Cardeal Comastri analisa início de pontificado: "gestos de Francisco entram no coração
das pessoas"
Cidade do Vaticano (RV) – O Vigário Geral para a Cidade do Vaticano, Cardeal
Angelo Comastri, em entrevista ao jornal 'L' Osservatore Romano', fez uma síntese
do primeiro mês do Pontificado de Papa Francisco, “um Pontífice que não precisou fazer
nenhum esforço para entrar no coração das pessoas”. Comastri, no início da entrevista,
demonstrou uma certeza: “Deus guia a Igreja com uma fantasia imprevisível”, destacando
o estilo pastoral do Papa Francisco feito de gestos que “entraram no coração das pessoas
como uma luz que surge do nada e ilumina a noite”.
OR: Passaram-se pouco
mais de 30 dias desde o início do Pontificado de Francisco. Como resumir estes poucos
mas já significativos dias?
Comastri: “Eu destacaria, antes de tudo,
que o Pontificado de Papa Francisco já iniciou marcado por um estupor, um maravilhamento;
e é uma prova de que Deus guia a Igreja com uma fantasia imprevisível. Pela primeira
vez na história, o Papa vem da América Latina; quando aparece no balcao central da
Basílica São Pedro, no dia da eleição, pede ao povo para rezar por ele, para que Deus
o abençoe, e se inclina, num silêncio surpreso da Praça, para receber esta bênção.
Foi, sem dúvida alguma, um momento de extraordinária intensidade espiritual”.
OR:
Que ensinamento isto pode nos trazer?
Comastri: “Antes de tudo a
universalidade da Igreja Católica, cujos confins são o próprio mundo. Desta forma
pode chamar ao supremo pontificado um filho da longínqua Argentina. Isto é muito bonito
e revela uma característica inconfundível da Igreja Católica. Mas tem um outro aspecto
que não deve ser esquecido. Foi escolhido, como sucessor do Apóstolo Pedro, um pastor
que viveu respirando cotidianamente os sofrimentos e as esperanças de quem vive nas
periferias do mundo, geográficas e existenciais; um homem habituado à sobriedade,
ao essencial, que nos ajudará a tirar um pouco do pó mundano e fazer reencontrar o
perfume encantador de Belém”.
OR: É isto que fez com que as pessoas gostassem
tanto do Papa Francisco?
Comastri: “Sem dúvida alguma, entre o Papa
Francisco e as pessoas imediatamente criou-se uma corrente de simpatia, que não é
simplesmente emotiva, mas é um reconhecimento recíproco de um fazer parte da vida
do outro. As pessoas se reconhecem na simplicidade do Papa e o Papa se reconhece na
alegria de ser servidor das pessoas para comunicar a beleza e a riqueza do Evangelho.
E, num mundo vazio de valores, a transparência do pastor é fundamental para ser crível
o seu testemunho junto àqueles que se aproximam dele”.
OR: Qual o significado
dos primeiros gestos do pontificado?
Comastri: “Antes de tudo a
verdade central do cristianismo: Deus é amor, Deus é misericórdia, Deus está sempre
pronto a acolher num abraço de perdão para nos restituir a dignidade de filhos de
Deus. Por ocasião da Páscoa, em todas as igrejas do mundo, foi observado um extraordinário
movimento de pessoas procurando a confissão. Isto foi um fruto da primeira mensagem
do Papa, que com tanta simplicidade disse: “Deus não se cansa nunca de nos perdoar.
Somos nós que, infelizmente, nos cansamos de pedir perdão. Retornemos a Deus: Ele
nos espera, te espera, para nos perdoar”. E estas palavras foram acompanhadas de gestos
que entraram no coração de todos como uma luz que surge do nada e ilumina a noite”.
OR:
A que gesto em particular o senhor se refere?
Comastri: “Por exemplo,
o abraço com o jovem deficiente, que lentamente conseguiu colocar seu braço no pescoço
do Papa para apertá-lo como um filho faz com seu papai. Uma cena inesquecível selada
pelo beijo do Papa no rosto feliz do jovem restituído à sua dignidade de filho de
Deus. Ou ainda o lava-pés dos doze jovens feridos na alma, reclusos no Instituto de
Menores Casal del Marmo. O Papa se transformou para eles na própria mensagem que foi
levar-lhes: a porta da esperança é aberta a todos; pode-se reconstruir uma vida, pode-se
inverter o rumo da própria existência abrindo o coração ao amor de Deus. Paul Ricoeur,
um genial pensador contemporâneo, fez esta observação: 'Hoje a inquietude de tantas
pessoas depende do fato que, de noite, vai dormir sem saber porque se levantou de
manha. Hoje está difundido um assustador vazio espiritual'. Aqui, eu acredito que
o Papa esteja dando sinais claros para sair do vazio da nossa existência e reencontrar
o sentido belo e fascinante da vida”.