Bento XVI e a "Caritas in veritate", a terceira e última das encíclicas de seu Pontificado
Cidade do
Vaticano (RV) - Prosseguindo nossa série de especiais destes dias dedicada ao
Pontificado de Bento XVI, voltamos ao espaço reservado a uma das expressões mais significativas
do alto Magistério de um Papa, ou seja, suas Cartas encíclicas. Com seus quase
oito anos de Pontificado, Bento XVI deixa-nos três encíclicas: Deus caritas est,
Spe salvi e Caritas in veritate.
Na edição passada nos dedicamos
à segunda encíclica – Spe salvi (Salvos na esperança). Nesta edição nos ocupamos
da terceira e última delas, a Caritas in veritate (A caridade na verdade).
Considerando o tempo de que dispomos, trata-se, como fizemos com as outras duas encíclicas,
apenas de lançar um olhar buscando colher suas linhas gerais – a título de uma primeira
abordagem.
Assinada por Bento XVI em 29 de junho do ano 2009, quinto de Pontificado,
trata-se de um texto de 79 pontos, em que se mostra – a um mundo ainda abalado pela
crise financeira – um conjunto de orientações para o mundo econômico e exigências
de solidariedade. Lembrar os pobres e os mais desprotegidos no tempo da globalização
é o fio condutor do documento, que procura apresentar caminhos para o "verdadeiro
desenvolvimento de cada pessoa e de toda a humanidade".
Bento XVI reafirma
que a Igreja não tem soluções técnicas para apresentar, mas "uma missão de verdade
para cumprir".
O I Capítulo é dedicado à encíclica "Populorum Progressio" (1967),
de Paulo VI, retomando "os seus ensinamentos sobre o desenvolvimento humano integral"
e pedindo um "verdadeiro humanismo", aberto ao "Absoluto".
A falta de fraternidade
entre homens e povos é uma das preocupações apresentadas: "A sociedade cada vez mais
globalizada torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos".
O capítulo II aborda
a questão do desenvolvimento no nosso tempo, começando com um alerta de Bento XVI:
"O lucro é útil se, como meio, for orientado para um fim que lhe indique o sentido
e o modo como o produzir e utilizar".
"As forças técnicas em campo, as inter-relações
a nível mundial, os efeitos deletérios sobre a economia real duma atividade financeira
mal utilizada e majoritariamente especulativa, os imponentes fluxos migratórios, com
frequência provocados e depois não geridos adequadamente, a exploração desregrada
dos recursos da terra, induzem-nos hoje a refletir sobre as medidas necessárias para
dar solução a problemas que são não apenas novos relativamente aos enfrentados pelo
Papa Paulo VI, mas também e sobretudo com impacto decisivo no bem presente e futuro
da humanidade", indica.
O Papa admite que "as grandes novidades, que o quadro
atual do desenvolvimento dos povos apresenta, exigem em muitos casos novas soluções",
considerando como prioritário "o objetivo do acesso ao trabalho".
Fraternidade,
desenvolvimento econômico e sociedade civil são o tema do Capítulo III, em que se
alerta contra uma visão "meramente produtiva e utilitarista da existência".
Regulação,
legislação e redistribuição da riqueza são temas abordados num conjunto de reflexões
em que se procura afastar a ideia de um mercado negativo por natureza e se fala da
importância das "leis justas" nos Estados para a "civilização da economia".
Esta
seção conclui-se com uma nova avaliação do fenômeno da globalização, visto como mais
do que um mero processo socioeconômico.
No Capítulo IV aparecem as questões
direitos e deveres, da ecologia e da ética. Bento XVI fala de uma reivindicação do
"supérfluo" que contrasta com a falta de água e alimento em certas regiões subdesenvolvidas.
O Papa afirma também que é "errado" considerar o aumento da população como "primeira
causa de subdesenvolvimento", lembrando que a queda dos nascimentos "põe em crise
os sistemas de assistência social".
A colaboração da família humana está no
centro do Capítulo V, onde se lê que os cristãos podem contribuir para o desenvolvimento
"apenas se Deus encontrar lugar também na esfera pública". O Papa faz referência ao
princípio da subsidiariedade, como "antídoto" contra qualquer forma de "assistencialismo
paternalista".
A reforma "urgente" da ONU e da atual arquitetura econômica
e financeira mundial levam o Papa a defender uma nova e verdadeira "autoridade política
mundial".
O sexto e último capítulo é dedicado ao tema do desenvolvimento dos
povos e da técnica, com aviso em relação à ideologias tecnocráticas. Neste contexto,
é referido que "um campo primário e crucial da luta cultural entre o absolutismo da
técnica e a responsabilidade moral do homem é o da bioética".
O Papa encera
sua encíclica com as seguintes palavras: "Que a Virgem Maria (...) nos proteja e obtenha,
com a sua intercessão celeste, a força, a esperança e a alegria necessárias para continuarmos
a dedicar-nos com generosidade ao compromisso de realizar o «desenvolvimento integral
do homem todo e de todos os homens»". (Ecclesia/RL)