Brasília (RV) - Durante a 50ª Assembleia Geral dos Bispos do Brasil, em abril
de 2012, foi realizada em Aparecida (SP) uma sessão solene em comemoração aos 60 anos
da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Na ocasião, o atual Presidente,
Cardeal Raymundo Damasceno Assis, destacou que a colegialidade episcopal foi o eixo
fundamental do Concílio Vaticano II, e iluminou a caminhada da Conferência desde então. Na
mesma ocasião, foi lançado o opúsculo “CNBB: 60 Anos e 50 Assembleias Gerais – Memória,
Ação de Graças e Compromisso”. A publicação apresentou a reprodução da ata de criação
da entidade, e dados históricos importantes. O trabalho foi coordenado pelo assessor
da Comissão Episcopal Pastoral para a Doutrina da Fé, Monsenhor Antônio Catelan.
A
seguir, reproduzimos a íntegra das palavras do Cardeal Damasceno na sessão solene,
realizada no dia 19 de abril de 2012.
Saúdo a todas as pessoas presentes a
esta sessão: os senhores cardeais, arcebispos, bispos e o Mons. Piergiorgio, Encarregado
de Negócios da Nunciatura Apostólica, e administradores diocesanos; os assessores
e assessoras da CNBB; os subsecretários dos Regionais; os presidentes de organismos;
os representantes das pastorais; os convidados para a Assembleia; os profissionais
da imprensa. Saúdo, igualmente, a todos os que nos acompanham pelos meios de comunicação
- televisão, rádio e Internet.
Esta sessão de que temos a graça de participar
dá-nos o ensejo de comemorar festivamente alguns acontecimentos de grande significado
para a Igreja no Brasil: o marco da realização da 50ª Assembleia da Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil e os sessenta anos da criação de nossa Conferência Episcopal. Estamos
vivendo, pois, tempos de jubileu. Tempo de alegria e de agradecimento a Deus e a todas
as pessoas que se empenharam, durante a caminhada, na busca de fidelidade ao Senhor,
realizando a história colegial da nossa Conferência. Celebramos a 50ª Assembleia
da CNBB, criada dez anos antes do Concílio Vaticano II, que lhe deu maioridade eclesiológica,
oferecendo-lhe maior fundamentação bíblico-teológica, motivando-a para a evangelização
do Povo de Deus. A 50ª Assembleia Geral tem como tema central “A Palavra de Deus
na Vida e Missão da Igreja”, temática central no Concílio Vaticano II, da 12ª Assembleia
Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos. A colegialidade episcopal foi, sem dúvida,
um eixo central na eclesiologia do Concílio Vaticano II, através da Constituição Lumen
Gentium e do decreto Christus Dominus, sobre o múnus pastoral dos Bispos na Igreja,
que institucionalizou as conferências episcopais. Essa realidade do novo Pentecostes,
o Concílio Vaticano II, iluminou os fundamentos da caminhada da nossa Conferência
que, neste ano, se torna sexagenária, revelando o início da terceira idade, um signo
de maturidade no pastoreio. Para assinalar o 60º aniversário de nossa Conferência
e a realização de sua 50ª Assembleia Geral, a CNBB editou pequena, porém importante
obra – “CNBB: 60 anos e 50 Assembleias Gerais – memória, ação de graças e compromisso”
–, em que se apresentam alguns dados e documentos historicamente relevantes para a
instituição. O percurso da nossa Igreja Católica no Brasil, de modo especial nos
últimos sessenta anos, tem uma história rica para contar, desde a experiência eclesial
em busca da fidelidade ao Espírito na missão evangelizadora até a contribuição para
a Igreja Universal que levamos ao Concílio, para as diversas Assembleias do Sínodo
dos Bispos, e para as Conferências Gerais do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. Em
tempos de especiais graças recebidas de Deus (Kairós), recebemos fortes apelos de
reavivamento da missão. Desde a sua primeira Assembleia, a CNBB tentou conjugar a
atenção aos desafios da vivência eclesial com os compromissos proféticos. Conforme
nosso Estatuto, aprovado no ano de 2002, no artigo 2º, cabe à CNBB, como expressão
peculiar: a) “fomentar uma sólida comunhão entre os Bispos que a compõem, na riqueza
de seu número e diversidade, e promover sempre a maior participação deles na Conferência; b)
“ser espaço de encontro e de diálogo para os Bispos do País, com vistas ao apoio mútuo,
orientação e encorajamento recíproco”; c) “concretizar e aprofundar o afeto colegial,
facilitando o relacionamento de seus membros, o conhecimento e a confiança recíprocos,
o intercâmbio de opinião e experiências, a superação das divergências, a aceitação
e a integração das diferenças, contribuindo assim eficazmente para a unidade eclesial”; d)
“estudar assuntos de interesse comum, estimulando a ação concorde e a solidariedade
entre os Pastores e entre suas Igrejas”; e) “facilitar a convergência da ação evangelizadora,
graças ao planejamento e à Pastoral Orgânica, em âmbito nacional e regional, oferecendo
diretrizes e subsídios às Igrejas locais”; f) “exercer o magistério doutrinal e
a atividade legislativa, segundo as normas do direito”; g) “representar o Episcopado
brasileiro junto a outras instâncias, inclusive a civil”; h) “promover, atenta
aos sinais dos tempos, a permanente formação e atualização dos seus membros, para
melhor cumprirem o múnus pastoral”; i) “Favorecer a comunhão e participação na
vida e nas atividades da Igreja, das diversas parcelas do Povo de Deus: ministros
ordenados, membros de institutos de vida consagrada e leigos, discernindo e valorizando
seus carismas e ministérios”. Os artigos subsequentes tratam do relacionamento
com a Igreja e sua missão universal, favorecendo e articulando as relações entre as
Igrejas particulares do Brasil e a Santa Sé, bem como com as outras Igrejas Episcopais. O
mesmo Estatuto dispõe a respeito das ações da CNBB relativamente à sociedade civil. O
artigo 4º. reza: “A CNBB, animada pela caridade apostólica, relaciona-se com os diversos
segmentos da realidade cultural, econômica, social e política do Brasil, buscando
uma colaboração construtiva para a promoção integral do povo e o bem maior do País
e, quando solicitada, ajudando os Pastores das Igrejas locais”; E o artigo 5º estabelece:
“A CNBB trata com as autoridades públicas as questões que interessam ao bem comum
e à missão salvífica da Igreja, mantendo o conveniente entendimento com a Nunciatura
Apostólica”. Em tempos de comemoração, é mister apelar para a memória a fim de
recordarmos os caminhos andados, com mais luzes ou menos luzes, mas sempre “esperança
que não engana” (Rm 5,5). O Concílio Vaticano II mereceu grande destaque porque
a Igreja vivia, nas décadas que o antecederam, um clima de criatividade e de liberdade
para novas experiências. Legitimadas pelo Concílio, essas experiências alcançaram
dimensão universal. O Brasil, desde os anos 50, passava por grande ebulição política,
uma fase que desembocou numa ditadura militar, a partir de 1964, com consequências
complexas. No entanto, a Igreja Católica no Brasil, no mesmo período, experimentava
forte dinâmica evangelizadora. Ela levou ao Concílio Vaticano II experiências significativas
nos campos da Bíblia, da catequese, da liturgia, do social, do laicato. Durante
o período conciliar e nos anos subsequentes, a Igreja Católica no Brasil, como em
quase toda a América Latina, tinha um duplo desafio missionário: ser fiel aos ditames
da Igreja em Concílio, marcando a renovação eclesial, e ser fiel à missão profética
ao denunciar abusos contra os direitos humanos. A evangélica opção preferencial
pelos pobres, integrante do Objetivo Geral da nossa Igreja, desde seus primeiros planos
pastorais, exigiu, nesses anos cruciais, uma mística ainda mais evangélica, uma maturidade
maior na sua ação apostólica. Contávamos com a Constituição Lumen Gentium, que
registrara: “...assim como Cristo consumou a obra da redenção na pobreza e na perseguição,
assim a Igreja é chamada a seguir o mesmo caminho, a fim de comunicar aos homens os
frutos da salvação...” (nº 8). Nesse contexto, nossas Igrejas acolheram com o maior
entusiasmo a Constituição Pastoral Gaudium et Spes, em 1965, e a concretização da
promessa do Papa Paulo VI, na Exortação Apostólica Populorum Progresso, em 1967, que
ofereceu elementos novos para a doutrina social da Igreja,com o conceito de “desenvolvimento
integral – do homem todo e de todos os homens”. A Populorum Progressio iluminou a
prática dos cristãos e deu novo alento em épocas tão desafiantes para a nossa Igreja;
perpassou também o Documento de Medellín (1968), intitulado “A Igreja na atual transformação
da América Latina à luz do Concilio, que visava a proporcionar uma evangelização latino-americana
inculturada, levando em consideração os desafios sociopolíticos, a religiosidade profunda
do nosso povo, sua espiritualidade e sede de Deus. Alguns eventos marcantes estiveram
presentes à Igreja Católica no Continente no período pré-conciliar. Destacamos o apelo
do Papa João XXIII aos bispos da América Latina por uma pastoral planejada. O Santo
Padre João XXIII explicitou uma preocupação com o conjunto do Continente diante da
situação de Cuba, tão católica quanto os outros países, e que passava por momentos
desafiadores para a Igreja. Daí nasceu entre nós, em 1962, o primeiro Plano de
Pastoral, denominado Plano de Emergência para a Igreja do Brasil. A recepção do
Concílio Vaticano II propunha, no entanto, um passo adiante ao Plano de Emergência
(1962-1965). O passo seguinte foi o Plano de Pastoral de Conjunto (PPC), relativo
ao período 1966-1970. O Objetivo Geral do Plano estava assim formulado: “Criar
meios e condições para que a Igreja no Brasil se ajuste, o mais rápida e plenamente
possível, à imagem de Igreja do Vaticano II”. O Brasil foi um dos primeiros países
a formular propostas de renovação eclesial à luz do Concílio, por meio de um Plano
de Pastoral de Conjunto (PPC). Nossos bispos, reunidos em assembleia, em Roma, trouxeram,
na bagagem e no coração, as orientações básicas para a renovação conciliar em nosso
país. Tínhamos terreno adubado para que as sementes conciliares caíssem em solo bom. As
linhas fundamentais do Plano, depois chamadas dimensões da evangelização, procuravam
aplicar os documentos principais do Vaticano II numa perspectiva pastoral. Essas
linhas perduraram por longos anos, com variações ou complementações, numa tentativa
de integrá-las entre si, procurando fidelidade aos novos apelos do Espírito, iluminadas
pelos documentos do Vaticano II.
Vejamo-las: a) “promover uma sempre mais
plena unidade visível no seio da Igreja Católica”; b) “promover a ação missionária”; c)
“promover a ação catequética e o aprofundamento doutrinal e a reflexão teológica”; d)
“promover a ação litúrgica”; e) “promover o ecumenismo e diálogo inter-religioso”; f)
“promover a melhor inserção do povo de Deus, como fermento na construção de um mundo
segundo os desígnios de Deus”.
Para melhor aplicação do Plano de Pastoral de
Conjunto (PPC) foram criados ou animados os Regionais da CNBB, que assumiram com afã
a missão de recepção do Concílio, numa mística latino-americana. Entretanto, as
assembleias seguintes da CNBB julgaram que um Plano Nacional de Pastoral, num país
extenso e diversificado como o Brasil, seria de difícil concretização. Daí, a decisão
de adotar diretrizes para a ação evangelizadora, revisadas a cada quatro anos, como
orientação de unidade para elaboração de planos específicos. É o que vem acontecendo
ultimamente como dinâmica da evangelização. A Conferência de Aparecida, no ano
de 2007, despertou, no conjunto dos cristãos, um novo entusiasmo, oferecendo horizontes
para a ação eclesial. Nas atuais Diretrizes (2011-2015), à luz da Conferência de
Aparecida, podemos caracterizar ganhos significativos. Seu Objetivo Geral está assim
formulado: “Evangelizar, a partir de Jesus Cristo e na força do Espírito Santo, como
Igreja discípula, missionária e profética, alimentada pela Palavra de Deus e pela
Eucaristia, à luz da evangélica opção pelos pobres, para que todos tenham vida, rumo
ao Reino definitivo”. Trata-se de um texto leve e claro, na busca de unidade pastoral,
com uma metodologia acessível para o conjunto dos cristãos. Estes são seus aspectos
mais marcantes: * insiste em que vivemos em mudança de época com desafios específicos; *
coloca a Igreja em estado de missão; * valoriza a centralidade de Jesus Cristo; *
coloca as Diretrizes da Ação Evangelizadora à luz da Palavra de Deus, nas pegadas
da Assembleia do Sínodo sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja; *
faz um retorno explícito à importância do Planejamento Pastoral e ao método “Ver,
Julgar e Agir”.
De fato, temos muito a comemorar, muito a celebrar. Por
tudo isso, damos graças a Deus. (SP-CNBB)
Cardeal Raymundo Damasceno Assis Arcebispo
de Aparecida (SP) Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil