"A última lição do Papa", de Jorge Teixeira da Cunha, da UCP (VP) )
A renúncia ao
ministério petrino do Papa Bento XVI suscitou inúmeros comentários. Ouçamos uma reflexão
publicada no semanário da diocese do Porto “Voz Portucalense”: “A última lição do
Papa”, da autoria do P.Doutor Jorge Teixeira da Cunha, professor da Universidade Católica
Portuguesa. É a rubrica "Sal da Terra, Luz do Mundo - factos e personagens da história
da Igreja".
“O gesto inesperado de pedir a exoneração granjeou a Bento XVI
um crédito de simpatia por parte de uma grande maioria de crentes e mesmo de não -
crentes. De um modo geral, a opção do Papa foi interpretada como um gesto de liberdade
em relação ao poder , de humildade e aceitação da velhice, de contributo para o bem
da Igreja que necessita de servidores ágeis, num tempo que prefere a performance à
própria essência imóvel das coisas. Alguns comentadores não deixaram de assinalar
que o gesto manifesta também o sofrimento de alguém que viu por dentro a complexidade
da cúria romana (e das outras cúrias) e saiu com alguma amargura por não ser capaz
de a reformar. Mas, se olharmos com atenção, a escolha de Bento XVI faz todo o
sentido, tendo em conta a sua biografia e os valores que, mesmo a um olhar superficial,
lhe estruturaram a existência. De facto, não devemos esquecer a sua origem germânica,
caracterizada por uma certa incapacidade para a transigência própria das gentes do
sul, em relação a leis que se fazem e não se cumprem, em relação a uma lentidão segundo
a qual as coisas são para se ir fazendo e não para se fazer. O seu alto sentido da
instituição eclesial levou-o certamente a sentir-se desconfortável com a incapacidade
para levar por diante todas as tarefas da missão papal. Por outro lado, quem conhece
a sua obra teológica, não pode deixar de advertir a grande profundidade da sua compreensão
do mistério cristão. O seu gesto de abdicar vem do seu temor e tremor diante de Deus.
O seu sadio escrúpulo de consciência está visível no pequeno texto de despedida. Parece
dizer e admitir , com sinceridade, que outros serão capazes de fazer melhor. E mesmo
que não seja verdade, ele fez o que a sua consciência lhe impunha. A nosso ver, é
nesta atitude de deposição diante do absoluto que o gesto de Bento XVI é verdadeiramente
incisivo, em relação ao estilo com que todos os outros ministros exercem o seu ministério. Alguns
observaram que nada ficará como dantes na compreensão do ministério de Pedro. E talvez
seja verdade. O papado deixa de ser um símbolo por si, objectivado numa instituição
exterior, positiva. O gesto do Papa Ratzinger mostra aquilo que nunca deveria ter
sido esquecido, ou seja, que o que faz um papa ser autêntico não é o aparato visível,
o jogo de poder, mas é o seu carisma, a sua personalidade crente, a sua consciência
moral. E, neste ponto, as dúvidas de consciência que fizeram resignar Bento XVI falam
imensamente mais alto do que as certezas de tantos outros que arvoram a saber como
se deve guiar a Barca de Pedro no mar encapelado do tempo que vivemos. Outros dias
haverá para a Igreja. A última lição de Ratzinger foi talvez a mais eloquente de todas
pela humildade e pela coragem que revela, mesmo no meio da dúvida e da perplexidade
que são condições de verdadeiro acto de fé”.
Era um texto do Padre Jorge
Teixeira da Cunha, da diocese do Porto, professor de Teologia Moral da Universidade
Católica Portuguesa.