Transmitir razões para acreditar (Editorial Europeu, de Pietro Cocco, jornalista da
RV)
“Transmitir razões para crer” é o título que o colega italiano Pietro Cocco deu
ao Editorial Europeu que lhe tocou preparar, para os Programas do Velho Continente…
"No
merecido final de cada duro dia, queres dizer-nos, Senhor, que significa tudo isto?
E que tu possas encontrar uma qualquer razão para acreditar?" Assim, se exprime
o músico norte-americano, Bruce Springsteen, num dos seus albuns mais sofridos sobre
a condição humana e social do seu país.
As suas palavras superam as fronteiras
geográficas. Estas questões constituem também aqui na Europa um dos problemas de fundo
da cultura contemporânea, a braços com a crise económica e com a incompreensão que
muitos experimentam entre aquilo que vivem e a possibilidade de que haja um sentido.
É claro, para os crentes, que se pode falar de crise de fé e de exclusão de Deus
do horizonte da vida, mas há também um outro aspeto que vem antes. Trata-se da possibilidade
de transmitir o próprio sentido, de partilhar a fé. É muito profunda a sensação que
muitas pessoas experimentam de vazio, de isolamento, de perda de identidade.
Qual
é o terreno comum de pensamento, sentimento, confiança recíproca, expectativas, para
poder transmitir alguma razão para acreditar?
Para poder transmitir algo, somos
chamados a uma nova obra de inculturação do pensamento e da fé, para que as palavras
e os horizontes de significado exprimam a carne e o sangue dos homens e das mulheres
de hoje, de todos. Há que usar a inteligência e o coração, como repete incansavelmente
Bento XVI, de modo a retomar uma narrativa comum e, para todos aqueles que tiverem
esse dom, abri-la a Deus.
Para esta obra, requerem-se pessoas dotadas de uma
inteligência que saiba fazer memória. Porque, repete profeticamente Bento XVI, uma
razão abstrata, anti-histórica - no sentido de julgar poder dominar tudo, emancipando-se
de todas as tradições e valores culturais - torna a vida invivível, tira o terreno
debaixo dos pés, extingue o fogo que aquece a convivência humana.
Este trabalho
de inculturação, de transmissão de valores, de diálogo entre culturas e diferentes
convicções religiosas, faz apelo ao coração das pessoas, ou seja, à capacidade de
viver a dimensão relacional e comunitária.
De facto, só um coração livre nos
permite reconhecer o outro como irmão. Só assim poderemos superar as fragilidades
que vivemos, sanar as injustiças e as solidões que afetam boa parte da humanidade,
a começar pelas nossas cidades. Poderemos, assim, encontrar as razões para acreditar...
ao concluir mais um duro dia.