A pergunta – sobre
a qual a EBU, União das Emissoras Europeias, convida a reflectir neste dia 29 de Novembro
através dos meios de comunicação social – parece nova e, com efeito, apresenta alguns
aspectos novos. Diz respeito hoje a quem ontem não parecia minimamente preocupado
com o fenómeno da pobreza: milhões de cidadãos dos Países do mundo desenvolvido, hoje
chamados, pelos seus governantes e por instituições financeiras como o FMI, a apertar
o cinto. O mesmo rigor por que passaram, de forma talvez muito mais intensa, tantos
países africanos nos anos 80/90. Recordo ainda as numerosas cartas que, de Moçambique,
por exemplo, chegavam à nossa Redacção. “Aqui o que nos está a matar é o PRE”, o
Programa de Reestruturação Económica imposto pelo FMI. Ou então a sorte que tocou
aos cidadãos da zona africana do Franco CFA que, em 1994 viram, de um dia para outro,
o seu poder de compra desvalorizado de 50% pela França. Sequelas do passado colonial!
Mas aqueles cidadãos habituados, talvez, a muitas e longas formas de sofrimento, suportaram
tudo em silêncio e o mundo que conta não notou esse sofrimento.
Hoje as estatísticas
recordam-nos que 33 dos 44 países mais pobres do mundo encontram-se em África. As
razões – sublinha-se sempre – são de carácter endógeno e exógeno: má governação, ditaduras,
guerras e conflitos inter-étnicos, injustiças na distribuição dos bens comuns, corrupção,
sociedade civil incipiente, alienação da classe intelectual, injustiças das potencias
económicas nas relações com a África, açambarcamento dos recursos naturais, consequências
do passado esclavagista e colonial e assim por diante. Situações que em boa parte
diziam respeito também à América Latina e à Ásia que, juntamente com a África, eram
designadas “Terceiro Mundo”.
Para muitos estudiosos dessa área do Planeta,
tratava-se de um mundo estruturado em centro e periferia, em que a riqueza do centro
se mantinha graças à pobreza da periferia. Em suma, uma interdependência, no mínimo,
desequilibrada. A tal ponto que se falou, ao longo de muitos anos, na necessidade
de uma NOEI, Nova Ordem Económica Internacional, nunca posta em prática, como de resto,
nunca se pôs em prática a NOMIC, Nova Ordem Mundial da Informação e Comunicação, reclamada
pelo Terceiro Mundo e que teria, talvez, contribuído para uma melhor compreensão das
causas do desequilíbrio entre o centro e a periferia e no seio de cada um deles. É,
por ventura, para isto que a EBU quer contribuir ao lançar a pergunta “Porquê a pobreza?”!?
Mas de que pobreza se trata? Sem dúvida alguma da pobreza económica, que está
a atirar para o desemprego milhões de pessoas com o risco de se ver instaurar no mundo
até ontem considerado desenvolvido aquela miséria que humilha qualquer ser humano
e que, há demasiado tempo, atormenta milhões e milhões de africanos e de outros habitantes
do Sul do Planeta.
A pobreza económica é causa e ao mesmo tempo consequência
doutras pobrezas mais profundas sobre as quais é preciso reflectir. A Igreja convida
desde há anos a esta reflexão, recordando que o desenvolvimento não deve ser unicamente
económico, mas também espiritual, cultural, social e que deve ter no centro das próprias
preocupações todas as pessoas e a pessoa toda. Caso contrário a humanidade vai à deriva.
A Igreja tem também chamado atenção para os perigos sociais de um capitalismo sem
regras que procura o lucro a todo o custo, deixando de lado a ética e a pessoa humana.
As consequências estão hoje perante os nossos olhos!
Todos estes mecanismos
levaram àquilo que estudiosos africanos, como Engelbert Mveng, definiram de pobreza
antropológica, isto é, do homem na sua essência, na sua capacidade de pensar, de agir,
de se projectar integralmente no tempo e no espaço da própria realidade sócio-cultural
e da realidade humana em sentido lato. Aqueles que pareciam poupados por esta pobreza
antropológica caíram na mesma ratoeira, até porque a Humanidade é uma só. Os nossos
destinos são inseparáveis – escrevia em 1966 C. Hamidou Kane no livro “A Aventura
Ambígua”.
Restabelecer o equilíbrio entre centro e periferia, entre pobres
e ricos de cada centro e de cada periferia, requer, antes de mais, uma justa distribuição
dos bens produzidos pelo ser humano. Sobriedade é, de facto, o que se pede hoje em
dia a quem tem mais, por forma a permitir a quem está na miséria aviltante viver com
dignidade. Trata-se de ver na pobreza uma riqueza. A isto convidava a reflectir já
em 1978, Albert Tévoédjiré na obra “A Pobreza, Riqueza dos Povos”, isto é, uma pobreza
que nos deixe livres da corrida desenfreada às riquezas materiais, para nos permitir
descobrir outras riquezas, viver os valores humanos da solidariedade, da partilha,
da relação com Deus e, consequentemente, com o irmão, com os mais fracos e necessitados.
Em poucas palavras, ser mais pessoa!
Esta mensagem que vai precisamente na
linha das orientações há décadas difundidas pela Igreja Católica através da sua Doutrina
Social, e desde há mais de dois mil anos pelo Evangelho de Cristo, não é facilmente
aceite. Mas não há que perder a esperança. Oxalá a crise actual represente uma oportunidade
para fazer compreender que estamos todos no mesmo barco, unidos por um único destino,
o humano, e que ou se procuram soluções capazes de garantir uma vida melhor para todos,
ou a Humanidade corre o risco de auto-aniquilar-se. Ajudar a compreender isto, ajudar
a reabilitar, paradoxalmente, a pobreza, é talvez o melhor serviço que a EBU pode
prestar mediante a justa interrogação “Porquê a pobreza?”.
Maria Dulce Araújo
Évora – Programa Português, Rádio Vaticano.