2013-02-19 16:06:52

Governação, Bem comum e Transições Democratica em África - Carta Pastoral do SCEAM


“Bem aventurados os construtores da paz porque serão chamados filhos de Deus”. (Mt 5,9)

A todos os homens de boa vontade!

Na última década, o Simpósio das Conferências Episcopais da África e Madagáscar (SCEAM), que reúne Bispos da Igreja Católica de África, tem acompanhado com atenção diferentes situações políticas através das muitas eleições que decorreram no continente, tanto ao nível das presidenciais como das legislativas. Enquanto se verifica uma certa estabilidade política ou pelo menos mudança democrática em alguns países, constata-se que há ainda muito por fazer para reforçar a credibilidade dalgumas dessas eleições bem como dos processos que as regem para promover a paz e a estabilidade no continente. Infelizmente, muitas eleições degeneraram em confrontações violentas, antes, durante e pouco depois dos escrutínios. Como se isso não bastasse, certas disputas electorais que se criaram e não foram resolvidas lançaram sementes para potenciais ondas de violência em círculos electorais subsequentes.
O SCEAM acredita que cada um, incluindo a Igreja, tem a responsabilidade de contribuir para o bem comum de todos os membros da sociedade. O Papa João Paulo II determinou bem esse papel da Igreja quando afirmou: " como um corpo organizado no seio da comunidade e da nação, a Igreja tem o direito e o dever de participar plenamente na edificação duma sociedade justa e pacífica com todos os meios à sua disposição".Além disso, ela identifica-se de tal maneira com o povo que “as alegrias e as esperanças, os sofrimentos e as ansiedades dos homens de hoje, especialmente dos pobres e dos que são afligidos de alguma maneira, são alegrias e esperanças, sofrimentos e ansiedades dos sequazes de Cristo”.

Trata-se, como o confirma o Papa Bento XVI, “duma tarefa essencial da Igreja, de levar a mensagem do Evangelho ao coração das sociedades africanas, de conduzir as pessoas aos valores do Evangelho. Como o sal dá sabor aos alimentos, assim também esta mensagem transforma em autênticas testemunhas aqueles que a vivem. Todos aqueles que crescem desta maneira tornam-se capazes de se reconciliar em Cristo. Convertem-se em fontes de luz para os seus Irmãos e Irmãs.

Assim, esta Carta Pastoral pretende ser uma contribuição da Igreja para a promoção da boa governação e das transições democráticas em África. Bem consciente da sua neutralidade em relação aos partidos políticos, a Igreja deseja, humildemente, propor os valores que conduzem à justiça, à liberdade e ao respeito fundamental da dignidade humana. São valores essenciais à criação duma ordem social justa.
CAPÍTULO I - A MISSÃO PROFÉTICA DA IGREJA

      A Igreja é “ o sal da terra” e “ a luz do mundo”
      Nos últimos cinco anos a Igreja Católica testemunhou as alegrias e os sofrimentos duma África a caminho. No cumprimento da sua missão profética, muitas vezes ela tomou iniciativas muito audaciosas para proteger a dignidade dada por Deus e o desenvolvimento integral de todos os povos do continente, e a favor da reconcilição, da justiça e da paz.


Continuamente, o Senhor convida o seu povo e pede-lhe que preste particular atenção aos membros mais vulneráveis da sociedade tais como: as viúvas , os órfãos, os estrangeiros, os refugiados e os pobres. Com efeito, Deus diz: “ quero amor e não sacrificios (cerimónia!), conhecimento de Deus mais do que holocaustos” (Os. 6,6). Esta exortação é muito pertinente para o nosso tempo onde a maioria dos nossos povos são muito pobres, enquanto que uns poucos são muito ricos. Não podemos verdadeiramente falar de amor e harmonia quando existem tantos órfãos e viúvas abandonados sem cuidados por causa da pandemia do HIV/SIDA e onde tantos desempregados não dispõem do mínimo para a sua sobrevivência. No juízo final, o Mestre da história revela-nos os resultados do seu inquérito, pedindo-nos quantas vezes O reconhecemos em carne e osso numa pessoa vulnerável (cf. Mt. 25, 31-46)
A intervenção do SCEAM enquadra-se no âmbito da missão da Igreja em África que é chamada a ser “o sal da terra” e“a luz do mundo”. No seguimento dos profetas e dos apóstolos, a Igreja é enviada no mundo para promover o bem comum de que faz parte a boa governação. É uma condição indispensável para que haja pacíficos processos de transições democráticas. A visão do SCEAM é a de ver os Africanos atingirem o valor do evangelho da “vida em abundância”, tal como o proclamou Jesus Cristo, em nome da sua missão profética e na fidelidade ao Senhor o qual declara: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundâcia”. (Jo. 10,10b).
Para concretizar este ideal, a África precisa de homens e mulheres políticos que se comprometam com o serviço ao povo, especialmente se forem também discípulos de Cristo. É precisamente isto que pedia a oração fervorosa dos Padres da Primeira Assembleia para a África do Sínodo dos Bispos (1994): "que surjam em África santos políticos” – homens e mulheres – e que haja santos Chefes de Estado, que amem profundamente os seus povos e que desejem mais servir do que serem servidos".
Manter a Chama
À luz da Palavra de Deus nós, Bispos africanos, através do SCEAM, estamos preocupados com a situação que se vive actualmente em África. É nesta óptica que escrevemos a presente Carta Pastoral dirigida a todos os Africanos, especialmente a vós, líderes na vida pública. As questões que levantamos foram sublinhadas por muitos teóologos africanos que demonstraram, em muitos casos, quão pode ser precioso o papel profético da Igreja.
Durante a era do apartheid, os Bispos da África do Sul apoiaram as sansões económicas que a comunidade internacional tinha imposto ao seu País. Foram apoiados por outas Igrejas, particularmennte as da Associação Inter-Regional dos Bispos da África Austral (IMBISA). Muitas Conferências de Bispos sublinharam, com frequência, a importância da democracia e do compromisso político dos cristãos na vida pública. A Carta Pastoral dos Bispos dos Camarões nas vésperas das eleições legislativas de 1988, é outro exemplo eloquente e sem ambiguidade.
A Igreja encontra-se no coração de todos os esforços que visam uma melhor governação. Em muitos Países, durante o delicado período da transição democrática dos anos 90, a Igreja desempenhou um papel de apoio claramente visível. Cinco das oito Conferências Nacionais de Transição que foram organizadas durante esta época, foram presididas por Bispos Católicos. Esta intervenção da Igreja, em muitos casos, assegurou processos pacíficos de transições democráticas, com sucesso, através de consultas e diálogos participativos. Nalgumas situações voláteis, muitos cristãos ajudaram a restabelecer a paz e a reconciliação. A Igreja deve assumir as suas responsabilidades no dominio socio-politico. Ela deve estar plenamente implicada na transformação, em profundidade, da nossa sociedade. Ela já tomou posição em áreas sensíveis como as do petróleo, da madeira e da ecologia.
Em África, a Igreja continua a desempenhar o papel de voz dos que não têm voz, denunciando a corrupção, sendo observador apolítico de eleições e conselheira dos justiciados sem meios. Em resumo, a Igreja manteve-se sempre muito atenta e à escuta de tudo quanto afecta no quotidiano a vida política, económica e social do seu povo e deseja tudo fazer para manter a chama.

CAPÍTULO II - BOA GOVERNAÇÃO EM ÁFRICA
O Ponto de situação

    Registaram-se progressos em África, em particular nos casos em que testemunhámos uma certa melhoria na vida dos pobres, aumento de níveis de escolarização, mobilização da população na luta contra certas doenças endémicas tais como o HIV/SIDA e a malária, o claro declínio de certas doenças como a poliomielite. Em termos de gestão de recursos naturais, apreciamos as medidas que alguns Estados africanos tomaram no sentido de se tornarem mais transparentes no que diz respeito aos lucros provenientes desses recursos.
    Apesar de tudo, a África continua a ser um continente pobre. A abundante riqueza em recursos naturais está em notório contraste com a pobreza extrema da maioria da população africana. Muitos países africanos são produtores de petróleo e doutros minerais, mas não conseguiram investir os recursos nos sectores produtivos para melhor a qualidade de vida dos seus povos.A África continua a ser a cobaia das multinacionais estrangeiras. Estas continuam a pilhar os recursos do continente e, nalguns casos, chegam a evadir-se do sistema de taxas tanto em países africanos como nos seus próprios países de origem, pondo fora do control fiscal os lucros das suas actividades, privando, assim, as comunidades locais dos recursos que lhes caberiam de direito.


    Cinquenta anos depois das independências, as economias de muitos países africanos continuam fracas. Alguns líderes tornaram-se cúmplices de interesses estrangeiros. Outros apenas se preocupam por assegurar o próprio conforto material pessoal em detrimento do bem comum da sociedade.


    Mais do que cinquenta anos após as independência, o continente sofre ainda de violência sem fim. Grupos armados ilegais continuam a ameaçar a segurança do povo e dos seus bens e a causar crises tais como as deslocações massivas das populações.


    Em muitos países africanos, o mercado de trabalho torna-se muito reduzido. O drama da migração, com o número crescente de jovens que arriscam suas vidas para deixar a África, reflecte a profundidade do mal-estar que se vive num Continente que continua a não conseguir prouver as condições favoráveis de desenvolvimento dos seus filhos e filhas.


    A situação das mulheres é outra causa de preocupação. É convicção do SCEAM que os homens e as mulheres têm a mesma dignidade na sua humanidade diante de Deus pois, ambos foram criados à imagem e semelhança de Deus (Gen. 1,26). É por isso que devemos velar para que todos tenham a possibilidade de desempenhar o seu "o seu papel específico na Igreja e na sociedade em geral ".



      Conversão à Boa Governação




    Até fins dos anos 80, a governação democrática estava ainda longe de se realizar em África. Em muitos países, tal facto devia-se, principalmente, à ausência de coordenação e de cooperação entre os diferentes actores. Hoje, o diálogo entre o Estado e as comunidades locais é ainda fraco. Existem oportunidades limitadas para a participação efectiva das comunidades locais nos processos e mecanismos de decisão. Por esta razão, a acção pública continua igualmente fraca, porque a sociedade civil é ainda, muitas vezes, vista como um rival politizado!


    É por esta razão que os Padres Sinodais, em 2009, apelaram aos cristãos para se envolverem nos processos políticos e, assim, levarem para a arena política sólidos valores cristãos: honestidade, inclusão, tolerância, desejo de servir, etc. Contudo, mesmo os cristãos precisam de estar em constante conversão do coração tal como o recordou Sua Santidade o Papa Bento XVI: “Cristo chama constantemente à metanoia, à conversão”


    Preencher o deficit da governação é estabelecer uma parceria dinâmica e funcional entre os vários actores sociais para melhorar a transparência, a eficiência e a eficácia da acção política e as decisões dos gestores dos bens públicos. É, portanto, importante afastar-se do Estado "omnisciente" e "omnipotente" para um Estado que procura facilitar um espaço público em favor das interacções positivas dos seus cidadãos, de tal modo que haja apenas uma sociedade para todos.


    Uma mudança de comportamento, do modo de administração e da gestão dos recursos pode permitir à África de se levantar e estar em condições de ser autónoma conforme a exortação dos Padres da Segunda Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos. A boa governação não deve ser considerada apenas dum ponto de vista técnico mas também ético para uma mudança de política. Isto requer uma mudança no comportamento, na atitude e na mentalidade. Ela exige uma verdadeira orientação para o cuidado do bem comum.




      O cuidado do Bem comum



    O Papa João XXIII definiu o Bem comum como "a totalidade das condições sociais que permitem às pessoas, tanto como grupos ou indivíduos, atingir a sua realização de plena e mais facilmente ."
    Para a Igreja, o principio do bem comum requer que todas as estruturas, sistemas e processos sociais, políticos, económicos e culturais, sejam acessíveis a todos. Além disso, o princípio exige que, mesmo os que estão marginalizados na sociedade não sejam abandonados; daí a opção preferencial da Igreja pelos pobres como esforço consciente para corrigir os erros morais, as falhas e as insuficiências das nossas instituições sociais, das nossas culturas e dos nossos sistemas. A opção pelos pobres inspira-se nos valores evangélicos e de identificação com a vocação de Jesus como “Aquele que traz a boa nova aos pobres … e proclama o ano do Jubileu de Deus” (Lc 4,16-19).
    O SCEAM reitera o que o Papa Bento XVI disse quando afirmou: "no plano social, a consciência humana é interpelada pelas graves injustiças presentes no nosso mundo em geral, e no seio da África em particular. O açambarcamento dos bens da terra por uma minoria em detrimento de povos inteiros é inaceitável porque imoral. A justiça obriga a dar o seu a seu dono – ius suum inicuique tribuere”.
    A eficácia do bem comum requer uma mudança de comportamento, o respeito dos valores da caridade e da justiça, pois não é um Bem que é para si mesmo como acontece numa operação comercial, mas sim para o Povo que faz parte da comunidade. Isto pressupõe uma reforma institucional e orgânica para estimular a uma mudança de comportamento económico onde a pessoa humana não se reduz a mero valor económico. Trata-se de implementar condições que dão a todos e a cada um a possibilidade para satisfazer as suas próprias necessidades básicas em mútuo respeito com a prioridade dos seus interesses públicos.


    O principio do Bem Comum convida a todos nós para aderir à noção dos "bens comuns" ou dos serviços globais que nenhum País pode produzir por si próprio tais como: o meio ambiente, a saúde, o conhecimento, a informação, a Paz e a segurança. Isto lembra-nos algumas áreas do princípio do destino universal dos bens da Terra de acordo com a Doutrina Social da Igreja que diz: "Deus criou a Terra e tudo quanto contém para o uso de todos os Homens e de todo o Povo de tal modo que tais bens da Criação possam circular de igual modo nas mãos de todos de acordo com o que manda a justiça que é inseparável da caridade." O principio do Bem Comum mostra que a Terra é um dom de Deus dado a toda a Humanidade e deveria ser usado de igual modo e de forma ajuizada. A África deve a si própria o dever de aplicar este princípio duma gestão racional, responsável e zelosa dos seus recursos naturais, definindo planos legais e bem estruturados que possam garantir a vida das gerações presentes e futuras assim como seus direitos em relação a esses mesmos bens.


    É neste sentido que o SCEAM apela aos Líderes africanos para desenvolverem uma visão que possa mobilizar a África, orientada pela promoção do Bem Comum, orgulhosa pela sua própria soberania e decididamente virada para a sua unidade. Dependerá então dos Líderes públicos considerar a acção política como abertura e diálogo requeridos para criar ou reforçar a coesão social. Isto significa que a participação, sem discriminação, dos cidadãos na definição e na implementação dum pacto social que traduz a vontade popular, garante a estabilidade e o melhoramento das condições de vida para todos, e promove a justiça e a equidade. Eles deveriam, portanto, ser assistidos por intelectuais, economistas, pelo sector privado e todos os outros parceiros da África, dando cada um a sua contribuição de acordo com o seu domínio de especialização e no respeito mútuo. Agindo deste modo, os filhos e as filhas da Igreja não se esqueçam de iluminar as suas decisões pela verdade do Evangelho.



      A desgraça da Corrupção



    O desenvolvimento dos nossos países está fortemente hipotecado pela corrupção. Esta transformou-se num cancro em quase todos os países africanos e afecta sectores vitais tais como o modelo económico, a administração quotidiana, o mercado do trabalho, a saúde, a educação e o sistema judicial. Estamos ao par de que muitos governos consciência deste problema e estão a fazer esforços para combater esta desgraça. Infelizmente, o interesse pessoal e a procura desenfreada de ganhos tornaram-se mais fortes do que o sentido do bem comum.


    A mensagem do SCEAM funda-se sobre o que o profeta Miqueias menciona quando diz: “Ó homem, já te foi explicado o que é bom e o que Javé exige de ti: praticar a justiça, amar a misericórdia, caminhar humildemente com o teu Deus” (Miq. 6,8). Estas palavras mostram que a justiça é uma das prioridades de Deus para com o seu povo. Tais palavras foram dirigidas ao Povo de Judá, onde a cobiça (Miq. 3,1-4), a desonestidade (Miq. 6,10-11) e a corrupção (Miq. 7,2-4) estavam na ordem do dia. Era uma situação em que o pobre acabava sendo explorado pelo rico e pelo poderoso. Por isso Deus pede para que a justiça possa prevalecer. É um pedido que continuou a ecoar através dos outros profetas do Antigo Testamento tais como Isaías (58,1-12) e Amós (5,21-24).


    A justiça que os profetas pedem não é abstracta; é feita de acções muito práticas e reais que asseguram a protecção do fraco contra os abusos, que faz com que os pobres tenham o que precisam e que cuida dos que se encontram socialmente sem vantagens. Esta justiça significa dar a cada um o que Deus preparou para ele sem nenhuma distinção.
    O SCEAM encoraja os Líderes africanos e a população em geral a manter a integridade, a honestidade e a sinceridade em todos os seus empreendimentos. A honestidade é considerada pela Bíblia como um valor muito importante: “Falai verdade uns aos outros; julgai com integridade nos vossos tribunais, não trameis o mal contra o próximo; não ameis o falso testemunho. Pois Eu odeio todas estas coisas – oráculo de Javé.” (Zac. 8,16-17). A decepção pode-se manifestar através de falsos testemunhos, meias verdades ou mentiras. Tudo isso é tão comum na publicidade, em negócios, na política e na vida quotidiana. Devemos condenar e evitar de todas as maneiras tudo isso. A sinceridade vai a par e passo com a honestidade, caso contrário corremos o risco de cairmos na hipocrisia que Jesus não suportou (cf. Mt 23, 1-11).
    O SCEAM acredita que a “a justiça faz uma nação prosperar, mas o pecado empobrece os povos” (Prov. 14,34). Não podemos esperar que Deus possa abençoar o nosso continente e as pessoas que nele residem, enquanto a integridade não for considerada como um valor fundamental em todas as nações africanas.

CAPÍTULO III
TRANSIÇÕES PACÍFICAS E DEMOCRÁTICAS


      Dum Sistema Mono-Partidário à Democracia Multi-partidária



    O cenário político em África deveria criar novas oportunidades de transições. Sua Santidade o Papa Bento XVI afirma que as“... eleições representam uma plataforma para a expressão das decisões políticas dum povo e são um sinal da legitimidade ao exercício do poder. Elas providenciam uma oportunidade privilegiada para um debate politico público sereno e saudável, marcado pelo respeito pelas diferentes opiniões e diferentes agrupamentos políticos “. O Papa encoraja,assim, os Líderes políticos a respeitar os resultados de todas as eleições credíveis. Eleições credíveis podem, então,transformar-se em processos que criam a paz e a harmonia em todos os países.


    A Igreja está ciente do papel-chave que as eleições credíveis podem desempenhar na edificação da nação. Onde faltar uma oportunidade que possa levar a uma real transição democratica, teremos simplesmente um governo repressivo a substituir outro. Aos poucos a situação torna-se incontrolável. Nós consideramos que nosso papel, enquanto Igreja, é o de facilitar o diálogo, a participação de todos, e a reconciliação em caso de disputas.


    Um dos maiores princípios universais da Governação democrática é que os os governantes são nomeados pelo povo e devem prestar contas a ele. Por outras palavras, o povo deve ter a possibilidade de eleger um governo de sua escolha. A democracia é, pois, um governo pelo povo, para o povo e com o povo.


    Alegramo-nos por ver que a era das ditaduras dos mono-partidarismos está a dar lugar à democracia, mesmo se existe ainda alguma nostalgia por parte daqueles que não são capazes de pôr o passdo completamente atrás deles. Com o abandono do sistema mono-partidário nasceu muita esperança para a realização de eleições multi-partidárias, um fenómeno que reforçou a cultura da mudança em muitos Estados africanos. Infelizmente, por altura de cada eleição nascem momentos muito perigosos em África, com um crescente risco social de perturbações sociais ou mesmo de guerra civil. O desejo de permanecer no poder tornou precárias as constituições, que são mudadas de acordo com a vontade dos que estão no poder, com a finalidade de preservar os interesses egoistas de alguns governantes. Manobras políticas estão na ordem do dia um pouco por toda a parte, para impedir a mudança, para perpetuar a posse do poder dum partido político, duma pessoa ou duma família.



    Alegramo-nos também porque testemunhamos uma certa calmia nalgumas áreas de conflito tais como o fim da guerra em Sudão e continuamos a rezar para que a recente independência do Sul do Sudão possa trazer paz neste novo País e na sub-região. Por outro lado, entristece-nos o facto de que a região dos Grandes Lagos (nomeadamente o Burundi, a República Democrática do Congo e o Rwanda), ainda esteja em turbulência: exortamos os partidos em conflito para parar a guerra e começar o diálogo sobre a situação da provincia do Kivu. Notamos igualmente que a Paz está a voltar pouco a pouco na África Central, com a esperança de que os grupos ilegalmente armados venham a parar com as suas atrocidades e que um diálogo aberto e inclusivo seja organizado a todos os níveis para uma verdadeira reconciliação que ter em consideração a cura dos traumatizados. A África Ocidental que experimentou uma série de conflitos violentos internos no passado pode ora rejubilar por causa do regresso gradual para a estabilidade. Pelo contrário, estamos profundamente preocupados com a situação na Nigéria e no Mali. Nutrimos uma grande esperança de mudança democrática pacífica que possa vir a ser o resultado da Primavera Árabe no Norte de África. É nossa oração e esperança que a Paz possa regressar para o Corno de África, nesses Países tais como a Somália, a Etiópia e a Eritrea. Insistimos, portanto, sobre a necessidade de todos os países africanos adoptarem princípios democráticos e de boa governação que conduzam a uma verdadeira justiça , à paz e à reconciliação.




      Condições para Transições Pacíficas e Democráticas



    A Transição democrática é o processo politico que permite a um Estado evoluir para uma nova ordem politica, que é legitimamente fundada sobre um processo eleitoral livre e transparente e baseado no respeito pelos principios democráticos.


    A falta de espaço democrático e o desprezo dos Direitos Humanos tornaram-se terra fértil para crises e manifestações políticas. A recusa duma mudança politica para a maioria de regimes no poder complica a procura do estabelecimento duma democracia que responda às aspirações dos povos. O verdadeiro amor pela terra mãe e pelo nosso Continente devem forçar-nos a preferir uma gestão transparente e responsável do poder e de passar tal poder tranquilamente. Isto pressupõe estricto respeito das constituições democráticas nacionais.

Talvez chegou o tempo para a África inventar modelos de governação que respondam realmente às nossas necessidades, se enquadrem nos nossos contextos e se inspirem também nos sistemas e estruturas de governação tradicionais africanos. As sociedades africanas devem começar a empenhar-se nesta reflecção para desenvolver uma visão hoolistica que pode servir melhor as transições e consolidar a experiência democrática. O ponto de partida é o regresso ao significado original da democracia, isto é, uma forma de governo que tenha o povo como soberano. É para o seu próprio bem que o povo confia o seu poder aos governantes para garantir o respeito pela vontade geral e gerir os recuros do País para beneficio de todos. Ter em conta esta visão fundamental da democracia no exercício do poder e do espaço politico permitirá o lançamento das bases duma estabilidade real que não depende do poder das armas, mas dum pacto social concordado.
CAPÍTULO IV
A ÁFRICA NAS NOSSAS MÃOS


      A Importância da Sociedade Civil



    O destino do Continente africano depende do nosso compromisso comum em fazer com que a governação eonómica e política promova o bem comum num contexto favorável a uma transição pacífica do poder. Neste sentido, a Igreja convida a Sociedade Civil, os Líderes africanos, todos os povos de África e todos os parceiros e amigos do Continente a se unirem para um novo começo.


    A vós, Organizaões da Sociedade Civil, o SCEAM reitera a importância da voz alternativa que vós representais para promover o surgimento duma Boa Governação, o respeito pelo Bem Comum e pelas transições democráticas no Continente. Nós encorajamo-vos a aumentar a vigilância no respeito e na promoção dos Direitos Humanos e da gestão dos nossos recursos humanos e naturais. Convidamo-vos a reforçar a educação cívica das populações para que se transformem em agentes da mudança na definição e na implementação das decisões que afectam a sua existência. Sede mais proactivos para impedir que os conflitos degenerem em violência. Para tal, o SCEAM recomenda-vos a escolha do diálogo em vez da confrontação para que possais desempenhar o vosso papel no respeito da legitimidade e que as vossas actividades se baseiem sobre o interesse do bem comum, recusando a instrumentalização dos partidos políticos.




      Um apelo aos Líderes Políticos e aos Governantes



    Na sua Mensagem Final, a Segunda Assembléia Especial para a África do Sínodo dos Bispos notou que a África é rica em recursos humanos e naturais mas "grande parte do seu povo ainda continua a padecer na pobreza e na miséria, em guerras e conflitos, em crises e caos. Estes são muito raramente causados por calamidades naturais. Pelo contrário, muitas vezes são devidos a decisões e actividades humanas de pessoas que não têm nenhum respeito pelo bem comum…".


    O SCEAM urge a vós, Líderes políticos africanos, para fazerdes da erradicação da pobreza uma prioridade, usando os lucros dos recursos naturais do subsolo do Continente, tais como a terra e as florestas, ao serviço do desenvolvimento dos vossos Países em beneficio de toda a nação e de todos os seus cidadãos. Pedimo-vos, veementemente, não negligenciar e comprometer a luta contra a corrupção, pois, esta é o cancro que destrói as nossas nações. Aqueles que são corruptos devem enfrentar medidas estrictas e disciplinares largamente conhecidas pelo povo de modo que ninguém se permita cometer tais crimes impunemente. Exortamos os governos a reflectirem profundamente sobre a questão das eleições recordando-se que estas devem ser livres, credíveis, transparentes e pacíficas. Acima de tudo, a prioridade deve ser dada à promoção do bem comum em todo o tempo e lugar.



      Construir a União Africana


"Uma mão sozinha não pode amarrar um pacote", diz um provérbio africano. Hoje em dia é imperativo para o continente africano reforçar a sua unidade. Nesse sentido, reconhecemos e encorajamos os esforços da União Africana que é o resultado da vontade dos Chefes de Estado de estabelecer um processo de integração política que assegure o desenvolvimento social do Continente e conduza à promoção da democracia e dos Direitos Humanos. Que ela se equipe progressivamente com várias Instituições. Seja como for, gostaríamos de sublinhar que as Instituições Continentais devem permitir a cada um de se exprimir e descobrir os desafios do desenvolmento integral do nosso Continente. A esse respeito, o SCEAM está mais do que disponível a oferecer os seus conselhos e serviços.

    O SCEAM convida todos os povos africanos a adoptar um novo olhar sobre o estrangeiro que permanece um irmão ou uma irmã para além das fronteiras de estado, políticas, tribais ou religiosas. Cada cidadão é convidado a participar nas consultas que têm lugar na sua própria sociedade. A prática democrática deve prevalecer em todo o tempo. Os cidadãos devem assegurar que a prática democrática não esteja comprometida de nenhuma maneira.

Finalmente, apelamos às Universidades e Instituições Católicas, aos teólogos, aos grupos e associações de profissionais e de pesquisadores interdisciplinares para fazerem reflecções sobre as causas das injustiças e da violência tanto a nível local como a nível internacional. Vos exortamos a fazer da formação permanente a ponta de lança dos vossos programas ao serviço de todos os católicos a fim de que , pela sua formação e seu testemunho, se tornem laboratórios a partir dos quais serão alimentados a democracia, os direitos humanos e a boa governação. É a isto que apela a Áfricae Munus.



CONCLUSÃO
O NOSSO TESTEMUNHO COMO CRISTÃOS


    Carissimos irmãos e irmãs, o SCEAM reitera a vontade da Igreja em África que consiste em tornar a missão da evangelização mais eficaz a fim de que os cristãos possam tornar-se defensores credíveis da busca e da prática da boa governação.
    A Igreja compromete-se com a intensificação do ministério pastoral para os actores socio-políticos através de programas de formação espiritual e ética, de capelanias especializadas para as Instituições públicas, de grupos de reflexão e de ligação com os diversos organismos administrativos e políticos a todos os níveis: local, nacional, regional e continental.


    A Igreja compromete-se a reforçar as capacidades dos seus cidadãos para lhes permitir monitorizar os processos de tomada de decisão e de mudança, especialmente as eleições e as transições democráticas. Nesta perspectiva , ela tem à sua disposição a Doutrina Social da Igreja, de que assegurará a distribuição de maneira sistemática sobre o continente através da revitalização da catequese, dos movimentos, das Comunidades Eclesiais de Base e dos seus instituições educativas.


    Pedimos aos nossos Líderes políticos o favor de implementar na totalidade os Tratados e convenções regionais que eles ratificaram e concordaram com outros Estados membros tais como a Carta Africana sobre a Democracia, as Eleições e a Boa Governação.


    A Igreja está a armazenar as lições que aprendeu e as Boas Práticas que podem vir a ser usadas para reforçar o seu papel na promoção da participação activa das suas Comissões de Justiça e Paz bem como das outras estruturas da Igreja na promoção de eleições pacíficas, transparentes e credíveis.


    O SCEAM acredita que Deus nos acompanha, nos ama e há-de salvar-nos. Por isso, exorta-nos a ser mais fiéis na oração. Como Igreja em África, precisamos de rezar sem cessar para a restauração do nosso continente.


    Não basta falar de princípios, afirmar intenções e sublinhar injustiças; estas palavras não terão sentido ou peso real se não são acompanhadas por uma maior tomada de consciência da responsabilidade pessoal e por uma acção eficaz de todos. É muito fácil deitar sobre os outros a responsibilidade da injustiça, se não nos dermos conta de que todos estamos nela implicados. É por isso que a conversão pessoal é, antes de mais, necessária. A esperança do cristão numa sociedade melhor, provém, primariamente, do facto de sabermos que o Senhor Jesus Cristo trabalha connosco no mundo.


    Mostremo-nos exemplares de maneira que possamos definir o modelo para avançar na fé. “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque serão saciados” (Mt. 5,6). Quando trabalhamos juntos para o Bem Comum contribuímos para e edficação do Reino de justiça, de respeito pela dignidade das pessoas e dos seus direitos, um Reino de verdade, de unidade, de perdão, de tolerância política, de serviço, de eleições livres e credíveis, de boa ética nacional, de bons mídia, de solidariedade, de paz e de boa gestão da criação de Deus.


    Sua Santidade o Papa Bento XIV diz: “ Incumbe à Igreja esforçar-se para que cada povo possa ser o agente principal do seu próprio progresso economico e social... e possa ajudar a respeitar o bem comum universal como membro activo e responsável da família humana...’.


    O Senhor abençoe e proteja África. É tempo para que a África Se Levante e trabalhe seriamente para o seu melhor futuro e possa caminhar juntamente com os outros continentes.


    Santa Maria , Mãe de de Deus, Protectora da África, Vós destes ao mundo a verdadeira Luz, Jesus Cristo. Pela Vossa obediência ao Pai e pela graça do Espírito Santo nos destes a fonte da nossa reconciliação e da nossa justiça, Jesus Cristo, nossa paz e nossa alegria. Mãe, cheia de Misericórdia e de Justiça, pela Vossa docilidade ao Espírito, o Consolador, obtende-nos a graça de sermos testemunhas do Senhor Ressuscitado, a fim de que nos tornarmos sempre o sal da terra e luz do mundo.

“Glória a Deus nas alturas e na terra paz aos homens por Ele amados!”(Lc. 2,14)

Accra, Ghana, Fevereiro de 2013

Polycarp Cardeal PENGO, Arcebispo de Dar- Es- Salaam ePresidente do SCEAM








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