Não à violência bélica nas cidades, com vítimas civis: entrevista a D. Silvano M.Tomasi
É inaceitável que nos conflitos armados sejam as populações civis e muitas vezes as
crianças a pagar o preço mais alto: sublinhou-o D. Silvano Maria Tomasi, observador
permanente da Santa Sé junto da ONU em Genebra, num encontro promovido pelas Nações
Unidas sobre o uso das armas convencionais, como ele mesmo explica aos microfones
da Rádio Vaticano. Uma entrevista que a violência bélica que envolveu nos últimos
dias Israel e Gaza tornou ainda mais atual… - A questão sobre a qual se
procura chamar a atenção é a protecção da população civil, de modo que não sofra duas
vezes: primeiro por causa do conflito e depois por causa dos resíduos bélicos explosivos,
que continuam a causar danos, quando explodem. Encontramo-nos perante uma situação
que exige muita atenção, sobretudo se se pensa que hoje em dia a maior parte da população
do mundo vive num contexto urbano e portanto a guerra levada para dentro das cidades
atinge sobretudo os civis. “Devemos encontrar maneira de bloquear este tipo de danos
que se infligem aos civis”, foi este o apelo que lancei à Comunidade internacional.
- Sempre se disse que na guerra nem tudo é permitido e que o direito
humanitário deve prevalecer sobre os objectivos militares. Mas é o contrario aquilo
a que assistimos?
- Reparando bem, vemos que esta discussão não
é teórica. Pensamos nas cidade da Síria, neste momento, alvo de violentos conflitos
e onde quem paga o preço mais alto não são os militares, mas as famílias, as mulheres,
as crianças e a sociedade civil destruída. É esta preocupação que deve entrar no próximo
passo do desenvolvimento do direito humanitário internacional, de modo a encontrar
maneira eficaz de proteger essa gente que, de outro modo fica continuamente exposta
não somente ao risco de ser morta ou ferida, mas que é também obrigada a deslocar-se
forçosamente e a emigrar: crianças que são abandonadas e que se encontram sozinhas
nos campos de refugiados ou num ângulo qualquer da cidade.
- Existem,
todavia, convenções internacionais que de qualquer modo deveriam regular os conflitos.
O que é que se passa com essas convenções?
- Infelizmente, se olharmos
à volta, damo-nos conta de que não são respeitadas. A maior evidência é que as populações
civis continuam a carregar o peso maior; continuam a ser as vítimas mais numerosas:
também hoje - e não só nos ambientes urbanos – como as cidades do Médio oriente, que
sofrem ataques de grupos estatais e não estatais – os civis são continuamente alvejados
e pagam o preço mais alto.
– A questão é que atacar civis, nos
conflitos modernos, representa precisamente o ponto de força…
É
verdade! Na história, quando se fala de guerra, fala-se de vencedores e vencidos:
os civis que representam o número mais alto de vítimas, são esquecidos. Hoje em dia,
perante os combates a que assistimos, para progredir num sentido de humanidade, torna-se
necessário ir para além das formalidades, dos acordos e dos tratados: deve-se, em
suma, criar uma cultura que espelhe a dignidade da pessoa humana e que se faça de
modo que a pessoa humana esteja no centro das atenções e não venha, pelo contrário,
utilizada como meio para atingir interesses de poderes políticos. Há que insistir
para que se desenvolva uma atitude e uma mentalidade que resolva os problemas da violência
e do confronto armado através de uma aceitação da dignidade da pessoa e do respeito
de todas as pessoas, de modo a evitar, através do diálogo, toda e qualquer forma de
violência irracional. Neste particular momento da história, vemos
que os confrontos continuam a explodir, envolvendo grupos oficiais de um Estado, outras
vezes grupos que se formam espontaneamente e outras vezes ainda, pelo contrário, grupos
terroristas. As regras de um mínimo de humanidade, e portanto a aplicação do direito
humanitário internacional, devem estender-se também a esses grupos. Não se pode justificar,
de modo nenhum, a violência levada a cabo de modo arbitrário e que não respeita os
civis. Essa parece-me ser a questão sobre a qual devemos todos insistir, quer se trate
de guerras em África quer no Médio Oriente. Hoje existem essas expressões de violência
que mudam um pouco as regras, mas que não devem esquecer que se trata sempre de pessoas
humanas, para com as quais nem todas as formas de violência são permitidas.