"Não resignar-se ao spread social ..."- o economista Flavio Felice comenta esta frase
do Papa
"Não resignar-se ao spread (índice diferencial) do bem-estar social, enquanto se
combate o spread das finanças": Esta uma das passagens mais significativas
do discurso que Bento XVI dirigiu segunda-feira ao Corpo Diplomático junto da Santa
Sé. O Papa afirmou igualmente que a crise económica actual deriva de um aventurar-se
"sem freios pelos caminhos da economia financeira, em vez da real". Sobre este último
ponto, o colega italiano Alessandro Gisotti pediu um comentário ao economista Flávio
Felice, director da Área de pesquisa internacional da Universidade Pontíficia Lateranense,
"Caritas in Veritate. Ouça. R. – A referência
que Bento XVI faz à crise financeira é muito interessante, porque existem hoje estudos
bastante credenciados que identificam exactamente na "financeirização" da economia
a causa da crise económica. O Papa não põe isto em questão, não cria uma oposição
entre a economia real e economia financeira, mas identifica na economia financeira
um instrumento, um meio necessário, mas que deve ser necessariamente limitado, ou
pelo menos deve ser colocado dentro de uma ordem económica que veja nas finanças um
instrumento e não um fim em si mesmo. Tal como fez na Mensagem para o Dia Mundial
da Paz, o Papa sublinha também aqui a importância do trabalho: trabalho para a dignidade
da pessoa ... "Certamente. As finanças devem estar ao serviço do aumento da produtividade.
E é só o aumento da produtividade que permite às actividades económicas de garantirem
depois um maior número de empregos. Os empregos não vêm do nada, mas de uma acção,
de uma actividade produtiva extremamente eficaz: quanto mais eficaz for maior será
a possibilidade de dar emprego; uma maior possibilidade de emprego significa pôr em
acto um movimento económico. Portanto, o objectivo é o trabalho" Com uma fórmula
eficaz, o Papa também apela, em especial aos líderes europeus para "não se resignarem
ao spread do bem estar social enquanto se combate o das finanças". De alguma forma,
o Papa diz-nos que o primeiro spread é o entre ricos e pobres ... "Acho que esta
afirmação pode, na verdade, ser plenamente compreendida se for lida com uma chave:
uma chave que Bento XVI nos indica numa passagem muito interessante do seu discurso,
quando fala da educação. O Papa diz-nos precisamente que sair da crise significa,
em primeiro lugar, trabalhar pela justiça, porque não bastam os bons modelos económicos.
Muitas vezes, entre economistas se luta a propósito da eficácia dos modelos económicos,
e sobre qual deles é o melhor ... Mas a realidade é completamente diferente: os sistemas
económicos são para o homem. Isto pode parecer banal, mas é mesmo assim. Um sistema
económico só funciona se as pessoas o sentem e o entendem como coerente e conforme
a sua dignidade. Da crise só se sai devolvendo ao centro a educação à justiça, à equidade
... Tudo isto significa pensar num modelo: não num novo modelo económico, mas num
modelo social, uma antropologia capaz de fazer com que os modelos económicos se confrontem
de forma coerente e não simplesmente em base de uma lógica matemática, de engenharia,
que na realidade pode até funcionar igualmente, sob um ponto de vista puramente lógico,
mas que depois no terreno se demonstra totalmente ineficaz.”