2013-02-26 15:12:21

"A última lição do Papa", de Jorge Teixeira da Cunha, da UCP (VP) )


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A renúncia ao ministério petrino do Papa Bento XVI suscitou inúmeros comentários. Ouçamos uma reflexão publicada no semanário da diocese do Porto “Voz Portucalense”: “A última lição do Papa”, da autoria do P.Doutor Jorge Teixeira da Cunha, professor da Universidade Católica Portuguesa. É a rubrica "Sal da Terra, Luz do Mundo - factos e personagens da história da Igreja".

“O gesto inesperado de pedir a exoneração granjeou a Bento XVI um crédito de simpatia por parte de uma grande maioria de crentes e mesmo de não - crentes. De um modo geral, a opção do Papa foi interpretada como um gesto de liberdade em relação ao poder , de humildade e aceitação da velhice, de contributo para o bem da Igreja que necessita de servidores ágeis, num tempo que prefere a performance à própria essência imóvel das coisas. Alguns comentadores não deixaram de assinalar que o gesto manifesta também o sofrimento de alguém que viu por dentro a complexidade da cúria romana (e das outras cúrias) e saiu com alguma amargura por não ser capaz de a reformar.
Mas, se olharmos com atenção, a escolha de Bento XVI faz todo o sentido, tendo em conta a sua biografia e os valores que, mesmo a um olhar superficial, lhe estruturaram a existência. De facto, não devemos esquecer a sua origem germânica, caracterizada por uma certa incapacidade para a transigência própria das gentes do sul, em relação a leis que se fazem e não se cumprem, em relação a uma lentidão segundo a qual as coisas são para se ir fazendo e não para se fazer. O seu alto sentido da instituição eclesial levou-o certamente a sentir-se desconfortável com a incapacidade para levar por diante todas as tarefas da missão papal. Por outro lado, quem conhece a sua obra teológica, não pode deixar de advertir a grande profundidade da sua compreensão do mistério cristão. O seu gesto de abdicar vem do seu temor e tremor diante de Deus. O seu sadio escrúpulo de consciência está visível no pequeno texto de despedida. Parece dizer e admitir , com sinceridade, que outros serão capazes de fazer melhor. E mesmo que não seja verdade, ele fez o que a sua consciência lhe impunha. A nosso ver, é nesta atitude de deposição diante do absoluto que o gesto de Bento XVI é verdadeiramente incisivo, em relação ao estilo com que todos os outros ministros exercem o seu ministério.
Alguns observaram que nada ficará como dantes na compreensão do ministério de Pedro. E talvez seja verdade. O papado deixa de ser um símbolo por si, objectivado numa instituição exterior, positiva. O gesto do Papa Ratzinger mostra aquilo que nunca deveria ter sido esquecido, ou seja, que o que faz um papa ser autêntico não é o aparato visível, o jogo de poder, mas é o seu carisma, a sua personalidade crente, a sua consciência moral. E, neste ponto, as dúvidas de consciência que fizeram resignar Bento XVI falam imensamente mais alto do que as certezas de tantos outros que arvoram a saber como se deve guiar a Barca de Pedro no mar encapelado do tempo que vivemos. Outros dias haverá para a Igreja. A última lição de Ratzinger foi talvez a mais eloquente de todas pela humildade e pela coragem que revela, mesmo no meio da dúvida e da perplexidade que são condições de verdadeiro acto de fé”.

Era um texto do Padre Jorge Teixeira da Cunha, da diocese do Porto, professor de Teologia Moral da Universidade Católica Portuguesa.








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