Bento XVI expõe aos Embaixadores as suas preocupações e votos relativamente às principais
questões internacionais
Como habitualmente no início do ano, Bento XVI recebeu nesta segunda-feira de manhã
os membros do Corpo Diplomático, aos quais dirigiu um discurso em que passou em resenha
os problemas de justiça e paz, através do mundo, exprimindo as suas preocupações e
propostas, a esse propósito.
Bento XVI começou por se congratular com as “relações
frutuosas que a Igreja Católica mantém, em todo o mundo, com as autoridades civis”.
“Trata-se de um diálogo que tem a peito o bem integral, espiritual e material, de
cada homem e visa promover por toda a parte a sua dignidade transcendente”. Esta dimensão
“católica” da Igreja, que a leva a abraçar todo o universo e, portanto, cada povo,
cultura e tradição (sublinhou o Papa), “não constitui uma ingerência na vida das diversas
sociedades, mas serve para iluminar a recta consciência dos seus cidadãos e convidá-los
a trabalhar pelo bem de cada pessoa e o progresso do género humano”. Foi neste
contexto que Bento XVI situou os acordos bilaterais estabelecidos ou ratificados em
2012 com vários países, assim como “as inesquecíveis viagens apostólicas por ele realizadas
ao México, a Cuba e ao Líbano. “Ocasiões privilegiadas – disse – para reafirmar o
empenhamento cívico dos cristãos naqueles países e também para promover a dignidade
da pessoa humana e os fundamentos da paz”.
Referindo o anúncio do anjo aos
pastores, na noite de Natal, glorificando a Deus e proclamando a paz para a humanidade,
o Santo Padre chamou a atenção para a “estreita relação entre Deus e o anseio profundo
que sempre tem o homem de conhecer a verdade, praticar a justiça e viver na paz”,
como escrevia há 50 anos João XXIII na Encíclica “Pacem in Terris”. Bento XVI
deplorou o facto de hoje em dia por vezes se pensar que a verdade, a justiça e a paz
são utopias que se auto-excluem. Ora, “diversamente, na perspectiva cristã, há uma
ligação íntima entre a glorificação de Deus e a paz dos homens na terra, de tal modo
que a paz não resulta meramente de um esforço humano, mas deriva do próprio amor de
Deus… Na realidade, sem uma abertura ao transcendente, o homem cai como presa fácil
do relativismo e, consequentemente, torna-se-lhe difícil agir de acordo com a justiça
e comprometer-se pela paz.”
Referindo o “fanatismo de matriz religiosa” que
continua a ceifar vítimas, o Santo Padre voltou uma vez mais a sublinhar que se trata
duma “falsificação da própria religião, uma vez que esta visa reconciliar o homem
com Deus, iluminar e purificar as consciências e tornar claro que cada homem é imagem
do Criador”. “A paz constitui, ao mesmo tempo, dom de Deus e tarefa do homem, porque
exige a sua resposta livre e consciente”, como o sugere o tema, este ano, do Dia Mundial
da Paz: Bem-aventurados os obreiros da paz. Recordando “a grave responsabilidade
de trabalhar pela paz” que incumbe primariamente às autoridades civis e políticas”,
Bento XVI passou em revista “os numerosos conflitos que continuam a ensanguentar a
humanidade, a começar pelo Médio Oriente”. Antes de mais, a Síria, “dilacerada por
contínuos massacres e palco de imensos sofrimentos para a população civil”. “Renovo
o meu apelo para que se deponham as armas e possa, o mais rápido possível, prevalecer
um diálogo construtivo para acabar com um conflito que, se perdurar, não conhecerá
vencedores mas apenas derrotados, deixando em campo atrás de si apenas ruínas.”
Uma
referência também à Terra Santa: “Na sequência do reconhecimento da Palestina como
Estado Observador não - Membro das Nações Unidas, renovou os seus “votos de que israelitas
e palestinianos, com o apoio da comunidade internacional, se empenhem por chegar a
uma convivência pacífica no contexto de dois Estados soberanos onde o respeito pela
justiça e as legítimas aspirações de ambos os povos seja tutelado e garantido”.
Especial
atenção mereceu, no discurso do Papa ao Corpo Diplomático, o continente africano:
“Também no Norte de África é prioritária a cooperação de todos os componentes da sociedade,
devendo ser garantida a cada um deles a plena cidadania, a liberdade de professar
publicamente a sua religião e a possibilidade de contribuir para o bem comum”. Bento
XVI exprimiu a todos os egípcios a sua proximidade e oração neste período em que se
formam novas instituições. Estendendo depois o olhar para a África subsaariana, o
Papa encorajou os esforços para construir a paz, “sobretudo nos lugares onde permanecem
abertas as feridas das guerras e onde pesam graves consequências humanitárias”. “Penso
de modo particular na região do Corno de África, bem como no leste da República Democrática
do Congo, onde recrudesceram as violências, forçando muitas pessoas a abandonar as
suas casas, as próprias famílias e ambientes de vida. Ao mesmo tempo, não posso ignorar
as outras ameaças que se desenham no horizonte. Com intervalos regulares, a Nigéria
vê-se palco de atentados terroristas que ceifam vítimas, sobretudo entre os fiéis
cristãos reunidos em oração, como se o ódio quisesse transformar templos de oração
e de paz em centros de pavor e dissensão”.
Bento XVI exprimiu a “grande tristeza”
com que no próprio dia de Natal tomou conhecimento do bárbara assassinato de dezenas
de cristãos. Finalmente, no que diz respeito à África, uma referência ao Mali e à
República Centro – Africana: “Também o Mali se vê dilacerado pela violência e
sofre uma profunda crise institucional e social, que deve merecer um eficaz empenho
da comunidade internacional. E, passando à República Centro-Africana, espero que as
conversações anunciadas para os próximos dias tragam a estabilidade e poupem à população
reviver as tribulações da guerra civil.” Observando seguidamente que “a construção
da paz passa, sem cessar, pela tutela do homem e dos seus direitos fundamentais”,
o Papa lembrou que “esta tarefa interpela todos os países e deve ser constantemente
inspirada pela dignidade transcendente da pessoa humana e pelos princípios inscritos
na sua natureza”, a começar pelo respeito pela vida humana, em todas as suas fases.
Neste sentido, Bento XVI mencionou a tristeza de ver que em vários países, mesmo de
tradição cristã, se procurou introduzir ou ampliar legislações que despenalizam o
aborto. “O aborto directo, ou seja, querido como fim ou como meio, é gravemente contrário
à lei moral. Ao dizer isto, a Igreja Católica não pretende faltar de compreensão e
benevolência nomeadamente para com a mãe; trata-se, antes, de velar para que a lei
não chegue a alterar, injustamente, o equilíbrio entre o igual direito à vida que
possuem tanto a mãe como o filho nascituro”.
Na parte final do seu discurso
ao Corpo Diplomático, o Papa referiu atual crise económica e financeira, diagnosticando
como causa o ter-se perdido de vista a economia real: “(A atual crise económica e
financeira) desenvolveu-se porque, com muita frequência, se absolutizou o lucro em
detrimento do trabalho, e as pessoas se aventuraram desenfreadamente pelos trilhos
da economia financeira em vez da real. Por isso, é necessário recuperar o sentido
do trabalho e de um lucro que lhe seja proporcionado. Com esta finalidade, há que
educar para resistir à tentação dos interesses particulares e a curto prazo, orientando-se
antes na direção do bem comum”.
Sublinhando a importância de “formar líderes
que possam guiar, no futuro, as instituições públicas nacionais e internacionais”,
Bento XVI aludiu concretamente à União Europeia: “A União Europeia precisa de representantes
clarividentes e qualificados para realizar as opções difíceis que são necessárias
a fim de sanar a sua economia e colocar bases sólidas para o seu progresso. Sozinhos,
alguns países talvez caminhassem mais rápido, mas, juntos, todos chegarão certamente
mais longe.
O Papa considerou urgente que os responsáveis políticos não se
resignem “com a «contração [spread, no original] do bem-estar social», enquanto se
combate a contração financeira”. “Se é uma preocupação o índice diferencial entre
as taxas financeiras, deveriam suscitar indignação as crescentes diferenças entre
poucos, cada vez mais ricos, e muitos, irremediavelmente pobres”.
A concluir,
Bento XVI apelou ao investimento na educação nos países em vias de desenvolvimento
da África, Ásia e América Latina, afirmando que isso “significa ajudá-los a vencer
a pobreza e as doenças, bem como a realizar sistemas legais equitativos e respeitadores
da dignidade humana”. “Construir a paz significa educar os indivíduos para combaterem
a corrupção, a criminalidade, a produção e o tráfico da droga, bem como para evitar
divisões e tensões, que põem em risco o tecido da sociedade, dificultando o seu desenvolvimento
e a convivência pacífica ”. ^^^^^^^^^^^^
Sobre este discurso do Papa ao
Corpo Diplomático, informamos que hoje mesmo, às 16h de Roma, a partir do Estúdio
3 da RV será transmitido em áudio e vídeo o debate (em inglês) entre três Embaixadores
que representam diferentes Continentes: Ulla Gudmundson, Embaixadora da Suécia, John
McCarthy, Embaixador da Austrália e Mercedes A. Tuason, Embaixadora das Filipinas.
O webcast no Youtube tem o formato de uma mesa redonda durante a qual se poderão
ouvir alguns trechos do discurso do Papa pronunciado esta manhã e os participantes
serão convidados a comentar essas palavras tais como serão recebidas nas respectivas
áreas geopolíticas . Será possível acompanhar o debate clicando o seguinte site www.youtube.com/radiovaticanavideo
Recordamos
que são 179 os Estados que actualmente mantêm relações diplomáticas com a Santa Sé.
A estes há que acrescentar: a União Europeia, a Ordem Militar de Malta e uma missão
de carácter especial: a Representação da Organização para a Libertação da Palestina
(OLP).