Rio de Janeiro (RV) - Atualmente estamos vivendo na liturgia o Tempo Comum.
Isso pode dar ideia de não ser um momento importante dentro do ano litúrgico. Porém,
não é essa a realidade. Cada tempo litúrgico tem sua importância e necessidade. É
um tempo no qual Deus continua nos santificando. Tempo comum em que o homem se encontra
com Deus que no Verbo Encarnado, celebrado no Natal, tornou-se próximo de nós. Tempo
comum em que nos encontramos com nossos irmãos e irmãs seja na Igreja, seja no trabalho,
ou nas nossas tarefas cotidianas, desde as mais simples às mais complexas, e fazemos
desse tempo uma oportunidade de viver extraordinariamente o dia a dia.
Após
o tempo do Natal iniciamos este momento litúrgico que, após a celebração da Quaresma
e Páscoa, continua após Pentecostes até o próximo Advento. É o tempo mais extenso
que vivemos durante o ano litúrgico. Recorda-nos que os mistérios que celebramos,
Encarnação (Advento e Natal) e Redenção (Quaresma e Páscoa), devem ser encarnados
na história de cada dia, na caminhada da Igreja.
Muitas vezes não percebemos
a importância das tarefas comuns, o que nos leva a dar mais atenção aos momentos extraordinários.
No entanto, a vida de cada um de nós, embora tenha momentos marcantes, é vivida no
cotidiano. E a liturgia nos ensina a importância do cotidiano, iluminado pela presença
de Cristo Ressuscitado em nosso dia a dia. Dessa forma, a liturgia diária nos faz
perceber e experimentar sempre mais a presença do Senhor em nossas vidas. É o tempo
em que vemos os sinais dos nossos irmãos e irmãs que seguiram a Cristo em todas as
épocas e situações e são até hoje sinais e exemplos para nós – os Santos – demonstrando
que assim como no passado, ainda hoje somos chamados a viver na fidelidade ao Evangelho,
no seguimento de Jesus Cristo.
Em todas as épocas históricas, em todos os tipos
de política, com liberdade religiosa ou com perseguições, dentro das mais diferentes
ideologias, em qualquer situação de crise econômica ou cultural, a Igreja continua
perseverando na fé e vivendo o alegre seguimento e anúncio de Jesus Cristo, o Senhor
e Salvador.
Celebraremos assim a nossa liturgia na simplicidade e no louvor
próprio deste tempo e, por isso, viveremos a graça na nossa vida comum, fazendo dos
dias normais, dias de grandes bênçãos. Os evangelhos também nos apresentarão a
vida cotidiana de Jesus, as suas caminhadas, o estar com os discípulos, o tempo de
oração, as idas aos locais de culto.
Aos domingos, a que chamamos Tempo Comum,
são de suma importância para nossa vida espiritual. A Igreja nos recorda que é a Páscoa
semanal. É o dia do Senhor, quando a comunidade se encontra em torno ao altar na escuta
da Palavra de Deus e ao partir o Pão. Tão importantes, que sem eles não poderíamos
compreender a totalidade da vida de Cristo, e que se reportam sempre à Páscoa. Sem
dúvida que o alimento da Eucaristia ocupa o centro de nossa vida litúrgica, e sempre
somos chamados a buscar “estar com o Senhor” nesse augustíssimo sacramento. Porém,
hoje gostaria de refletir sobre a importância da escuta da Palavra e a riqueza que
a liturgia da Igreja contém ao nos dar oportunidade de ouvir toda a Sagrada Escritura
nas celebrações litúrgicas.
O Tempo Comum, que se inicia após a festa do Batismo
do Senhor, é composto por 33 ou 34 semanas do ano que nos fazem refletir e aprofundar
os grandes mistérios celebrados nos assim chamados “tempos fortes”: Advento e Natal
– encarnação – e a Quaresma e Páscoa – paixão, morte e ressurreição – a nossa redenção.
Portanto,
o Tempo Comum nos reporta gradativamente àqueles grandes mistérios, na medida em que
nos apresenta a vida pública de Jesus, ou seja, a sua obra de salvação. É o caminhar
com Cristo durante o ano, acolhendo o anúncio da boa notícia em nossa vida cotidiana. O
fato de o Tempo Comum vir após o Batismo do Senhor e de Pentecostes nos leva, na primeira
parte, a refletir sobre a vida pública de Jesus e a sua missão e, na segunda, sobre
a caminhada histórica da Igreja que continua a missão do Senhor, iluminada pela ação
do Espírito Santo.
Também nos ajuda a apreciar melhor a liturgia no seu desenvolvimento
progressivo, episódio após episódio, toda a vida histórica de Jesus, seguindo as narrativas
dos Evangelhos. Temos hoje uma grande riqueza na celebração dominical, pois com
a reforma litúrgica pós-conciliar foi introduzida uma distribuição dos evangelhos
sinóticos ao longo de três anos, um para cada ciclo (A, B e C ), ou seja, o conteúdo
de cada evangelho que desenvolve a vida e a pregação do Senhor. O Evangelho de João
é lido no tempo pascal e inserido principalmente em alguns domingos do ano B. Isso
proporciona uma harmonia entre o significado de cada evangelista e, também, a evolução
do ano litúrgico. Assim, o cristão pode celebrar todos os passos de Jesus não só num
ano específico, mas ao longo da vida. E ao final de três anos, o católico que participa
da missa dominical terá ouvido todos os Evangelhos com as devidas ligações e interações
com os outros textos do Antigo e Novo Testamento, proclamados nas primeiras e segundas
leituras das missas.
Domingo após domingo, vamos sendo apresentados à Pessoa
de Jesus, na normalidade de sua vida, na simplicidade de seus dias, nos seus gestos
do dia a dia, com todo seu ensinamento e a consistência de suas escolhas. Nos dias
feriais – durante a semana – o esquema das leituras é diferente, pois temos seis dias
para ler em um ano todos os quatro evangelistas, e em dois anos os demais livros do
Antigo e Novo Testamento (ano par e ano impar). Além das celebrações especiais dos
santos, das solenidades do Senhor, de Maria, da Igreja.
O mistério de Jesus
vai sendo revelado a cada dia em nossas vidas, chamando-nos a alimentar-nos dessa
presença que nos transforma e conduz a ser fermento no meio da massa no nosso dia
a dia. Na sequência litúrgica temos também um retrato profundo e vivo de Jesus, o
Filho de Deus que se fez homem e habitou entre nós.
Jesus nos envia pelas estradas
do mundo para que, no cotidiano, nos empenhemos na nova evangelização e formemos novos
evangelizadores. Nós nos apresentamos ao Senhor, como os Apóstolos, com a consciência
da nossa pobreza e das necessidades da Igreja: "Mestre, trabalhamos a noite inteira
e não apanhamos nada" (Lc 5,5). Mas, sobretudo "por causa da sua palavra", no nosso
cotidiano queremos crer e esperar que, como então, ainda hoje o Senhor pode encher
as barcas de seus apóstolos com uma pesca milagrosa, e transformar cada crente num
pescador de homens.
Sigamos o Mestre na sua vida diária. Aproveitemos desse
tempo como tempo de fidelidade, de constância, firmando nossa vida na própria vida
de Jesus.
Por isso, é importante a nossa presença à missa dominical e, quando
possível, também na missa diária. Com certeza, é um sinal de fidelidade a Jesus, e
o desejo de seguí-Lo não só em ocasiões especiais, mas também na simplicidade do nosso
cotidiano. Veremos como aos poucos nossas vidas, iluminadas pelas celebrações litúrgicas,
se transformam no acolhimento d’Aquele que se fez próximo de nós para nos conduzir
ao Pai.
† Orani João Tempesta, O. Cist. Arcebispo Metropolitano de São
Sebastião do Rio de Janeiro, RJ