Governação, Bem comum e Transições Democratica em África - Carta Pastoral do SCEAM
“Bem aventurados os construtores da paz porque serão chamados filhos de Deus”. (Mt
5,9)
A todos os homens de boa vontade!
Na última década, o Simpósio
das Conferências Episcopais da África e Madagáscar (SCEAM), que reúne Bispos da Igreja
Católica de África, tem acompanhado com atenção diferentes situações políticas através
das muitas eleições que decorreram no continente, tanto ao nível das presidenciais
como das legislativas. Enquanto se verifica uma certa estabilidade política ou pelo
menos mudança democrática em alguns países, constata-se que há ainda muito por fazer
para reforçar a credibilidade dalgumas dessas eleições bem como dos processos que
as regem para promover a paz e a estabilidade no continente. Infelizmente, muitas
eleições degeneraram em confrontações violentas, antes, durante e pouco depois dos
escrutínios. Como se isso não bastasse, certas disputas electorais que se criaram
e não foram resolvidas lançaram sementes para potenciais ondas de violência em círculos
electorais subsequentes. O SCEAM acredita que cada um, incluindo a Igreja, tem
a responsabilidade de contribuir para o bem comum de todos os membros da sociedade.
O Papa João Paulo II determinou bem esse papel da Igreja quando afirmou: " como um
corpo organizado no seio da comunidade e da nação, a Igreja tem o direito e o dever
de participar plenamente na edificação duma sociedade justa e pacífica com todos os
meios à sua disposição".Além disso, ela identifica-se de tal maneira com o povo que
“as alegrias e as esperanças, os sofrimentos e as ansiedades dos homens de hoje,
especialmente dos pobres e dos que são afligidos de alguma maneira, são alegrias
e esperanças, sofrimentos e ansiedades dos sequazes de Cristo”.
Trata-se,
como o confirma o Papa Bento XVI, “duma tarefa essencial da Igreja, de levar a mensagem
do Evangelho ao coração das sociedades africanas, de conduzir as pessoas aos valores
do Evangelho. Como o sal dá sabor aos alimentos, assim também esta mensagem transforma
em autênticas testemunhas aqueles que a vivem. Todos aqueles que crescem desta maneira
tornam-se capazes de se reconciliar em Cristo. Convertem-se em fontes de luz para
os seus Irmãos e Irmãs.
Assim, esta Carta Pastoral pretende ser uma contribuição
da Igreja para a promoção da boa governação e das transições democráticas em África.
Bem consciente da sua neutralidade em relação aos partidos políticos, a Igreja deseja,
humildemente, propor os valores que conduzem à justiça, à liberdade e ao respeito
fundamental da dignidade humana. São valores essenciais à criação duma ordem social
justa. CAPÍTULO I - A MISSÃO PROFÉTICA DA IGREJA A Igreja
é “ o sal da terra” e “ a luz do mundo” Nos últimos cinco anos a Igreja Católica
testemunhou as alegrias e os sofrimentos duma África a caminho. No cumprimento da
sua missão profética, muitas vezes ela tomou iniciativas muito audaciosas para proteger
a dignidade dada por Deus e o desenvolvimento integral de todos os povos do continente,
e a favor da reconcilição, da justiça e da paz.
Continuamente,
o Senhor convida o seu povo e pede-lhe que preste particular atenção aos membros
mais vulneráveis da sociedade tais como: as viúvas , os órfãos, os estrangeiros,
os refugiados e os pobres. Com efeito, Deus diz: “ quero amor e não sacrificios (cerimónia!),
conhecimento de Deus mais do que holocaustos” (Os. 6,6). Esta exortação é muito pertinente
para o nosso tempo onde a maioria dos nossos povos são muito pobres, enquanto que
uns poucos são muito ricos. Não podemos verdadeiramente falar de amor e harmonia
quando existem tantos órfãos e viúvas abandonados sem cuidados por causa da pandemia
do HIV/SIDA e onde tantos desempregados não dispõem do mínimo para a sua sobrevivência.
No juízo final, o Mestre da história revela-nos os resultados do seu inquérito,
pedindo-nos quantas vezes O reconhecemos em carne e osso numa pessoa vulnerável (cf.
Mt. 25, 31-46) A intervenção do SCEAM enquadra-se no âmbito da missão da Igreja
em África que é chamada a ser “o sal da terra” e“a luz do mundo”. No seguimento dos
profetas e dos apóstolos, a Igreja é enviada no mundo para promover o bem comum de
que faz parte a boa governação. É uma condição indispensável para que haja pacíficos
processos de transições democráticas. A visão do SCEAM é a de ver os Africanos atingirem
o valor do evangelho da “vida em abundância”, tal como o proclamou Jesus Cristo, em
nome da sua missão profética e na fidelidade ao Senhor o qual declara: “Eu vim para
que tenham vida e a tenham em abundâcia”. (Jo. 10,10b). Para concretizar este
ideal, a África precisa de homens e mulheres políticos que se comprometam com o serviço
ao povo, especialmente se forem também discípulos de Cristo. É precisamente isto que
pedia a oração fervorosa dos Padres da Primeira Assembleia para a África do Sínodo
dos Bispos (1994): "que surjam em África santos políticos” – homens e mulheres – e
que haja santos Chefes de Estado, que amem profundamente os seus povos e que desejem
mais servir do que serem servidos". Manter a Chama À luz da Palavra de Deus
nós, Bispos africanos, através do SCEAM, estamos preocupados com a situação que se
vive actualmente em África. É nesta óptica que escrevemos a presente Carta Pastoral
dirigida a todos os Africanos, especialmente a vós, líderes na vida pública. As
questões que levantamos foram sublinhadas por muitos teóologos africanos que demonstraram,
em muitos casos, quão pode ser precioso o papel profético da Igreja. Durante
a era do apartheid, os Bispos da África do Sul apoiaram as sansões económicas que
a comunidade internacional tinha imposto ao seu País. Foram apoiados por outas Igrejas,
particularmennte as da Associação Inter-Regional dos Bispos da África Austral (IMBISA).
Muitas Conferências de Bispos sublinharam, com frequência, a importância da democracia
e do compromisso político dos cristãos na vida pública. A Carta Pastoral dos Bispos
dos Camarões nas vésperas das eleições legislativas de 1988, é outro exemplo eloquente
e sem ambiguidade. A Igreja encontra-se no coração de todos os esforços que visam
uma melhor governação. Em muitos Países, durante o delicado período da transição
democrática dos anos 90, a Igreja desempenhou um papel de apoio claramente visível.
Cinco das oito Conferências Nacionais de Transição que foram organizadas durante
esta época, foram presididas por Bispos Católicos. Esta intervenção da Igreja, em
muitos casos, assegurou processos pacíficos de transições democráticas, com sucesso,
através de consultas e diálogos participativos. Nalgumas situações voláteis, muitos
cristãos ajudaram a restabelecer a paz e a reconciliação. A Igreja deve assumir as
suas responsabilidades no dominio socio-politico. Ela deve estar plenamente implicada
na transformação, em profundidade, da nossa sociedade. Ela já tomou posição em áreas
sensíveis como as do petróleo, da madeira e da ecologia. Em África, a Igreja continua
a desempenhar o papel de voz dos que não têm voz, denunciando a corrupção, sendo
observador apolítico de eleições e conselheira dos justiciados sem meios. Em resumo,
a Igreja manteve-se sempre muito atenta e à escuta de tudo quanto afecta no quotidiano
a vida política, económica e social do seu povo e deseja tudo fazer para manter a
chama.
CAPÍTULO II - BOA GOVERNAÇÃO EM ÁFRICA O Ponto de situação
Registaram-se
progressos em África, em particular nos casos em que testemunhámos uma certa melhoria
na vida dos pobres, aumento de níveis de escolarização, mobilização da população na
luta contra certas doenças endémicas tais como o HIV/SIDA e a malária, o claro declínio
de certas doenças como a poliomielite. Em termos de gestão de recursos naturais, apreciamos
as medidas que alguns Estados africanos tomaram no sentido de se tornarem mais transparentes
no que diz respeito aos lucros provenientes desses recursos. Apesar de tudo, a
África continua a ser um continente pobre. A abundante riqueza em recursos naturais
está em notório contraste com a pobreza extrema da maioria da população africana.
Muitos países africanos são produtores de petróleo e doutros minerais, mas não conseguiram
investir os recursos nos sectores produtivos para melhor a qualidade de vida dos seus
povos.A África continua a ser a cobaia das multinacionais estrangeiras. Estas continuam
a pilhar os recursos do continente e, nalguns casos, chegam a evadir-se do sistema
de taxas tanto em países africanos como nos seus próprios países de origem, pondo
fora do control fiscal os lucros das suas actividades, privando, assim, as comunidades
locais dos recursos que lhes caberiam de direito.
Cinquenta anos depois das independências, as economias de muitos países africanos
continuam fracas. Alguns líderes tornaram-se cúmplices de interesses estrangeiros.
Outros apenas se preocupam por assegurar o próprio conforto material pessoal em detrimento
do bem comum da sociedade.
Mais do que cinquenta anos
após as independência, o continente sofre ainda de violência sem fim. Grupos armados
ilegais continuam a ameaçar a segurança do povo e dos seus bens e a causar crises
tais como as deslocações massivas das populações.
Em
muitos países africanos, o mercado de trabalho torna-se muito reduzido. O drama da
migração, com o número crescente de jovens que arriscam suas vidas para deixar a
África, reflecte a profundidade do mal-estar que se vive num Continente que continua
a não conseguir prouver as condições favoráveis de desenvolvimento dos seus filhos
e filhas.
A situação das mulheres é outra causa de preocupação.
É convicção do SCEAM que os homens e as mulheres têm a mesma dignidade na sua humanidade
diante de Deus pois, ambos foram criados à imagem e semelhança de Deus (Gen. 1,26).
É por isso que devemos velar para que todos tenham a possibilidade de desempenhar
o seu "o seu papel específico na Igreja e na sociedade em geral ".
Conversão à Boa Governação
Até fins dos anos 80, a governação democrática estava ainda longe de se
realizar em África. Em muitos países, tal facto devia-se, principalmente, à ausência
de coordenação e de cooperação entre os diferentes actores. Hoje, o diálogo entre
o Estado e as comunidades locais é ainda fraco. Existem oportunidades limitadas para
a participação efectiva das comunidades locais nos processos e mecanismos de decisão.
Por esta razão, a acção pública continua igualmente fraca, porque a sociedade civil
é ainda, muitas vezes, vista como um rival politizado!
É por esta razão que os Padres Sinodais, em 2009, apelaram aos cristãos para se envolverem
nos processos políticos e, assim, levarem para a arena política sólidos valores cristãos:
honestidade, inclusão, tolerância, desejo de servir, etc. Contudo, mesmo os cristãos
precisam de estar em constante conversão do coração tal como o recordou Sua Santidade
o Papa Bento XVI: “Cristo chama constantemente à metanoia, à conversão”
Preencher o deficit da governação é estabelecer uma parceria dinâmica
e funcional entre os vários actores sociais para melhorar a transparência, a eficiência
e a eficácia da acção política e as decisões dos gestores dos bens públicos. É, portanto,
importante afastar-se do Estado "omnisciente" e "omnipotente" para um Estado que
procura facilitar um espaço público em favor das interacções positivas dos seus cidadãos,
de tal modo que haja apenas uma sociedade para todos.
Uma mudança de comportamento, do modo de administração e da gestão dos recursos pode
permitir à África de se levantar e estar em condições de ser autónoma conforme a
exortação dos Padres da Segunda Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos.
A boa governação não deve ser considerada apenas dum ponto de vista técnico mas também
ético para uma mudança de política. Isto requer uma mudança no comportamento, na atitude
e na mentalidade. Ela exige uma verdadeira orientação para o cuidado do bem comum.
O cuidado do Bem comum
O Papa João XXIII definiu o Bem comum como "a totalidade das condições
sociais que permitem às pessoas, tanto como grupos ou indivíduos, atingir a sua realização
de plena e mais facilmente ." Para a Igreja, o principio do bem comum requer
que todas as estruturas, sistemas e processos sociais, políticos, económicos e culturais,
sejam acessíveis a todos. Além disso, o princípio exige que, mesmo os que estão
marginalizados na sociedade não sejam abandonados; daí a opção preferencial da Igreja
pelos pobres como esforço consciente para corrigir os erros morais, as falhas e as
insuficiências das nossas instituições sociais, das nossas culturas e dos nossos sistemas.
A opção pelos pobres inspira-se nos valores evangélicos e de identificação com a
vocação de Jesus como “Aquele que traz a boa nova aos pobres … e proclama o ano do
Jubileu de Deus” (Lc 4,16-19). O SCEAM reitera o que o Papa Bento XVI disse quando
afirmou: "no plano social, a consciência humana é interpelada pelas graves injustiças
presentes no nosso mundo em geral, e no seio da África em particular. O açambarcamento
dos bens da terra por uma minoria em detrimento de povos inteiros é inaceitável porque
imoral. A justiça obriga a dar o seu a seu dono – ius suum inicuique tribuere”.
A eficácia do bem comum requer uma mudança de comportamento, o respeito dos valores
da caridade e da justiça, pois não é um Bem que é para si mesmo como acontece numa
operação comercial, mas sim para o Povo que faz parte da comunidade. Isto pressupõe
uma reforma institucional e orgânica para estimular a uma mudança de comportamento
económico onde a pessoa humana não se reduz a mero valor económico. Trata-se de
implementar condições que dão a todos e a cada um a possibilidade para satisfazer
as suas próprias necessidades básicas em mútuo respeito com a prioridade dos seus
interesses públicos.
O principio do Bem Comum convida
a todos nós para aderir à noção dos "bens comuns" ou dos serviços globais que nenhum
País pode produzir por si próprio tais como: o meio ambiente, a saúde, o conhecimento,
a informação, a Paz e a segurança. Isto lembra-nos algumas áreas do princípio do destino
universal dos bens da Terra de acordo com a Doutrina Social da Igreja que diz: "Deus
criou a Terra e tudo quanto contém para o uso de todos os Homens e de todo o Povo
de tal modo que tais bens da Criação possam circular de igual modo nas mãos de todos
de acordo com o que manda a justiça que é inseparável da caridade." O principio
do Bem Comum mostra que a Terra é um dom de Deus dado a toda a Humanidade e deveria
ser usado de igual modo e de forma ajuizada. A África deve a si própria o dever
de aplicar este princípio duma gestão racional, responsável e zelosa dos seus recursos
naturais, definindo planos legais e bem estruturados que possam garantir a vida
das gerações presentes e futuras assim como seus direitos em relação a esses mesmos
bens.
É neste sentido que o SCEAM apela aos Líderes
africanos para desenvolverem uma visão que possa mobilizar a África, orientada
pela promoção do Bem Comum, orgulhosa pela sua própria soberania e decididamente virada
para a sua unidade. Dependerá então dos Líderes públicos considerar a acção política
como abertura e diálogo requeridos para criar ou reforçar a coesão social. Isto significa
que a participação, sem discriminação, dos cidadãos na definição e na implementação
dum pacto social que traduz a vontade popular, garante a estabilidade e o melhoramento
das condições de vida para todos, e promove a justiça e a equidade. Eles deveriam,
portanto, ser assistidos por intelectuais, economistas, pelo sector privado e todos
os outros parceiros da África, dando cada um a sua contribuição de acordo com o seu
domínio de especialização e no respeito mútuo. Agindo deste modo, os filhos e as filhas
da Igreja não se esqueçam de iluminar as suas decisões pela verdade do Evangelho.
A desgraça da Corrupção
O desenvolvimento dos nossos países está fortemente hipotecado pela corrupção.
Esta transformou-se num cancro em quase todos os países africanos e afecta sectores
vitais tais como o modelo económico, a administração quotidiana, o mercado do trabalho,
a saúde, a educação e o sistema judicial. Estamos ao par de que muitos governos consciência
deste problema e estão a fazer esforços para combater esta desgraça. Infelizmente,
o interesse pessoal e a procura desenfreada de ganhos tornaram-se mais fortes do que
o sentido do bem comum.
A mensagem do SCEAM funda-se
sobre o que o profeta Miqueias menciona quando diz: “Ó homem, já te foi explicado
o que é bom e o que Javé exige de ti: praticar a justiça, amar a misericórdia, caminhar
humildemente com o teu Deus” (Miq. 6,8). Estas palavras mostram que a justiça é uma
das prioridades de Deus para com o seu povo. Tais palavras foram dirigidas ao Povo
de Judá, onde a cobiça (Miq. 3,1-4), a desonestidade (Miq. 6,10-11) e a corrupção
(Miq. 7,2-4) estavam na ordem do dia. Era uma situação em que o pobre acabava sendo
explorado pelo rico e pelo poderoso. Por isso Deus pede para que a justiça possa prevalecer.
É um pedido que continuou a ecoar através dos outros profetas do Antigo Testamento
tais como Isaías (58,1-12) e Amós (5,21-24).
A justiça
que os profetas pedem não é abstracta; é feita de acções muito práticas e reais
que asseguram a protecção do fraco contra os abusos, que faz com que os pobres tenham
o que precisam e que cuida dos que se encontram socialmente sem vantagens. Esta
justiça significa dar a cada um o que Deus preparou para ele sem nenhuma distinção.
O SCEAM encoraja os Líderes africanos e a população em geral a manter a integridade,
a honestidade e a sinceridade em todos os seus empreendimentos. A honestidade é considerada
pela Bíblia como um valor muito importante: “Falai verdade uns aos outros; julgai
com integridade nos vossos tribunais, não trameis o mal contra o próximo; não ameis
o falso testemunho. Pois Eu odeio todas estas coisas – oráculo de Javé.” (Zac. 8,16-17).
A decepção pode-se manifestar através de falsos testemunhos, meias verdades ou mentiras.
Tudo isso é tão comum na publicidade, em negócios, na política e na vida quotidiana.
Devemos condenar e evitar de todas as maneiras tudo isso. A sinceridade vai a par
e passo com a honestidade, caso contrário corremos o risco de cairmos na hipocrisia
que Jesus não suportou (cf. Mt 23, 1-11). O SCEAM acredita que a “a justiça faz
uma nação prosperar, mas o pecado empobrece os povos” (Prov. 14,34). Não podemos esperar
que Deus possa abençoar o nosso continente e as pessoas que nele residem, enquanto
a integridade não for considerada como um valor fundamental em todas as nações africanas.
CAPÍTULO III TRANSIÇÕES PACÍFICAS E DEMOCRÁTICAS
Dum Sistema Mono-Partidário à Democracia Multi-partidária
O cenário político em África deveria criar novas oportunidades de transições.
Sua Santidade o Papa Bento XVI afirma que as“... eleições representam uma plataforma
para a expressão das decisões políticas dum povo e são um sinal da legitimidade ao
exercício do poder. Elas providenciam uma oportunidade privilegiada para um debate
politico público sereno e saudável, marcado pelo respeito pelas diferentes opiniões
e diferentes agrupamentos políticos “. O Papa encoraja,assim, os Líderes políticos
a respeitar os resultados de todas as eleições credíveis. Eleições credíveis podem,
então,transformar-se em processos que criam a paz e a harmonia em todos os países.
A Igreja está ciente do papel-chave que as eleições credíveis podem
desempenhar na edificação da nação. Onde faltar uma oportunidade que possa levar
a uma real transição democratica, teremos simplesmente um governo repressivo a substituir
outro. Aos poucos a situação torna-se incontrolável. Nós consideramos que nosso papel,
enquanto Igreja, é o de facilitar o diálogo, a participação de todos, e a reconciliação
em caso de disputas.
Um dos maiores princípios universais
da Governação democrática é que os os governantes são nomeados pelo povo e devem prestar
contas a ele. Por outras palavras, o povo deve ter a possibilidade de eleger um governo
de sua escolha. A democracia é, pois, um governo pelo povo, para o povo e com o povo.
Alegramo-nos por ver que a era das ditaduras dos mono-partidarismos está
a dar lugar à democracia, mesmo se existe ainda alguma nostalgia por parte daqueles
que não são capazes de pôr o passdo completamente atrás deles. Com o abandono do sistema
mono-partidário nasceu muita esperança para a realização de eleições multi-partidárias,
um fenómeno que reforçou a cultura da mudança em muitos Estados africanos. Infelizmente,
por altura de cada eleição nascem momentos muito perigosos em África, com um crescente
risco social de perturbações sociais ou mesmo de guerra civil. O desejo de permanecer
no poder tornou precárias as constituições, que são mudadas de acordo com a vontade
dos que estão no poder, com a finalidade de preservar os interesses egoistas de alguns
governantes. Manobras políticas estão na ordem do dia um pouco por toda a parte, para
impedir a mudança, para perpetuar a posse do poder dum partido político, duma pessoa
ou duma família.
Alegramo-nos também porque
testemunhamos uma certa calmia nalgumas áreas de conflito tais como o fim da guerra
em Sudão e continuamos a rezar para que a recente independência do Sul do Sudão
possa trazer paz neste novo País e na sub-região. Por outro lado, entristece-nos o
facto de que a região dos Grandes Lagos (nomeadamente o Burundi, a República Democrática
do Congo e o Rwanda), ainda esteja em turbulência: exortamos os partidos em conflito
para parar a guerra e começar o diálogo sobre a situação da provincia do Kivu. Notamos
igualmente que a Paz está a voltar pouco a pouco na África Central, com a esperança
de que os grupos ilegalmente armados venham a parar com as suas atrocidades e que
um diálogo aberto e inclusivo seja organizado a todos os níveis para uma verdadeira
reconciliação que ter em consideração a cura dos traumatizados. A África Ocidental
que experimentou uma série de conflitos violentos internos no passado pode ora rejubilar
por causa do regresso gradual para a estabilidade. Pelo contrário, estamos profundamente
preocupados com a situação na Nigéria e no Mali. Nutrimos uma grande esperança de
mudança democrática pacífica que possa vir a ser o resultado da Primavera Árabe
no Norte de África. É nossa oração e esperança que a Paz possa regressar para o Corno
de África, nesses Países tais como a Somália, a Etiópia e a Eritrea. Insistimos,
portanto, sobre a necessidade de todos os países africanos adoptarem princípios democráticos
e de boa governação que conduzam a uma verdadeira justiça , à paz e à reconciliação.
Condições para Transições
Pacíficas e Democráticas
A Transição democrática
é o processo politico que permite a um Estado evoluir para uma nova ordem politica,
que é legitimamente fundada sobre um processo eleitoral livre e transparente e baseado
no respeito pelos principios democráticos.
A falta
de espaço democrático e o desprezo dos Direitos Humanos tornaram-se terra fértil
para crises e manifestações políticas. A recusa duma mudança politica para a maioria
de regimes no poder complica a procura do estabelecimento duma democracia que responda
às aspirações dos povos. O verdadeiro amor pela terra mãe e pelo nosso Continente
devem forçar-nos a preferir uma gestão transparente e responsável do poder e de passar
tal poder tranquilamente. Isto pressupõe estricto respeito das constituições democráticas
nacionais.
Talvez chegou o tempo para a África inventar modelos de governação
que respondam realmente às nossas necessidades, se enquadrem nos nossos contextos
e se inspirem também nos sistemas e estruturas de governação tradicionais africanos.
As sociedades africanas devem começar a empenhar-se nesta reflecção para desenvolver
uma visão hoolistica que pode servir melhor as transições e consolidar a experiência
democrática. O ponto de partida é o regresso ao significado original da democracia,
isto é, uma forma de governo que tenha o povo como soberano. É para o seu próprio
bem que o povo confia o seu poder aos governantes para garantir o respeito pela vontade
geral e gerir os recuros do País para beneficio de todos. Ter em conta esta visão
fundamental da democracia no exercício do poder e do espaço politico permitirá o lançamento
das bases duma estabilidade real que não depende do poder das armas, mas dum pacto
social concordado. CAPÍTULO IV A ÁFRICA NAS NOSSAS MÃOS
A
Importância da Sociedade Civil
O destino
do Continente africano depende do nosso compromisso comum em fazer com que a governação
eonómica e política promova o bem comum num contexto favorável a uma transição pacífica
do poder. Neste sentido, a Igreja convida a Sociedade Civil, os Líderes africanos,
todos os povos de África e todos os parceiros e amigos do Continente a se unirem
para um novo começo.
A vós, Organizaões da Sociedade
Civil, o SCEAM reitera a importância da voz alternativa que vós representais para
promover o surgimento duma Boa Governação, o respeito pelo Bem Comum e pelas transições
democráticas no Continente. Nós encorajamo-vos a aumentar a vigilância no respeito
e na promoção dos Direitos Humanos e da gestão dos nossos recursos humanos e naturais.
Convidamo-vos a reforçar a educação cívica das populações para que se transformem
em agentes da mudança na definição e na implementação das decisões que afectam a sua
existência. Sede mais proactivos para impedir que os conflitos degenerem em violência.
Para tal, o SCEAM recomenda-vos a escolha do diálogo em vez da confrontação para que
possais desempenhar o vosso papel no respeito da legitimidade e que as vossas actividades
se baseiem sobre o interesse do bem comum, recusando a instrumentalização dos partidos
políticos.
Um apelo aos Líderes
Políticos e aos Governantes
Na sua Mensagem
Final, a Segunda Assembléia Especial para a África do Sínodo dos Bispos notou que
a África é rica em recursos humanos e naturais mas "grande parte do seu povo ainda
continua a padecer na pobreza e na miséria, em guerras e conflitos, em crises e
caos. Estes são muito raramente causados por calamidades naturais. Pelo contrário,
muitas vezes são devidos a decisões e actividades humanas de pessoas que não têm nenhum
respeito pelo bem comum…".
O SCEAM urge a vós, Líderes
políticos africanos, para fazerdes da erradicação da pobreza uma prioridade, usando
os lucros dos recursos naturais do subsolo do Continente, tais como a terra e as
florestas, ao serviço do desenvolvimento dos vossos Países em beneficio de toda a
nação e de todos os seus cidadãos. Pedimo-vos, veementemente, não negligenciar e comprometer
a luta contra a corrupção, pois, esta é o cancro que destrói as nossas nações. Aqueles
que são corruptos devem enfrentar medidas estrictas e disciplinares largamente conhecidas
pelo povo de modo que ninguém se permita cometer tais crimes impunemente. Exortamos
os governos a reflectirem profundamente sobre a questão das eleições recordando-se
que estas devem ser livres, credíveis, transparentes e pacíficas. Acima de tudo,
a prioridade deve ser dada à promoção do bem comum em todo o tempo e lugar.
Construir a União Africana
"Uma mão sozinha não pode amarrar um pacote", diz um provérbio africano. Hoje em dia
é imperativo para o continente africano reforçar a sua unidade. Nesse sentido, reconhecemos
e encorajamos os esforços da União Africana que é o resultado da vontade dos Chefes
de Estado de estabelecer um processo de integração política que assegure o desenvolvimento
social do Continente e conduza à promoção da democracia e dos Direitos Humanos. Que
ela se equipe progressivamente com várias Instituições. Seja como for, gostaríamos
de sublinhar que as Instituições Continentais devem permitir a cada um de se exprimir
e descobrir os desafios do desenvolmento integral do nosso Continente. A esse respeito,
o SCEAM está mais do que disponível a oferecer os seus conselhos e serviços.
O SCEAM convida todos os povos africanos a adoptar um novo olhar sobre
o estrangeiro que permanece um irmão ou uma irmã para além das fronteiras de estado,
políticas, tribais ou religiosas. Cada cidadão é convidado a participar nas consultas
que têm lugar na sua própria sociedade. A prática democrática deve prevalecer em todo
o tempo. Os cidadãos devem assegurar que a prática democrática não esteja comprometida
de nenhuma maneira.
Finalmente, apelamos às Universidades e Instituições
Católicas, aos teólogos, aos grupos e associações de profissionais e de pesquisadores
interdisciplinares para fazerem reflecções sobre as causas das injustiças e da violência
tanto a nível local como a nível internacional. Vos exortamos a fazer da formação
permanente a ponta de lança dos vossos programas ao serviço de todos os católicos
a fim de que , pela sua formação e seu testemunho, se tornem laboratórios a partir
dos quais serão alimentados a democracia, os direitos humanos e a boa governação.
É a isto que apela a Áfricae Munus.
CONCLUSÃO O NOSSO TESTEMUNHO
COMO CRISTÃOS
Carissimos irmãos e irmãs, o
SCEAM reitera a vontade da Igreja em África que consiste em tornar a missão da evangelização
mais eficaz a fim de que os cristãos possam tornar-se defensores credíveis da busca
e da prática da boa governação. A Igreja compromete-se com a intensificação do
ministério pastoral para os actores socio-políticos através de programas de formação
espiritual e ética, de capelanias especializadas para as Instituições públicas, de
grupos de reflexão e de ligação com os diversos organismos administrativos e políticos
a todos os níveis: local, nacional, regional e continental.
A Igreja compromete-se a reforçar as capacidades dos seus cidadãos para lhes permitir
monitorizar os processos de tomada de decisão e de mudança, especialmente as eleições
e as transições democráticas. Nesta perspectiva , ela tem à sua disposição a Doutrina
Social da Igreja, de que assegurará a distribuição de maneira sistemática sobre o
continente através da revitalização da catequese, dos movimentos, das Comunidades
Eclesiais de Base e dos seus instituições educativas.
Pedimos aos nossos Líderes políticos o favor de implementar na totalidade os Tratados
e convenções regionais que eles ratificaram e concordaram com outros Estados membros
tais como a Carta Africana sobre a Democracia, as Eleições e a Boa Governação.
A Igreja está a armazenar as lições que aprendeu e as Boas Práticas que
podem vir a ser usadas para reforçar o seu papel na promoção da participação activa
das suas Comissões de Justiça e Paz bem como das outras estruturas da Igreja na promoção
de eleições pacíficas, transparentes e credíveis.
O SCEAM acredita que Deus nos acompanha, nos ama e há-de salvar-nos. Por isso, exorta-nos
a ser mais fiéis na oração. Como Igreja em África, precisamos de rezar sem cessar
para a restauração do nosso continente.
Não basta
falar de princípios, afirmar intenções e sublinhar injustiças; estas palavras não
terão sentido ou peso real se não são acompanhadas por uma maior tomada de consciência
da responsabilidade pessoal e por uma acção eficaz de todos. É muito fácil deitar
sobre os outros a responsibilidade da injustiça, se não nos dermos conta de que todos
estamos nela implicados. É por isso que a conversão pessoal é, antes de mais, necessária.
A esperança do cristão numa sociedade melhor, provém, primariamente, do facto de sabermos
que o Senhor Jesus Cristo trabalha connosco no mundo.
Mostremo-nos
exemplares de maneira que possamos definir o modelo para avançar na fé. “Bem-aventurados
os que têm fome e sede de justiça porque serão saciados” (Mt. 5,6). Quando trabalhamos
juntos para o Bem Comum contribuímos para e edficação do Reino de justiça, de respeito
pela dignidade das pessoas e dos seus direitos, um Reino de verdade, de unidade, de
perdão, de tolerância política, de serviço, de eleições livres e credíveis, de boa
ética nacional, de bons mídia, de solidariedade, de paz e de boa gestão da criação
de Deus.
Sua Santidade o Papa Bento XIV diz: “ Incumbe
à Igreja esforçar-se para que cada povo possa ser o agente principal do seu próprio
progresso economico e social... e possa ajudar a respeitar o bem comum universal
como membro activo e responsável da família humana...’.
O Senhor abençoe e proteja África. É tempo para que a África Se Levante e trabalhe
seriamente para o seu melhor futuro e possa caminhar juntamente com os outros continentes.
Santa Maria , Mãe de de Deus, Protectora da África,
Vós destes ao mundo a verdadeira Luz, Jesus Cristo. Pela Vossa obediência ao Pai e
pela graça do Espírito Santo nos destes a fonte da nossa reconciliação e da nossa
justiça, Jesus Cristo, nossa paz e nossa alegria. Mãe, cheia de Misericórdia e de
Justiça, pela Vossa docilidade ao Espírito, o Consolador, obtende-nos a graça de
sermos testemunhas do Senhor Ressuscitado, a fim de que nos tornarmos sempre o sal
da terra e luz do mundo.
“Glória a Deus nas alturas e na terra paz aos
homens por Ele amados!”(Lc. 2,14)
Accra, Ghana, Fevereiro de 2013
Polycarp
Cardeal PENGO, Arcebispo de Dar- Es- Salaam ePresidente do SCEAM