Rio de Janeiro (RV) - Estes dias têm sido de uma intensa experiência de fé!
Estamos no Ano da Fé e quase tocamos com as mãos o invisível. Após sua declaração
de renúncia, o Papa Bento XVI disse que ele sentia quase visivelmente a oração de
todo o povo ao seu redor. Depois, as suas reflexões que, além de continuar com os
compromissos normais até o dia da efetivação de sua renúncia, também esclareceu e
demonstrou o passo da fé que acabara de dar. Como disse em sua última palavra como
Papa: sou um peregrino nesta minha última etapa da viagem.
Como me referi
na semana anterior, ao escutá-lo na Praça de São Pedro, quarta-feira passada, na sua
última audiência, falar sobre São Bento, iluminando o “ora et labora” – a oração e
o trabalho – pude ver confirmada minha reflexão sobre a espiritualidade beneditina
no coração do Papa Bento XVI. Ainda mais depois de algumas informações quando ele
teria declarado sua tendência a uma formação monástica no início de sua vocação.
Na
quinta-feira passada, dia 28 de fevereiro, às 16 horas do Brasil, os portões de Castelgandolfo
se fecharam e a guarda suíça, destinada a guardar o Sumo Pontífice, se retirou para
dar lugar à polícia do Vaticano, que doravante é responsável pela guarda do Papa Emérito,
Sua Santidade, Bento XVI. A Sé de Pedro ficou vacante.
Sobre o pontificado
que acaba de encerrar sua missão, muitas páginas ainda serão publicadas e muitas análises
serão feitas. Faz parte de nosso tempo, com suas opiniões e deduções. Todos os que
tiveram acesso às comunicações nestes últimos dias puderam ver a variedade de interpretações
do recém-findo pontificado e a procura de razões da renúncia. Nós preferimos o olhar
da fé, que encontra na espiritualidade beneditina um caminho de iluminação. É claro
que temos também as razões de quem quer o bem da Igreja e, por isso mesmo, sabe o
que ela necessita nos atuais tempos. Bento XVI sabe que na atualidade a gestão é muito
difícil e a Igreja necessita de alguém para conduzir a barca de Pedro com mais vigor
físico, como ele mesmo deu a entender ao dizer que sentia suas forças diminuírem.
Nós
somos muito agradecidos ao Papa Bento XVI pela sua vida e missão! Ele teve a inspiração
de São Bento ao assumir o nome diante de um mundo que muda sua cultura e seus paradigmas,
e a necessidade de novos caminhos para uma evangelização. O patriarca dos monges do
Ocidente iniciou um caminho que conduziu a Igreja através dos mosteiros a formar as
raízes da Europa e por onde ela influenciou até pouco tempo atrás. Com as atuais mudanças,
iremos ver que a presença de um sucessor de Pedro que assumiu o nome de Bento também
desencadeará um caminho de uma nova evangelização e novos tempos na Igreja e no mundo.
Diante
de situações de crise – seja do mundo, seja dos corações e de fé – sempre surgem oportunidades
de encontrar caminhos novos. E é justamente isso que vislumbramos. A imagem do idoso
Papa que se despede na sacada de Castelgandolfo, o tapete com seu brasão que se dobra
ao vento, o pôr do Sol nas colinas em volta de Roma não é um momento nostálgico, mas
de esperança e confiança. Sim, são páginas que se sucederão, são novos horizontes
que se abrirão. Não existe o presente sem o passado. Temos certeza de que a vida e
missão do atual Papa emérito, novidade absoluta nos últimos séculos e, da forma como
ocorreu, talvez em toda a história da Igreja, abriram caminhos importantíssimos para
a Igreja e o pensamento cristão no mundo em mudança.
A preocupação com a racionalidade
da fé, a busca do diálogo com as religiões e com os demais cristãos, a coragem de
enfrentar todos os problemas e procurar encontrar caminhos corajosos de solução, a
reflexão profunda sobre a Sagrada Escritura e o aprofundamento da doutrina da Igreja
nos remetem a caminhos que, se não são totalmente novos, o são, porém, necessários
para os nossos tempos.
A Jornada Mundial da Juventude criada pelo Beato Papa
João Paulo II e que acontecerá aqui no Rio de Janeiro por escolha de Bento XVI, que
determinou também o tema e escreveu a mensagem que será o conteúdo das suas catequeses,
encontrará na presidência da mesma o novo Sumo Pontífice, a quem Bento XVI prometeu
desde já reverência e obediência em seu pronunciamento aos Cardeais na manhã de quinta-feira
passada.
As suas afirmações espontâneas, fora do texto oficial, na última
audiência geral desta semana, de que sente a Igreja viva – e disse mais de uma vez
que a Igreja é viva e bela –, ressoam nos corações daqueles que, como eu, estivemos
presentes naquele belo e importante momento, momento único para todos. Agora é tempo
de continuar, disse muitas vezes em vários discursos nesses dias entre o anúncio e
a efetivação de sua renúncia.
Agora, os Cardeais começam as “Congregações
Gerais” para dialogar sobre o estado atual da Igreja e se prepararem com orações para
o próximo Conclave. Dentro de umas duas semanas, aproximadamente, teremos o novo pontífice.
Um planta, outro rega, mas é Deus quem faz crescer. Convido todos os diocesanos a
acompanharem esses momentos com espírito de fé, com os olhos de cristãos. Serão muitas
interpretações, muitas análises, muitas apostas. Para nós é o Espírito Santo que escolhe
através do diálogo, das orações e votações dos Cardeais. Será sempre o que Ele escolheu
para suceder a Pedro e continuar conduzindo sua barca.
Bento XVI recordou
que ele continua servindo a Igreja de uma nova maneira (humilde e nobre serviço),
que é a oração. Que começou para ele o tempo da contemplação, continuando na cruz
e a serviço da Igreja, porém fazendo-o na oração. Assim como a Igreja sempre teve
consciência de que, além dos trabalhos pastorais, das atividades de cada dia, temos
necessidade da oração e da contemplação, agora teremos um Papa emérito que estará
intercedendo e rezando pela Igreja que ele conhece muito bem e, sem dúvida, especialmente
pelo novo Sumo Pontífice que será eleito.
Neste Ano da Fé e da Juventude
estamos tendo oportunidade de vislumbrar esses grandes sinais! Que os nossos olhos
se abram para a “luz deífica” e nossos corações “se alarguem para percorrer o caminho
estreito da conversão”, pedindo ao Senhor que “tudo seja feito para a maior glória
de Deus”.
Queridos diocesanos: peço que durante esses dias de “sede vacante”
encontrem alguns momentos a mais para rezarem pelos Cardeais do Conclave, pedindo
as luzes do Espírito Santo e para que todos experimentem a graça de Deus neste tempo
marcante da nossa Igreja. É um tempo novo e de muitas necessidades, mas, temos certeza
de que o pontificado que se encerrou abriu caminhos importantes para serem percorridos,
que já se iniciaram e que cabe a nós dar continuidade. As emoções experimentadas durante
a última audiência na Praça de São Pedro ainda estão muito presentes em meu coração.
A certeza de que Deus conduz a Igreja que sempre renasce e continua sua missão nos
dê a todos muita confiança e paz! Olhemos para os vastos horizontes e sintamos a necessidade
da missão que está em nossas mãos: “Ide e fazei discípulos entre as nações!” E que,
tenho certeza, todos responderemos: “Eis-me aqui Senhor, envia-me!” O Senhor tem os
Seus caminhos para aumentar a fé em nossas vidas!
† Orani João Tempesta,
O. Cist. Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ