2013-03-04 14:18:50

Rainha Nzinga, rumo a Património da Humanidade - Colóquio internacional em Luanda - Lesliane Pereira e Moisés Malumbu


RealAudioMP3 Famosa pela sua resistência à penetração portuguesa em Angola e pela sua conversão ao cristianismo, a regina Nzinga Mbandi é hoje muito valorizada em África e na diáspora. Prova disso, mais este importante colóquio sobre ela a saudar o Dia da Mulher Angolana. Foi de 28 de Feverio a 1 de Março em Luanda. Um colóquio com momentos culturais em que a Miss Angola 2008, Lesliane Pereira, personificou a rainha. Oiça na rubrica "África.Vozes Femininas" as palavras dela, assim como do Dr. Moisés Malumbu, um dos oradores no colóquio em que participou, entre outros, um representante da UNESCO. RealAudioMP3

Leia em baixo uma síntese da vida da rainha Nzinga emitida na rubrica "África.Vozes Femininas"
a 17 de Dezembro de 2003.

O Reino está em paz e em bom estado. Cuidai de o conservar como vo-lo deixo. Defendei com rigor a causa de Deus. Quero que para o meu funeral e a minha sepultura sejam seguidas as instruções do meu confessor e que sejam organizados segundo os ritos e costumes da religião cristã. E, sobretudo, que não haja sacrifícios humanos, mesmo que se trate de honrar uma grande rainha”.

Palavras da Rainha Nzinga de Angola ao seu Primeiro Ministro, no dia sua morte, a 17 de Dezembro de 1664; dia em que, enfraquecida pela doença e com uma voz já débil que mal se conseguia ouvir, declarou publicamente estar feliz por morrer na fé católica; que se arrependia por ter praticado os costumes barbares dos jagas e por ter versado tanto sangue inocente. E murmurava a sua amargura por não poder deixar um filho que lhe sucedesse no trono de Matamba.

Dito isto, fez uma longa pausa como se esse esforço a esgotasse – refere a historiadora Sylvia Serbin no seu livro “Rainhas da África e Heroínas da Diáspora”, interrogando-se se era mesmo isso, ou se se tratava da recordação da terrível dor do dia em que o seu filho único, ainda bebé, foi mandado matar mediante um banho em água fervente pelo seu irmão Mani Ngola, Rei de Angola. E como se não bastasse, esse irmão, que a odiava por ser a preferida do pai e por ser mais inteligente e capaz do que ele, fê-la esterilizar de maneira horrível, impedindo-lhe assim de ter mais filhos. Ela, por sua vez, mandou matar o filho do irmão depois de ter posto fim à vida deste último mediante envenenamento. Seria isto a razão do seu profundo suspiro? Ou Seria a recordação de todos os homens que tinham passado pela sua vida? Alianças de circunstância, ligações políticas ou paixões efémeras…?, amantes que não demorava a expulsar do seu leito, mas que tinham sido numerosos como se ela procurasse constantemente provar a sua feminilidade? Uma mulher mortificada que, num dia de melancolia confessara o seu “ódio pelos homens”. O seu último companheiro fora um jovem escravo de 50 anos que ela escolhera no dia dos seus 75 anos. Nzinga morre assim no dia 17 de Dezembro de 1664 com 84 anos de idade. Fora enterrada coberta de ouro e de pedras preciosas. E foi sucedida no trono pela sua querida irmã, Cambo.


342 anos após da morte de Nzinga, não podíamos nesta rubrica dedicada a vozes femininas da África (de hoje e de ontem) não recordá-la neste dia 17 de Dezembro, aniversário da sua morte, certos de que o seu agir tem muito a ensinar aos africanos de hoje…


As caravelas do navegador português, Diogo Cão, chegaram a Angola em 1484. Ao desembarcar na região, os portugueses ficaram fascinados pela beleza, a riqueza agrícola e minerária do país, assim como pelo desenvolvimento do seu povo. Um viajador escrevia no século XVI em relação a esse lugar:

“Oferece aos viajadores o espectáculo mais brilhante e mais encantador. Vinhas imensa, campos que todos os anos se cobrem de uma dupla colheita, ricas pastagens. A natureza parece alegrar-se em reunir aqui todas as vantagens que as mãos benfeitoras não concedem que separadamente noutras partes do mundo e, embora negros, os habitantes do Reino de Angola são, em geral, muito educados e engenhosos”

Com efeito, os portugueses encontraram em Angola uma população industriosa ocupada em actividades como a tecelagem da ráfia, o trabalho do marfim, peles, fabrico de utensílios em cobre, extracção mineira e comercio transfronteiriço. Mas o que mais atraiu a atenção dos portugueses foram os diamantes arrastados pelo Rio Cuanza. Decidiram então apropriar-se oficialmente dessas terras para fazer um ponto de abastecimento de escravos destinados à valorização dos seus territórios no Brasil. A deportação maciça da população deixar-lhes-ia caminho livre para o controlo das riquezas do país. E efectivamente, a intensidade do tráfico de escravos na região foi tal que a dinâmica anterior da sociedade angolana foi minada pela base.


Em 1575 a Coroa portuguesa autorizou Paulo Dias de Novais a apropriar-se das terras a sul do Cuanza em direcção ao interior do país o mais que pudesse. Um território onde ele tinha sido já estado em 1562 e onde fora recebido calorosamente pela população local. Os portugueses esqueciam, todavia, que essas terras eram parte integrante do Reino de Matamba-Ndongo. Dando-se conta das intenções de Novais, o soberano de Matamba lançou uma ofensiva contra uma coluna portuguesa de exploração, atirando assim a fúria dos conquistadores. A partir dos fortes erguidos no litoral, os portugueses lançaram-se decididamente à conquista do Reino de Matamba-Ndongo que, entre guerras, retiradas, compromissos e tratados acabou por se desagregar progressivamente. As províncias costeiras foram as primeira as capitular. E a anexação de Ndongo amputou Matamba da sua façada marítima, permitindo aos portugueses levar Luanda a uma prosperidade baseada na exploração de ouro, diamante e comercio de escravos. A cidade será governada por um vice-rei, enviado de Portugal. Do antigo Reino de Angola só restará aos soberanos angolanos a Província de Matamba, símbolo da resistência à invasão portuguesa. Nessa terra reinava havia várias gerações, a família da rainha Nzinga. Em 1617 à morte do pai de Nzinga, oitavo rei do Matamba-Ndongo, o filho mais velho, um estúpido, tirano e manhoso tomou o poder depois de ter mandado assassinar o sucessor designado pelo defunto.

Apressado em inaugurar o seu reino por uma vitória sobre os portugueses que já se encontravam próximo de Cabasso, capital do Reino, Mani Ngola, lança uma ofensiva, da qual sai derrotado. Era então preciso chegar a novos pactos com os portugueses. Confiando desta vez nos Conselheiros do Reino, decide mandar a sua irmã, princesa Nzinga, a Luanda negociar o difícil tratado com os portugueses.

Nzinga, cujo nome completo era Ngola Mbandi Nzinga Bandi Kia Ngola era uma hábil negociadora com um temperamento firme e um carisma incontestável. Tinha aprendido, ainda cedo, a reagir como um “homem” de Estado, pois seguia sempre o seu pai como uma sombra e, embora as suas opiniões não tivessem carácter oficial, ela tinha sempre algo sensato a dizer, o que irritava o seu irmão, que não sabia usar senão o terror como forma de impor a sua vontade. Vexado por aquilo que ele considerava um desafio à sua autoridade e uma humilhante provocação, ele não poupava a Nzinga nenhuma crueldade e, mais do que uma vez, fê-la castigar por motivos fúteis.


Mas voltemos à viagem de Nzinga Luanda, viagem que ela fez acompanhada de uma ampla delegação. 21 golpes de canhão saudaram a sua chegada a Luanda, onde ficou maravilhada com as transformações da cidade, mas onde sentiu também a resignação das pessoa do povo, arrancadas às suas plantações e reduzidas a escravos ou servos. Aliás, no percurso para a residência do vice-rei, viu também marinheiros portugueses, espanhóis, holandeses, empenhados no embarque de centenas de escravos em fila. Luanda tinha, de facto, a fama de ser um dos mais ferozes portos de tráficos de escravos da África. Os escravos eram aí estacionados como bestas e cerca da metade deles morria de má nutrição e maus-tratos ainda antes de serem transferidos para as Américas.

Chegada ao palácio do governador, onde teve lugar uma cerimónia de boas-vindas, Nzinga foi depois acolhida pelo vice-rei, D. João Correia de Souza para as conversações. Mas ao entrar na sala notou que havia uma única poltrona de veludo vermelho destinado ao vice-rei e duas almofadas no chão, onde ela devia se sentar. Esta diferença de tratamento não lhe agradou e com um gesto repentino ordenou a uma das suas acompanhadoras que se aproximasse. Esta compreendeu logo de que se tratava: pôs-se de joelho no tapete, apoiou-se sobre os cotovelos e inclinou o busto por forma a que o seu dorso servisse de acento à princesa. Os europeus presentes na sala ficaram surpreendidos e a murmurar. Um ilustrador irlandês teve o reflexo de captar a cena. Com essa reacção Nzinga queria significar ao vice-rei que ela não tinha vindo fazer acto de submissão e que pretendia ser tratada de igual para igual.

A sua habilidade politica dominou toda a negociação – narram as crónicas
portuguesas da época. Ela não cedeu em nada do que pudesse por em questão a dignidade do seu povo. O vice-rei começara por reclamar de maneira peremptória a libertação dos prisioneiros de guerra portugueses. A princesa respondeu-lhe calmamente que não via nenhum inconveniente nisso, desde que todos os Negros deportados como escravos fossem reenviados às suas terras de origem. Correia de Souza voltou à ordem do dia. As negociações foram difíceis e renhidas, mas Nzinga não largava a presa. Conseguiu obter o recuo das tropas estrangeiras das fronteiras anteriormente reconhecidas e o respeito da soberania de Matamba. Em troca, o Rei de Angola devia libertar os reféns portugueses e cooperar com Luanda no comércio de escravos. No momento de concluir as negociações, o vice-rei sugeriu que Matamba se pusesse sob a protecção do rei de Portugal, o que significava o pagamento de impostos à coroa portuguesa, isto é cerca de doze a treze mil escravos por ano. Perante esta proposta Nzinga respondeu:

Saiba que se os portugueses têm a vantagem de possuir uma civilização e saberes que os africanos ignoram, os habitantes do Matamba têm o privilégio de estar na sua Pátria, no meio de riquezas que, não obstante o seu poder, o rei de Portugal nunca lhes poderá garantir. Exigis tributo de um povo que reduzistes às últimas forças. Mas, como bem sabeis, haveríamos de pagar esse tributo no primeiro ano e no ano seguinte haveríamos da lançar um conflito contra vós, para nos libertarmos disso. Contentai-vos em pedir agora e uma vez por todas aquilo que vos podemos conceder

Foi assim que, em 1622 Nzinga fez uma entrada notável na atormentada história das relações entre Portugal e Angola. Perante este sucesso diplomático, e a convite do vice-rei ela permaneceu em Luanda alguns meses à espera da ratificação do novo tratado por Lisboa. Uma estada que ela aproveitou para se impregnar da cultura lusófona, aprender a língua portuguesa e observar os usos e costumes dos seus futuros adversários. E foi assim que ela cedeu à amigável pressão do governador que a convidara a converter-se ao cristianismo. Embora ela não fizesse nada sem cálculos políticos, Nzinga esperava, todavia, sinceramente que essa conversão facilitasse as futuras relações do seu país com Portugal. Pensava que os portugueses respeitariam melhor os soberanos negros que professassem a sua mesma fé. Ela foi, então, baptizada na catedral de Luanda, recebendo o nome de Ana Nzinga e tendo como madrinha e padrinho respectivamente o vice-rei Dom Correia de Sousa e sua esposa Ana. Mas a paz durou pouco. Chegado ao fim do seu mandato o vice-rei foi substituído por um governador que não entendia respeitar os acordos precedentes. Os conquistadores recusaram-se retirar-se da região litigiosa de Ambaca, o que obrigou o rei de Matamba a pegar de novo em armas para se defender. Mas esse novo conflito nas margens do rio Cuanza ia ser fatal para o irmão de Nzinga. Impotente perante a força militar dos portugueses, Mani Ngola teve de se mergulhar no rio para fugir aos perseguidores. Depois de nadar até a um banco de areia, foi recolhido por dois servidores que, como que por acaso, se encontravam aí no mesmo ilhéu. Curaram-lhe as feridas e deram-lhe uma bebida. Pouco antes de morrer fulminado pelo veneno, o imprudente tirano teve o tempo de perceber que Nzinga tinha-se vingado. Parece que ela tinha combinado com os generais no sentido de uma retirada sem combate, porque considerava que as decisões imponderadas do seu irmão punham em perigo o Reino de Matamba. Ela sucedeu assim ao seu irmão em 1624 e permanecerá no poder por 40 anos.

A primeira acção de Nzinga enquanto rainha foi enviar um emissário a Luanda para assegurar aos dirigentes portugueses as suas intenções pacíficas. No entanto, permanecia cautelosa e consciente da ameaça que eles representavam para o seu reino. Decidiu então reorganizar e disciplinar a sua armada assim como tinha visto fazer os europeus. Estava assim pronta a tomar o archote da resistência contra a ocupação estrangeira. Chamou à sua causa diversos Estados vizinhos, acabando por aliar também os famosos guerreiros jagas, ávidos de sacrifícios humanos, mas cuja força era necessária para a segurança do território. É que quando se via obrigada pelas circunstâncias, Nzinga não tinha escrúpulos nas suas escolhas estratégicas, mesmo que tivesse de vender a alma ao diabo. Adoptar os métodos usados pelos jagas permitiu-lhe controlá-los e reorganizar esse grupo à sua maneira.

Ao lado da preparação militar, Nzinga praticava também no terreno uma verdadeira guerra psicológica. Dava asilo no seu reino aos fugitivos que queriam abandonar os territórios controlados pelos portugueses, um gesto que servia de propaganda em relação aos soldados africanos recrutados pela armada de ocupação. Aliás, incitava-os a juntar-se às suas tropas, oferecendo-lhes em troca terras e fortes recompensas. Isto contribuía para fragilizar o exercito inimigo. Servia-se também da natureza, escolhendo as estações do ano que traziam a malária para lançar as suas ofensivas. Tinha também uma polícia secreta, particularmente eficaz, cujos espiões controlavam a partir dos subúrbios de Luanda a chegada de barcos provenientes de Lisboa e do Brasil e o desembarque de armas e soldados. Estava, portanto, informada, das mínimas intenções dos portugueses. No entanto, uma vez quase que caía numa emboscada. Não querendo cair nas mãos do inimigo, preferiu lançar-se num precipício, mas felizmente, conseguiu agarrar-se a uma liana, escondendo-se depois na floresta.

Os vice-reis portugueses que se sucederam em Luanda estavam cansados dos seus insucessos perante essa rocha indestrutível que era Nzinga. Ainda por cima uma mulher! Por fim, um deles quis jogar com uma das suas cordas sensíveis pedindo-lhe que, como cristã, se submetesse à coroa portuguesa. Ao que ela respondeu:

Não sou tributária de ninguém. As armas decidirão quem de nós, Portugal ou eu deve tributo ao outro” .

De notar que ela tinha abjurado o catolicismo havia muito tempo, porque considerava que a prática da religião dos seus inimigos era incompatível com o seu estatuto de rainha.


Em 1641 a frota holandesa do almirante Van Der Karkover lançou um ataque contra Luanda na tentativa de subtrair a região aos portugueses. Nzinga viu nisto uma oportunidade para oferecer ao seu reino, esgotado por anos de conflito, uma trégua. Mandou, então, um emissário a Luanda propondo aos novos ocupantes da cidade, o monopólio do comercio com Angola em troca do restabelecimento dos direitos dos soberanos angolanos sobre os seus respectivos territórios. O almirante holandês aceitou de bom grado. E durante os sete anos que Luanda esteve sob domínio holandês, os negociantes de Roterdão receberam ouro, diamantes e escravos em abundância de Angola, enquanto que os camponeses angolanos voltavam às terras
férteis dos seus antepassados, transformados pelos colonos portugueses em campos de culturas comerciais como o milho e o tabaco. Puseram-se então a reconstruir as suas aldeias.
Mas em 1648 a Europa regulou os seus numerosos conflitos religiosos através da guerra dos 30 anos entre católicos e protestantes. E em virtude do tratado de Westphalie a Holanda tornava-se independente e Amsterdão, em contrapartida, devia respeitar as possessões dos seus rivais nas Américas e na África. Uma situação que vinha estragar os planos de Zinga de aproveitar da neutralidade holandesa para garantir a paz e a prosperidade ao seu reino.

Os portugueses voltaram então a Luanda, e Nzinga, temendo represálias contra o seu povo, organizou o êxodo em direcção a Matamba dos habitantes de Ndongo que, com amargura, tiveram de queimar tudo, por forma a deixar uma terra morta ao inimigo.

Aos 73 anos de idade Nzinga conduzia ainda as suas tropas por montanhas, florestas e savanas a fim de que nenhum centímetro do seu reino fosse submetido. Por fim, o governador português, Salvador Correia, mais clarividente do que os seus predecessores, compreendeu que uma guerra interminável não era conveniente para nenhuma das duas partes. Decidiu respeitar as linhas do novo tratado que ia propor à rainha de Matamba sem tentar tirar-lhe o seu território e, em jeito de preparação das negociações, chegou mesmo a referir-se ao facto de que ela tinha sido baptizada em Luanda. Mas, mais uma vez, a resposta de Nzinga foi clara:

Dizem que o rei de Portugal concorda em me conceder algumas províncias do meu reino de Angola. Que direito tem ele sobre os meus Estados? Tenho eu, por ventura, algum direito sobre os seus? Será isto porque ele é hoje o mais forte? Mas a lei do mais forte não prova senão a potência e não legitima nunca tais usurpações. O rei de Portugal não fará senão um acto de justiça e não de generosidade em me restituir não só algumas províncias, mas todo o meu reino sobre o qual nem o seu nascimento nem a sua força lhe dão algum título.

Depois de alguns avanços diplomáticos, o acordo quase que se bloqueava quando Nzinga recusou radicalmente a ideia de um pagamento de tributo anual do seu país à coroa portuguesa.

“Fazei saber ao vosso soberano – declarou ela ao diplomata Rui Pegado – que restituindo a parte do meu reino usurpado com a força, comportar-se-ia como um cavalheiro. Mas se o restituísse na sua totalidade, agiria como um monarca justo e generoso. Quanto ao tributo reclamado, que ele se recorde que nunca prestei homenagem a ninguém. Não me considero nem vassalo nem tributário de ninguém.”

Os portugueses renunciaram, finalmente, a essa pretensão. E o tratado foi ratificado a 24 de Novembro de 1657 em Lisboa pelo jovem rei Afonso V. E foi respeitada ao longo de dois séculos. A paz passou a reinar, finalmente, no reino da Matamba depois de trinta anos de conflitos ininterruptos. Impelida pelo desejo de liberdade, Nzinga tinha conseguido preservar o pouco que restava do reino de Angola. Mais tarde viria a dizer ao seu confessor:

“Pensais que me sentia feliz em passar a vida no tumulto das armas, massacres e crueldades? Foram os vossos, os europeus que me obrigaram a isso. Apoderaram-se dos nossos Estados, espoliaram o meu reino e queriam reduzir-nos à escravatura. Pensais que deveria tê-los deixado levar avante os seus planos e tornar-se objecto de desprezo da parte do meu povo? Tinha de me bater a fim de que os usurpadores me restituíssem tudo o que nos tinham subtraído. Hoje só desejo uma coisa: rezo para que Deus perdoe os meus pecados.”


Nzinga sabia que enquanto ela vivesse o seu reino estaria ao abrigo de qualquer ocupação estrangeira. Mas o caminho para chegar a isso foi longo. E foi de certo modo um pouco por isso que ela se converteu de novo ao cristianismo. Não por calculo politico como quando se convertera em Luanda, mas porque agora se sentia tocada pela graça. Abriu então as suas portas a missionários europeus, os nobres angolanos converteram-se também ao cristianismo seguindo a rainha e o catolicismo tornou-se religião de Estado. Mas a grande maioria da população continuou a professar a religião tradicional africana.
Nzinga proibiu também os sacrifícios humanos tradicionais em todo o seu reino e mandou construir uma igreja na capital de Matamba, lançando ela própria a primeira pedra.
Vinda a paz, a rainha pôde dedicar-se à vida das cerimónias de corte. Ainda cheia de vitalidade aos 80 anos e muito bem cuidada, para além dessas cerimonias, reorganizou a administração do reino, colocando sempre ao lado de um homem com responsabilidades um adjunto mulher e pedindo contas a ambos separadamente. Deslocava-se regularmente aos seus campos agrícolas, ia à caça e, nos fins de semana recebia as mulheres da nobreza angolana que, por sua iniciativa, seguiam cursos de leitura, de corte e costura e de bordados. Exigia também que as suas compatriotas femininas se exercitassem com as armas a fim de serem úteis em caso de necessidade.

Em Dezembro de 1664 à idade de 82 anos, uma inflamação na garganta levou Nzinga a enfraquecer cada vez mais. E na manhã do dia 17 depois de ter recebido a extrema unção convocou os seus ministros anunciou-lhes que se sentia feliz por morrer na fé católica e que se arrependia de ter praticado os costumes bárbaros dos jagas e de ter versado sangue inocente. E voltando-se para o primeiro ministro recomendou-lhe que conservasse o reino em paz e em bom estado como ela o deixava, e que defendesse com vigor a causa de Deus.







All the contents on this site are copyrighted ©.