Salvaguarda do ambiente, uma utopia? Editorial Africa
Salvaguardar o ambiente requer acções individuais e colectivas, nacionais e globais.
Mas a nenhum destes níveis parece haver uma verdadeira tomada de consciência e vontade
de agir de modo determinado. Continua-se, portanto, a não ter uma boa relação com
a natureza. O Papa Francisco recordava-o, no passado dia 16 de Março, no seu encontro
com os jornalistas, ao explicar a escolha do seu nome.
A nível global, os
primeiros fundamentos para aquilo que é hoje chamado desenvolvimento sustentável,
isto é, que garanta o melhoramento da qualidade de vida de todos, mas no respeito
das capacidades regenerativas dos recursos ambientais, foram lançados pela ONU em
1972 na Conferência de Estocolmo. Seguiram-se outras conferências e relatórios, até
se chegar a “Rio + 20” de 2012, no Brasil.
Atrás de tudo isso, ficou um grande
número de declarações de princípio que nada, senão o bom senso, obriga a pôr em prática.
Assim, os resultados a nível planetário são escassos: a seca intensifica-se, os desertos
avançam, os grandes pulmões da terra – desde a bacia fluvial do Congo à floresta da
Amazónia – são afectados, os recursos hídricos e terrenos agrícolas são contaminados
por resíduos tóxicos, lançando para a extrema pobreza e para a mais completa desorientação
cosmogónica milhões de pessoas, enquanto que os gases serra provocam imprevisíveis
mudanças climáticas.
Como não recordar aqui, limitando-nos à África, a extracção
industrial da madeira, em parte de forma ilegal, que, segundo Greenpeace, leva em
“cada ano à perda de 4,1 milhões de hectares de florestas no continente africano”,
com consequências que vão muito para além da simples corte duma árvore?
Como
não recordar a triste situação do Delta do Níger, onde mais de 30 milhões de nigerianos
vivem desde há 50 anos nas mais desesperadas condições de desequilíbrio ambiental,
causadas pelas incautas extracções de petróleo por parte de multinacionais como a
Shell, a ENI, a Total e outras? Aos protestos dos movimentos sociais, as autoridades
da Nigéria, coniventes com as multinacionais, responderam, em 1995, mandando enforcar
o poeta, dramaturgo e activista social, Ken Saro Wiwa e oito seus companheiros de
luta. Hoje estão em debate no Parlamento do país projectos de lei aparentemente mais
protectoras do ambiente e dos direitos das populações locais. O futuro dirá!
Normas
coercitivas, não. Acumulação de conhecimentos aceites por todos sobre a estreita relação
entre o desenvolvimento económico, salvaguarda do ambiente e qualidade de vida hoje
e no futuro, sim. Este parece ser o resultado mais concreto das conferências mundiais
sobre o ambiente. Nelas foi-se tornando cada vez mais clara a necessidade de que todos
(países, instituições, indivíduos) possam exprimir, de algum modo, a própria opinião
sobre a relação entre desenvolvimento e recursos renováveis da Terra. Isto pressupõe
acesso dos cidadãos às informações pertinentes e a válidos programas educativos orientados
para a sustentabilidade. Diversos organismos, em várias partes do mundo, já estão
a fazer um trabalho de formiga neste sentido. E o Dia Mundial da Juventude em Julho
próximo, na cidade brasileira de Rio de Janeiro, será uma grande ocasião para sensibilizar
os milhões de jovens do mundo inteiro, que nela participarão, em relação a questões
ambientais. Várias organizações já estão a trabalhar nesta direcção. Ao regressar
para os seus países, esses jovens poderão levar consigo também a visão cristã da Criação,
partilhá-la com os seus coetâneos e pô-la em prática juntamente com os outros.
Mas
não há dúvida de que o caminho a percorrer em direcção a um completo equilíbrio entre
o desenvolvimento económico e o ecossistema é ainda longo, e espera-se que ao percorrê-lo
se tenha em conta também a sapiência africana na sua relação ancestral com a natureza
e que hoje corre o risco de desaparecer completamente se nada for feito para salvaguardar
esses valores.
O que é certo é que quanto mais penetramos na abordagem das
questões ecológicas, mais se tem a sensação de desorientação e impotência.
Com
efeito, constatar que os parquet e os móveis luxuosos de muitas casas da burguesia
são sinónimo de uma irracional exploração humana, material e ecológica em muitas partes
do mundo; tomar consciência da estreita ligação entre a exploração florestal, guerras,
doenças, mal nutrição e fome; constatar que substituir a gasolina com o metanol, subtrai
terreno à produção agrícola para alimentação; constatar que muitos políticos tomam
decisões olhando apenas para a duração e a eficácia do seu mandato, sem ter em conta
ou mesmo ignorando as consequências ecológicas a médio e longo prazo; constatar que
o discurso sobre as energias renováveis é extremamente complexo; constatar a impressionante
dimensão dos fenómenos de ilegalidade que afectam o ambiente… enfim, tomar consciência
da forte interdependência global entre acções de desenvolvimento e as consequências
negativas, permitidas ou inevitáveis, sobre o ambiente, pode levar a pensar que não
se chegará nunca a encontrar o fio da meada e que não vale a pena, portanto, agir.
Nada de mais errado!
Felizmente, não faltam exemplos encorajadores. A África
pode exibir, entre outras, as acções da célebre Wangari Maathai, Nobel da Paz em 2004,
que soube combater a degradação ambiental com a plantação de milhões de árvores e
com uma enérgica consciencialização de cidadãos e governos sobre as próprias responsabilidades
na salvaguarda do ambiente. Acções que levou a cabo através do Movimento “Green Belt”
por ela criado. Além disso deixou como herança um importante Instituto de Estudos
Interdisciplinares sobre o Ambiente e a Paz, com sede no Quénia, sua terra natal.
A União Africana recorda-a com uma jornada anual dedicada ao ambiente. Mas a energia
que ela punha nessa luta não parece caracterizar as acções da UA, que não deixa, todavia,
de estabelecer uma ligação, embora fraca, entre o seu cinquentenário (1963-2013),
o tão decantado Renascimento africano e as questões ambientais.
Ainda a nível
da África não se podem omitir as preocupações da Igreja pelas questões de desenvolvimento
sustentável. Na linha do II Sínodo dos Bispos para a África (2009) e dos seus documentos
- Mensagem final e exortação Africae Munus - em que se convidam as multinacionais
a porem fim “à devastação criminosa do ambiente” – o SCEAM, Simpósio das Conferências
Episcopais da África, fez-se presente em Março passado com uma delegação e uma mensagem
ao Painel de Alto Nível da ONU sobre o pós Objectivos do Desenvolvimento do Milénio
e Objectivos Sustentáveis de Desenvolvimento, recordando que sem os valores humanos
não se chegará nunca a uma relação harmónica entre a qualidade de vida e o ambiente.
Além disso, a Igreja católica universal não cessa de dar exemplos de sensibilidade
ambiental. Em 2008, o agora Papa emérito, Bento XVI, conquistou o título de Papa ecológico
ao permitir instalar sobre a cobertura do tecto da ampla Aula Paulo VI, no Vaticano,
2400 painéis solares. O Papa Ratzinger pôs também amplamente em realce na sua encíclica
Caritas in Veritate, a questão ambiental, recordando que a natureza é um maravilhoso
dom de Deus que deve ser tratado com respeito, por forma a beneficiar a população
actual no mundo e as gerações vindouras.
E a sensibilidade já demonstrada
pelo Papa Francisco em relação ao ambiente é encorajador. As suas palavras ao Corpo
Diplomático acreditado junto da Santa Sé, no passado dia 22 de Março, são emblemáticas:
“Lutar contra a pobreza, tanto material como espiritual, edificar a paz e
construir pontes: são como que os pontos de referência para um caminho que devemos
percorrer, desejando convidar cada um dos países que representais a tomar parte nele.
Um caminho que será difícil, se não aprendermos a amar cada vez mais esta nossa terra.
Também neste caso me serve de inspiração o nome de Francisco: ele ensina-nos um respeito
profundo por toda a criação, ensina-nos a proteger este nosso meio ambiente, que muitas
vezes não usamos para o bem, mas desfrutamos com avidez e prejudicando um ao outro”. Estes
e tantos outros exemplos positivos permitem-nos acreditar que, embora se trate, como
dizia o Papa, de um caminho difícil, é possível substituir a imensa desordem ambiental
que caracteriza o mundo actual com uma harmonia, igualmente grande, entre desenvolvimento
e ambiente. Deus deu-nos o instrumento para o fazer: o amor em relação a todos e em
relação à Criação. Só amando e valorizando a Criação, fazendo dela uma fonte de felicidade
para todos, hoje e amanhã, poderá tornar-se realidade a utopia de um mundo melhor.
Maria Dulce Araújo Évora – Programa Português