eu em ti, para que também eles estejam em Nós e o mundo creia
que tu me enviaste» (Jo 17, 20). Santa Laura Montoya foi um instrumento de evangelização,
primeiro como mestra e depois como mãe espiritual dos indígenas, nos quais infundiu
a esperança, acolhendo-os com este amor aprendido de Deus, e levando-os até Ele com
uma pedagogia eficaz que respeitava a sua cultura e não se opunha a ela. Na sua obra
de evangelização, Madre Laura fez-se verdadeiramente toda por todos, segundo a expressão
de são Paulo (cf. 1 Cor 9, 22). Também hoje as suas filhas espirituais levam o Evangelho
aos lugares mais recônditos e necessitados, como uma espécie de vanguarda da Igreja. Esta
primeira santa nascida na linda terra colombiana ensina-nos a ser generosos com Deus,
a não viver a fé solitariamente — como se fosse possível viver a fé de modo isolado
— mas a comunicá-la, a irradiar a alegria do Evangelho com a palavra e o testemunho
de vida, onde quer que nos encontremos. Seja qual for o lugar onde vivemos, devemos
irradiar esta vida do Evangelho. Ensina-nos a ver o rosto de Jesus reflectido no outro,
a vencer a indiferença e o individualismo, que corrói as comunidades cristãs e o nosso
próprio coração, e ensina-nos também a acolher todos sem preconceitos, sem discriminação
nem reticências, com um amor autêntico, oferecendo-lhes o melhor de nós mesmos e,
sobretudo, compartilhando com eles o que possuímos de mais precioso, que não são
as nossas obras nem as nossas organizações, não! O que temos de mais valioso é Cristo
e o seu Evangelho. Por fim, uma terceira reflexão. No Evangelho de hoje, Jesus
reza ao Pai com as seguintes palavras: «Dei-lhes a conhecer o Teu nome e dá-lo-ei
a conhecer para que o amor com que me amaste esteja neles e Eu esteja neles também»
(Jo 17, 26). A fidelidade dos mártires até à morte e a proclamação do Evangelho a
todos enraízam-se, encontram a sua raiz, no amor de Deus que foi derramado nos noss0s
corações pelo Espírito Santo (cf. Rm 5, 5) e no testemunho que devemos dar deste
amor na nossa própria vida. Santa Guadalupe García Zavala sabia-o bem. Renunciando
a uma vida cómoda — quantos danos causa a vida cómoda, o bem-estar! O aburguesamento
do coração paralisa-nos — e renunciando a uma vida cómoda para seguir o chamamento
de Jesus, ensinava a amar a pobreza, para poder amar em maior medida os pobres e os
enfermos. Madre «Lupita» ajoelhava-se no chão do hospital diante dos doentes, dos
abandonados, para os servir com ternura e compaixão. E isto chama-se «tocar a carne
de Cristo». Os pobres, os abandonados, os enfermos e os marginalizados são a carne
de Cristo. E Madre «Lupita» tocava a carne de Cristo, ensinando-nos este modo de
agir: não nos devemos envergonhar, não devemos ter medo, não devemos sentir repugnância
de «tocar a carne de Cristo». Madre «Lupita» tinha entendido o que significa este
«tocar a carne de Cristo». Também hoje as suas filhas espirituais procuram reflectir
o amor de Deus nas obras de caridade, sem evitar sacrifícios e enfrentando-os com
mansidão e constância apostólica (hypomonē), suportando com coragem qualquer obstáculo. Esta
nova santa mexicana convida-nos a amar como Jesus nos amou, e isto exige que não
nos fechemos em nós mesmos, nos nossos problemas, nas nossas ideias, nos nossos interesses,
neste pequeno mundo que nos causa tantos danos, mas que saiamos para ir ao encontro
de quantos precisam de atenção, de compreensão e de ajuda, para lhes levar a proximidade
calorosa do amor de Deus através de gestos concretos de delicadeza, de carinho sincero
e de amor. Fidelidade a Cristo e ao seu Evangelho, para o anunciar com a palavra
e com a vida, dando testemunho do amor de Deus através do nosso amor, com a nossa
caridade para com todos: são exemplos e ensinamentos luminosos, que nos oferecem
os santos hoje proclamados, mas que suscitam também perguntas na nossa vida cristã:
como sou fiel a Cristo? Levemos em nós mesmos esta interrogação, para pensar nela
durante o dia: como sou fiel a Cristo? Sou capaz de «fazer ver» a minha fé com respeito,
mas também com coragem? Estou atento ao próximo, dou-me conta de quem tem necessidades,
vejo em todas as pessoas, irmãos e irmãs que devo amar? Peçamos, por intercessão da
Bem-Aventurada Virgem Maria e dos novos santos, que o Senhor faça transbordar a nossa
vida com o júbilo do seu amor. Assim seja!