Cidade do Vaticano
(RV) - Hoje, em nosso espaço de Missão, Cristiane Murray nos conta sua experiência
missionária no Burundi, no Centro de Jovens de Kamenge.
Centro de Jovens de
Kamenge, um outro modo de ser missão.
Hoje, a Rádio Vaticano está na zona norte
de Bujumbura, no município de Kamenge. Pe. Claudio Marano, xaveriano que vive há 27
anos no Burundi, nos apresenta esta realidade e o Centro de Jovens de Kamenge, com
40 mil inscritos.
O projeto de Padre Claudio no Burundi não tem nada a ver
com a missão vista como idéia onde cristãos brancos, religiosos e leigos vêem de fora
como voluntários e catequizam. O que ele queria era encontrar um sistema para implantar
uma ideal democracia entre os jovens, fazer com que vivessem realmente juntos nesta
área tão devastada e lacerada etnicamente.
Aqui não se faz catecismo; é um
projeto social onde tutsis, hutus, católicos, protestantes e muçulmanos, burundineses,
ruandeses, congoleses e tanzanianos, ricos e pobres, rapazes e moças aprendem a passar
seu tempo uns ao lado dos outros. Viver juntos não é simples nesta realidade – lembra
ele: “Significa mudar a mentalidade, a cabeça, mudar o coração, entreter relações,
conseguir conversar sobre as coisas do dia a dia, e manter esta atitude”.
Na
prática, o Centro abre aos jovens de 16 a 30 anos esta possibilidade. Aqui todos podem
vir, dos 6 bairros de Kamenge, gratuitamente, e aprender a usar um computador no cyber-espaço,
ter aulas de italiano, árabe, inglês; canto e dança. Existe uma biblioteca de verdade,
um sala de cinema de 350 cadeiras e 500 lugares em pé. De manhã, são projetados documentários;
à tarde, filmes de longa-metragem. Campos de futebol, tênis, volley e basquete..
com 30 atividades por dia, os jovens vão se ‘acostumando’ a estar juntos. É este o
objetivo: assimilar como deixar para trás rancores de anos de guerras e lado a lado,
expressar seu desejo de convivência. É uma formação lenta, entra na cabeça através
de experiências cotidianas, requer tempo. “Mudar o coração é muito difícil, mas nós
estamos conseguindo” – diz Padre Claudio.
Mas quanto custa isso manter este
espaço aberto todos os dias, da 8h às 20? Luz, gás, água, manutenção, animadores e
funcionários contratados? De 450 a 500 mil euros por ano, e o maior desafio é encontrar
esse dinheiro para continuar. O projeto nasceu para fazer este tipo de trabalho, a
convivência entre os jovens, e inventar atividades paralelas para mantê-lo desvirtuaria
seu sentido.
A cada ano, de 70 a 80 pessoas por ano vêm da Europa ao Centro
para passar um tempo. Todos se entusiasmam, mas poucos abrem as carteiras para doar.
Hoje – explica Pe. Claudio – o momento é difícil, a maioria das pessoas não doa dinheiro
para comprar bolas, filmes, livros para os jovens, porque não têm uma resposta imediata.
“Nós a vemos e sofremos muito por isso. Se não se dá ao jovem o mínimo para que seja
jovem, ele vai se lembrar disso e cobrará, dia após dia, a sua juventude perdida”.
O xaveriano conta que uma vez veio uma senhora que, querendo fazer um elogio, disse:
“Vocês tratam estes negros como italianos”. Existe ainda a mentalidade que aos negros
se deve dar o mínimo, somente aquilo que não interessa, mas este não é o nosso método.
Como sempre, quem ajuda são os amigos, as ONGs, a Caritas, a Conferência Episcopal
Italiana.
Pe. Claudio não se desanima e é orgulhoso deste trabalho: com 40
jovens animadores contratados, crescidos aqui, seu projeto se alastrou e hoje está
em todos os bairros da zona norte: em postos de saúde, escolas de todos os graus,
nos clubes anti-aids, comunidades religiosas, e até em quarteis, porque todos devem
aprender a estar juntos, a se sentirem iguais. Seu ponto de encontro é a reconciliação.
Muitos destes jovens mataram ou cometeram violências contra seus irmãos. Quando o
Centro foi aberto, poucos meses antes do golpe de Estado que deflagrou a guerra, teve
que ficar fechado por 4 meses, porque ninguém podia vir. Combatia-se 24h por dia:
jaziam aqui ao redor milhares de mortos, e quadrilhas armavam os jovens, incitando-os
a lutar. Assim, pouco após a sua criação, em 1995, o Centro se transformou em hospital
de guerra onde a ONG “Médicos sem Fronteiras” curava centenas de feridos, tutsis e
hutus, juntos.
Hoje falamos da experiência do Centro de Jovens de Kamenge,
onde homens e mulheres de boa vontade, como muitos outros no mundo inteiro, trabalham
e sonham um futuro diferente, sem a certeza de consegui-lo. O certo é que podemos
realizar pequenos ou grandes gestos no nosso cotidiano, lutar pelo diálogo, a paz
e a reconciliação. Sonhar um mundo de irmãos e irmãs unidos não é uma utopia. Pelo
menos vendo a partir daqui, de Kamenge.