A relação do Papa Francisco com a multidão e as pessoas. E um breve depoimento de
D.Manuel Clemente
Ouça aqui...
A Praça de
São Pedro continua a encher-se de multidões em todos os encontros presididos pelo
Papa Francisco. O fenómeno não é novo, mas assume com o atual pontífice, como nos
primeiros anos de João Paulo II, um clima especialmente intenso e vibrante. No caso
de agora adverte-se o contraste entre a simplicidade do Papa e o seu evidente desejo
de redimensionar o prestígio mundano e certa espetacularidade quase inevitavelmente
associada à figura papal e um entusiasmo popular que corre o risco, como já vão dizendo
alguns, de se configurar com uma forma renovada de papolatria. Como desde o primeiro
momento, quando, há dois meses, a 13 de março, assomou à varanda central da basílica
de São Pedro, é impressionante o à-vontade revelado pelo Papa Francisco perante as
multidões, sem constrangimentos, mas também sem se preocupar com a imagem que de si
mesmo possa dar. Talvez o segredo esteja no que um jornalista italiano fazia
notar há dias: este Papa não vê a multidão, mas cada uma das pessoas que a compõem.
O que se adverte especialmente no momento em que Francisco, a bordo do jeep aberto,
passa no meio dos fiéis. O seu olhar cruza-se com o das pessoas que o aclamam e detém-se
a cada passo a beijar as crianças e a tocar e abençoar as pessoas mais sofredoras
e deficientes. Não há celebração pública deste Papa que não conclua com um tempo prolongado
(por vezes mais de um quarto de hora) reservado aos doentes e diminuídos, saudando-os
de maneira personalizada e afetuosa, dando-lhes todo o tempo necessário, como se não
tivesse mais nada que fazer. Estes gestos de humanidade e atenção correspondem
ao que o próprio Papa Francisco tem vindo a insistir, sobretudo quando se dirige aos
padres ou aos consagrados. “Não tenhais medo nem vergonha de mostrar ternura com as
pessoas de idade” – suplicou aos neo-ordenados, há poucas semanas. E domingo passado,
exprimindo-se mais livremente na sua própria língua, em espanhol, na missa de canonizações,
na Praça de São Pedro, ao referir-se à nova santa mexicana, a religiosa Guadalupe
Zavala (1878-1963), “Madre Lupita”, Papa Francisco recordou que “ela se ajoelhava
no chão do hospital, diante dos doentes e dos abandonados, para os servir com ternura
e compaixão”, acrescentando, com especial vigor: “Isto chama-se tocar a carne de Cristo.
Os pobres, os abandonados, os enfermos, os marginalizados, são a carne de Cristo.
Madre Lupita tocava a carne de Cristo e ensinava-nos esta conduta: não nos envergonharmos,
não termos medo, não termos repugnância da carne de Cristo”. Evocando a outra
latino-americana agora canonizada, madre Laura Montoya (1874-1949), primeira santa
colombiana, o Papa insistiu sobre outro aspeto que lhe está a peito, aliás profundamente
ligado ao acima referido: a fé não se pode viver isoladamente, como algo de privado;
“o individualismo – advertiu – corrompe as comunidades, corrompe o nosso coração”.
Há que “acolher a todos sem preconceitos, sem discriminações, sem reticências, com
autêntico amor, dando-lhes o melhor de nós próprios e o que de mais precioso temos”
E aqui Papa Francisco esclareceu: “O que de mais precioso nós temos, não são as nossas
obras as nossas organizações! Não! O que temos de mais precioso é Cristo e o seu
Evangelho”.
Precisamente a propósito do que o Papa Francisco trouxe de novo
à Igreja, Rui Saraiva interpelou D. Manuel Clemente, bispo do Porto...
Este
programa foi realizado por Pacheco Gonçalves e transmitido na rubrica Sal da Terra
Luz do Mundo do Programa África de dia 14 de Maio.