Missa das Cinzas, última celebração de Bento XVI: "Renovar a fé no Pastor Supremo:
Cristo Senhor". "Superar divisões e rivalidades"
"Voltar para Deus
com todo o coração": foi o apelo que o Papa lançou nesta quarta-feira à tarde, na
homilia da Missa de início da Quaresma, na Basílica de São Pedro, com o rito da bênção
e imposição das cinzas. Desta vez a liturgia não teve lugar, como de costume, na Basílica
de Santa Sabina, para poder acolher os muitos fiéis que quiseram participar na última
grande celebração com Bento XVI. “Para mim, é uma ocasião propícia para agradecer
a todos, especialmente aos fiéis da Diocese de Roma, enquanto me preparo para concluir
o ministério petrino, e para pedir uma especial lembrança na oração".
Foi
assim que o Papa iniciou a homilia de Quarta-feira de Cinzas, numa basílica completa
repleta de fiéis, que rodeavam os cardeais e bispos presentes em Roma. Bento XVI referiu
as circunstâncias que sugeriram a celebração na Basílica de São Pedro em vez da de
Santa Sabina. "Somos numerosos à volta do túmulo do Apóstolo Pedro também para
pedir a sua intercessão para o caminho da Igreja neste momento particular, renovando
a nossa fé no Supremo Pastor, Cristo Senhor”.
A ressoar na liturgia da Quarta
Feira de Cinzas, o apelo do profeta Joel ao povo de Israel a voltar para Deus com
todo o coração, isto é do centro dos nossos pensamentos, sentimentos e acções. Isto
é possível - explica o Papa - graças à força da misericórdia de Deus e se torna realidade
concreta "somente quando a graça de Deus penetra no íntimo e o abala dando-nos a força
de "rasgar o coração". O Profeta faz também ecoar por parte de Deus o convite de Deus
para rasgarmos o nosso coração e não as nossas vestes: “Na verdade, também nos
dias de hoje, muitos estão prontos para 'rasgar as vestes' perante escândalos e injustiças
– naturalmente cometidas por outros - mas poucos parecem dispostos a agir sobre o
próprio "coração", sobre a própria consciência e as próprias intenções, deixando que
o Senhor transforme, renove e converta".
Este apelo à conversão profunda do
coração tem também uma dimensão comunitária: "a fé é necessariamente eclesial", lembra
o Pontífice, e não se enfrenta sozinho o caminho penitencial, mas com tantos irmãos,
na Igreja. A reflexão de Bento XVI insiste na leitura do profeta Joel, que fala da
oração dos sacerdotes que pedem a Deus, com lágrimas nos olhos: "não abandoneis a
vossa herança ao opróbrio e o escárnio dos povos". "Esta oração - diz o Papa – faz-nos
reflectir sobre a importância do testemunho de fé e de vida cristã de cada um de nós
e das nossas comunidades para mostrar o rosto da Igreja, e como este rosto é, por
vezes, desfigurado:
“Penso particularmente nas culpas contra a unidade da
Igreja, as divisões no corpo eclesial. Viver a Quaresma numa comunhão eclesial mais
intensa e evidente, superando individualismos e rivalidades, é um sinal humilde e
precioso para aqueles que estão longe da fé ou são indiferentes ."
"Eis agora
o momento favorável". Com o apóstolo Paulo, Bento XVI convida pois a tomar estas palavras
"como uma urgência que não admite ausências ou inércias". O Papa se concentra em "Jesus,
o inocente, o Santo, ‘Aquele que não conhecera o pecado’" e que, diz, "carrega sobre
si o peso do pecado partilhando com a humanidade o seu êxito de morte, e morte na
cruz": "A reconciliação que nos é oferecida – sublinhou Bento XVI - teve um preço
altíssimo, o preço da cruz, da qual pende o Filho de Deus feito homem. É nesta imersão
de Deus no sofrimento humano e no abismo do mal que está a raiz da nossa justificação.
O "voltar para Deus com todo o coração", no nosso caminho quaresmal passa pela Cruz,
pelo seguimento a Cristo no caminho que leva ao Calvário, ao dom total de si".
Um caminho, este, para aprender a sair do egoísmo e fechamentos e dar espaço
a Deus que transforma o coração, e para escutar mais assiduamente a Palavra de Deus.
O Papa recorda as três práticas fundamentais da lei mosaica e as indicações do caminho
quaresmal: esmola, oração e jejum. Jesus “denuncia a hipocrisia religiosa”, “as atitudes
que buscam aplausos" e sublinha pelo contrário que é "a verdade da relação com Deus
o que qualifica a autenticidade de cada gesto religioso", observa Bento XVI afirmando
que "o verdadeiro discípulo não serve a si mesmo ou ao ‘público’, mas ao seu Senhor’. "O
nosso testemunho será pois tanto mais incisiva quanto menos buscarmos a nossa própria
glória e formos conscientes de que a recompensa do justo é o próprio Deus, a união
com Ele, aqui na terra, no caminho da fé e, no fim da vida, na paz e na luz do encontro
face a face com Ele para sempre".
"Ressoe forte em nós o convite à conversão",
a "voltar para Deus com todo o coração": "nenhum de nós" – diz o Pontífice - "seja
surdo a este apelo", que nos é dirigido também no rito das cinzas. Após a homilia,
de facto, o Cardeal Comastri, Arcipreste da Basílica de São Pedro, impôs as cinzas
sobre a cabeça de Bento XVI o qual, por sua vez, fez o mesmo com alguns Cardeais ,
Bispos, Sacerdotes e simples fiéis.
Esta noite, "há um véu de tristeza nos
nossos corações", disse o Cardeal Secretário de Estado, Tarcisio Bertone, numa saudação
final a Bento XVI, lembrando a emoção e o profundo respeito com que a Igreja e o mundo
receberam a notícia da sua decisão de renunciar ao ministério petrino. O Cardeal Bertone
exprimiu um comovido agradecimento ao Papa: "Esta noite nós queremos agradecer
ao Senhor pelo caminho que toda a Igreja fez sob a orientação de Sua Santidade e queremos
dizer-lhe do fundo do nosso coração, com muito carinho, emoção e admiração: obrigado
por nos ter dado o luminoso exemplo de simples e humilde trabalhador na vinha do Senhor,
um trabalhador, porém, que soube em todos os momentos realizar o que é mais importante:.
levar Deus aos homens e levar os homens a Deus".
Uma saudação sublinhada
por um comovido e interminável aplauso da multidão de fiéis que enchiam a basílica
de São Pedro, nesta última celebração do Papa Bento XVI.