Como viveu Bento XVI a semana a seguir ao anúncio da sua renúncia do ministério
petrino
Uma semana
não deu para a gente se habituar a ouvir um Papa pedir que se reze pelo sucessor.
Foi impressionante verificar a serenidade e discrição com que Bento XVI se comportou,
na semana do anúncio da sua renúncia ao ministério petrino, nos diferentes encontros
públicos: quarta de manhã, a audiência geral; de tarde, a Missa da imposição das Cinzas;
o tradicional encontro de início da Quaresma com os párocos de Roma, quinta de manhã;
audiências várias, nomeadamente aos Bispos da Lombardia, em visita “ad limina”; domingo
ao meio dia, o Angelus. “Todos perturbados, menos ele”: intitulava um jornal italiano
a reportagem sobre a celebração das Cinzas, no final da qual um longo aplauso coral
ecoou na basílica de São Pedro, da parte dos milhares de participantes, com lágrimas
nos olhos. “Grazie! Voltemos à oração” – foi o único comentário do Papa.
De
manhã, na audiência geral, perante idênticos aplausos, Bento XVI limitara-se a dizer
“obrigado pela vossa amizade”. E confessara ter sentido “quase fisicamente” a força
da oração dos fiéis e do seu amor à Igreja. Evocando a sua renúncia, o Papa reafirmou
ter agido “em plena liberdade, para o bem da Igreja, depois de ter longamente rezado
e ter examinado diante de Deus a minha consciência, bem consciente da gravidade de
tal ato, mas igualmente ciente de já não ser capaz de desempenhar o ministério petrino
com a força que o mesmo exige”.
Na homilia da imposição das Cinzas, Bento
XVI congratulou-se com o facto de este ano, excepcionalmente, a celebração ter lugar
junto do túmulo de São Pedro (e não na basílica de Santa Sabina), alteração exigida
pelo elevado número de participantes, circunstância que convidava a pedir a intercessão
do Apóstolo “para o caminho da Igreja neste momento particular”, renovando a “fé no
Pastor Supremo, Cristo Senhor”. Palavras que faziam eco ao que já dissera de manhã,
na audiência geral, quando aludira à decisão tomada: “Anima-me e ilumina-me a certeza
de que a Igreja é de Cristo, o Qual nunca lhe faltará com a sua orientação e solicitude”.
Esta era aliás uma variante do que dissera, com toda a solenidade, em latim,
na final da declaração de renúncia, segunda-feira, 11 de fevereiro: “Agora confiemos
a Santa Igreja à solicitude do seu Pastor Supremo, nosso Senhor Jesus Cristo”. E acrescentara
a sua vontade de continuar a “servir de todo o coração a Santa Igreja de Deus, com
uma vida consagrada à oração”. Dando início, domingo à tarde, à pregação dos Exercícios
Espirituais ao Papa e à Cúria Romana, o cardeal Ravasi comparou a nova situação de
Bento XVI no futuro próximo com a de Moisés, de braços abertos, em oração, sobre o
monte, enquanto o povo combate na planície. Como observaram vários comentadores a
inédita e corajosa decisão de Bento XVI só foi possível pelo facto de ele ter vivido
estes oito anos de pontificado não como quem exerce um poder a que estivesse apegado
mas simplesmente como quem dá cumprimento à missão recebida de Cristo, através dos
cardeais.
No domingo, maior foi ainda a “normalidade” com que tudo decorreu.
Como sempre Bento XVI comentou o Evangelho do dia, em italiano, saudando no final
em diversas línguas os variados grupos presentes. Perante a multidão ali congregada
(pelo menos 50 mil pessoas) e os insistentes aplausos, o Papa exprimiu simplesmente
o seu “muito obrigado” por este “sinal de afeto e presença espiritual”. Dada a presença
do Presidente da Câmara, com os vereadores, Bento XVI saudou de modo especial “todos
os habitantes desta amada Cidade”.
Grande frenesim nas imediações do Vaticano.
Logo na segunda-feira, 11 de fevereiro, poucas horas após o anúncio do Papa, centenas
ou mesmo milhares de jornalistas começaram a circular nas imediações da Praça de São
Pedro, recolhendo imagens, entrevistando as pessoas, recolhendo notícias. Tentando
fornecer dados concretos e contrastar notícias gratuitas e fantasiosas, Padre Lombardi
desdobrou-se em conferências de imprensa diárias, sempre muito concorridas. Ficou-se
a saber que as obras no pequeno mosteiro do interior do Vaticano tinham começado em
novembro, após a partida da última comunidade de monjas que o tinham ocupado pelo
previsto período de cinco anos. Ali ficarão a viver, com Bento XVI, as leigas consagradas
que o têm acompanhado e servido, assim como também o secretário pessoal, D. Georg
Gänswein. Aguardando a conclusão das obras, prevê-se que fiquem instalados em Castelgandolfo
até ao fim de abril.