Dom Mamberti: "liberdade de consciência e religião é condição para o estabelecimento
de uma sociedade pluralista"
Cidade do Vaticano (RV) - O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tornou públicas
ontem, terça-feira, as sentenças de quatro casos relativos à liberdade de consciência
e de religião que dizem respeito a funcionários no Reino Unido. Em dois casos, o motivo
foi o uso de um pequeno crucifixo usado no pescoço no local de trabalho, e nos outros
dois, do direito de fazer objeção de consciência frente a celebrações de uniões civis
entre pessoas do mesmo sexo. Somente em um caso o Tribunal deu ganho de causa aos
requerentes. A Rádio Vaticano conversou com o Secretário das Relações da Santa Sé
com os Estados:
Dom Mamberti: “Estes casos demonstram que as questões relativas
à liberdade de consciência e de religião são complexos, em particular em uma sociedade
européia caracterizada pelo aumento da diversidade religiosa e por uma exasperação
do laicismo. É real o risco que o relativismo moral que se impõe como nova norma social
mine os fundamentos da liberdade individual de consciência e de religião. A Igreja
deseja defender as liberdades individuais de consciência e de religião em cada circunstância,
inclusive diante da ‘ditadura do relativismo’. Por isto é necessário explicar a racionalidade
da consciência humana em geral, e do agir moral dos cristãos, em particular. Quando
se trata de questões moralmente controvertidas, como o aborto e a homossexualidade,
deve ser respeitada a liberdade de consciência. Antes de ser um obstáculo para o estabelecimento
de uma sociedade em seu pluralismo tolerante, o respeito à liberdade de consciência
e de religião é uma condição. Dirigindo-se, na semana passada ao Corpo Diplomático
acreditado junto à Santa Sé, Bento XVI salienta que, ‘para salvaguardar efetivamente
o exercício da liberdade religiosa, é essencial respeitar o direito da objeção de
consciência’. Esta ‘fronteira’ da liberdade subentende princípios de grande importância,
de caráter ético e religioso, enraizados na mesma dignidade da pessoa humana. São
como que as bases de qualquer sociedade que queira definir-se como verdadeiramente
livre e democrática. Por conseqüência, proibir a objeção de consciência individual
ou institucional, em nome da liberdade e do pluralismo, abriria, ao contrário – paradoxalmente
– as portas à intolerância e a um nivelamento forçado. É também papel da Igreja recordar
que cada homem, qualquer que seja a sua religião, é dotado de sua consciência pela
faculdade natural de distinguir entre o bem do mal e assim, agir consequentemente.
Nisto reside a fonte de sua verdadeira liberdade.”
Pergunta: Recentemente,
a missão da Santa Sé junto ao Conselho da Europa publicou uma nota sobre a liberdade
e a autonomia institucional da Igreja. O Senhor poderia explicar o contexto desta
nota?
Dom Mamperti: “Atualmente a questão da liberdade da Igreja
nas suas relações com as autoridades civis está em exame no Tribunal Europeu dos Direitos
do Homem em dois casos que dizem respeito à Igreja Ortodoxa da Romênia e a Igreja
Católica na Espanha. Trata-se dos casos Sidicatul “Pastorul cel Bun” contra a Romênia
e Fernandez Martinez contra a Espanha. Nesta ocasião, o representante Permanente da
Santa Sé junto ao Conselho da Europa redigiu uma nota sintética na qual expôs a posição
do Magistério sobre liberdade e a autonomia institucional da Igreja Católica”.
Pergunta:
E qual o problema nestes dois casos?
Dom Maberti: “Nestes dois casos
a Corte Européia deve estabelecer se o poder civil respeitou a Convenção Européia
dos Direitos do Homem, ao rejeitar o reconhecimento de um sindicato profissional de
sacerdotes (na Romênia) e rejeitando a nomeação de um professor de religião que publicamente
professava posições contrárias à doutrina da Igreja (no caso da Espanha). Nos dois
casos, os direitos à liberdade de associação e à liberdade de expressão foram invocados
para obrigar as comunidades religiosas a agirem contra os seus estatutos canônicos
e contra o Magistério. Além disto, estes dois casos colocam em questão a liberdade
da Igreja em agir segundo as próprias regras, de não ter que submeter-se a outras
normas civis, a não ser o respeito ao bem comum e à ordem pública. A Igreja sempre
teve que defender-se para tutelar a própria autonomia diante do poder civil e às ideologias.
Hoje, nos países ocidentais é importante saber como a cultura dominante, fortemente
caracterizada pelo individualismo materialista e pelo relativismo, possa compreender
e respeitar a natureza específica da Igreja, que é uma comunidade fundada na fé e
na razão”.
Pergunta: Como a Igreja vive esta situação?
Dom
Mamberti: “A Igreja é consciente da dificuldade em estabelecer, em uma sociedade
pluralista, as relações entre as autoridades civis e as diversas comunidades religiosas
no que tange às exigências da coesão social e do bem comum. Neste contexto, a Santa
Sé chama a atenção para a necessidade de conservar a liberdade religiosa na sua dimensão
coletiva e social. Esta dimensão responde á natureza essencialmente social, tanto
da pessoa quanto do fenômeno religioso em geral. A Igreja não pede que as comunidades
religiosas sejam zonas de ‘não-direito’, ao contrário. Que sejam reconhecidas como
espaços de liberdade em virtude do direito à liberdade religiosa, no respeito da justa
ordem pública. Esta doutrina não é reservada à Igreja Católica. Os critérios que derivam
dela são baseados na justiça e por isto são de aplicação geral. Além disto, o princípio
jurídico de autonomia institucional das comunidades religiosas é amplamente reconhecido
por aqueles países que respeitam a liberdade religiosa e pelo direito internacional.
O mesmo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem enunciou isto em diversos casos importantes.
Também outras instituições afirmaram este princípio. É o caso da Organização para
a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE) ou ainda o Comitê dos Direitos do Homem
da ONU, respectivamente no Documento Final de 19 de janeiro de 1989 da Conferência
de Viena, e na Observação Geral n° 22, sobre o direito à liberdade de pensamento,
de consciência e de religião de 30 de julho de 1993. É útil recordar e defender este
princípio de autonomia da Igreja e do poder Civil.
Pergunta: Como se
apresenta esta nota?
Dom Mamberti: “A liberdade da Igreja será respeitada
tanto mais quanto for bem compreendida pela autoridade civil, sem preconceitos. Será
então necessário explicar como é concebida a liberdade da Igreja. A Representação
Permanente da Santa Sé junto ao Conselho da Europa redigiu uma pequena nota onde explica
a posição da Igreja sobre quatro princípios: a distinção entre Igreja e Comunidade
política; a liberdade em relação ao Estado; a liberdade no seio da Igreja e o respeito
a uma justa ordem pública. Após ter ilustrado este princípios, a nota cita partes
importantes da Declaração sobre liberdade religiosa ‘Dignitatis Humanae’ e da Constituição
pastoral ‘Gaudium et Spes’ do Concílio Vaticano II”. (JE)